Museu Industrial de Guimarães (5)

Mostra da Fábrica de Tecidos a Vapor do Castanheiro na Exposição Industrial das Festas da Cidade de 1908.


A propósito do projecto de instalação de um museu industrial nas instalações da Sociedade Martins Sarmento, muito se falou e escreveu acerca do estado da organização industrial e comercial vimaranense. É no contexto deste debate que o jornal Ecos de Guimarães, na sua edição de 14 de Janeiro de 1900, dá destaque a um artigo (não assinado, mas, muito provavelmente, do seu colaborador Avelino da  Silva Guimarães), com o título A exposição industrial permanente e a Sociedade Martins Sarmento, onde se tecem considerações muito interessantes acerca da economia de Guimarães na viragem do século XIX para ao século XX.

A EXPOSIÇÃO INDUSTRIAL PERMANENTE
e a Sociedade Martins Sarmento
Recentemente, o presidente da república francesa, mr. Loubet, referindo-se à grande exposição de 1900, afirmou que as nações do presente período histórico lutam principalmente pelas suas indústrias, pelo seu comércio. A nação, que melhor encaminha no progresso da sua indústria e comércio, é vencedora.
Excepção feita da Inglaterra, que ainda prolonga o período da conquista pela conquista[1], que ainda alimenta a vanglória do predomínio da força, todas as nações cultas da Europa, as semicultas de outros continentes, lutam todas pelo respectivo progresso interno das suas indústrias, na mais ampla significação do termo — agrícola e fabril. Entre as vencedoras, avulta a Alemanha, no desenvolvimento gigantesco das suas indústrias, na expansão internacional do seu poderoso comércio.
Nestas pugnas de paz, avulta no ardor a Rússia, este país enorme, mas ainda com numerosas populações, não simplesmente barbaras, mas nómadas, como os kirghis; e é sempre merecedor de louvores o grande imperante, que ilustra o seu reinado pela iniciativa e empenho em conciliar as nações no congresso da paz, e não cessa de promover e activar os benefícios da paz para o progresso e civilização dos milhões de homens, que governa superiormente.
E se as grandes nações se distinguem e rivalizam nestes progressivos combates de paz, as nações pequenas, como a nossa, não tem outro recurso, para que se isentem da qualificação de moribundas, na concepção deprimente e cruelmente mordaz dos orgulhosos estadistas britânicos, senão o de — progredir na sua economia interna, para pelo menos dispensar quanto possam os produtos das indústrias externas.
Por isso aplaudimos, com todo o calor da nossa alma de vimaranense, e de português, a iniciativa tomada pela Sociedade Martins Sarmento, pela sua muito activa e patriótica direcção, convidando os industriais deste populoso concelho para concorrerem para o desenvolvimento dum museu ou exposição permanente fabril e comercial.
A exposição industrial de Guimarães, em 1884, uma das empresas levadas a cabo com tanto brilho pela benemérita Sociedade, empresa que levantou Guimarães perante todo o país, pedia este complemento; houve em 1884, ou 1885, uma tentativa; agora a Sociedade emprega novo esforço, e talvez mais oportunamente, porque desde 1884 até hoje as indústrias do concelho de Guimarães, mesmo a agrícola na viticultura e vinicultura, têm operado uma transformação radical, e um progresso sensível.
Há ramos ou classes estacionárias; outras, acusando já em 1884 visível decadência; mas há classes, especialmente de tecidos de linho, algodão, e auxiliares, que não revelam só o incremento avultado, mas sensível aperfeiçoamento nos produtos. Invoquemos para exemplo os produtos de duas classes — a de pentes como a fabricados snrs. Dias, a de atoalhado e outras manufacturas dos snrs. Pedro Guimarães & C.ª, além da já antiga dos snrs. Costas.
Mais duas do snr. Teixeira de Abreu, e do snr. Alves, estão em adiantada construção.
Na agrícola é digno de mencionar-se, pelos seus persistentes esforços, e pelo exemplo que benemeritamente deu aos seus colegas, que já tem seguido a mesma rota transformadora em viticultura, o snr. Manuel Baptista Sampaio.
E cremos que, se as reclamações e queixas da Sociedade Martins Sarmento para que a escola industrial Francisco de Holanda tenha o complemento que deve ter (e não é mui difícil dar-lho) as indústrias vimaranenses teriam já conquistado maiores progressos, mais avantajados aperfeiçoamentos nas suas manufacturas.
Com a definitiva organização do museu industrial e comercial a Sociedade Martins Sarmento vai prestar mais um relevante serviço à economia e progresso deste concelho; e cria uma instituição nova, a que dava tamanho apreço o falecido iniciador conselheiro António Augusto de Aguiar na sua curta, mas produtiva existência de ministro de obras publicas. Os interessados directamente, comerciantes e industriais, obtêm fácil e gratuita a exposição, e o anúncio permanente das suas produções fabris, ou da excelência dos seus sortidos comerciais, que é a grande vantagem, por toda a parte reconhecida, no estrangeiro, como no país, da existência dos museus comerciais.
A Sociedade também aufere vantagens: cria mais um elemento de instrução e educação popular. E sobre tudo concorre para não arrefecer este santo amor da pátria, este calor e inquietação tão louvável como útil, que a animou desde 1881, — a iniciar e radicar uma época de renascimento da vitalidade escolar, e económica, da cidade e concelho de Guimarães.
Correspondendo a este salutar pensamento, a exemplar direcção tem gerido com inexcedível zelo.
Oxalá que não arrefeça.
Os assuntos que abraçou, na complexidade do seu estudo e na intensidade do seu zelo e brio patriótico, são vitais para a prosperidade deste concelho; e, se não for bastante (e decerto não é) este final de gerência, desde já lhe pedimos que continue sacrificando o seu tempo, o seu trabalho, a sua ilustrada actividade mental, n esta santa cruzada do bem.
E aos industriais e comerciantes de Guimarães, da cidade e concelho, dirigimos os nossos parabéns pela actividade que revelam para manter este concelho na categoria honrosa de Manchester portuguesa.
Faz já gosto, enche a alma de prazer, ao contemplar as fábricas que se erguem em próspera laboração, as que surgem em adiantada construção para dentro de pouco concorrerem honesta e briosamente ao aumento da riqueza concelhia: é obra que oferece aos empresários o próprio bem-estar, e a satisfação moral de concorrerem para a sustentação legitima e honrosa de muitas dezenas de famílias de artistas, de honrados trabalhadores, que aí se abriguem em busca do pão para os seus filhos!
E para que uma excessiva concentração dos esforços não prejudique intenções tão beneméritas, lembramos que é da máxima conveniência variar as empresas industriais, porque ainda que possa manter-se o sistema proteccionista por mais anos, ainda que não possam realizar-se as ambições de nos tomarem (vamos a dizer — roubarem...) as nossas possessões de África, convém a um povo, convém portanto a um concelho, que as actividades se dividam, que as empresas se variem, e correspondam às nossas antigas e numerosas classes de indústria fabril, aproveitando relíquias, aptidões operárias, da nossa passada grandeza.
Óptimas por isso foram a iniciativa dos snrs. comendador João Dias, Cunha, e Vilaça, metendo ombros à empresa duma fábrica de cutelaria, já felizmente em adiantada construção, a empresa do snr. Barbosa e Oliveira, e a do snr. Vicente.
Nem tudo tecidos, nem tudo linho ou algodão, aliás, perdida a África, a crise será fatal.
E se, apesar dos erros, fontistas, apesar dos erros de todos os governos e de todos os partidos (não obstante a pletora de conselheiros com que se decoram...), conservarmos a África, e o regime proteccionista, da variedade das empresas resultará para todos mais seguros lucros e muito menores contingências, seja qual for a evolução futura na economia geral do país.
Quanto à Sociedade Martins Sarmento, continue ela, a prestante e gloriosa corporação, na senda encetada, que há de merecer cada vez mais o que afirmou o digno presidente da Câmara na sua eloquente alocução de 9 de Março de 1899 — que paira sobre ela o espírito de Deus —, como paira sobre todas as empresas de caridade, e a Sociedade, na mais ampla acepção do termo, é uma das mais distintas associações de caridade cristã da moderna Guimarães.
Com o presidente da Câmara, e connosco, o testemunham e afirmam dezenas de consciências, que encontraram, nos inícios da sua vida de luta honesta, estímulo eficaz, protecção desinteressada.
Nesta época de sindicatos, como é consolador, como refrigera a alma queimada e como que insulada no ardor do egoísmo e das ambições insofridas, deparar e acolher-se naquele oásis viçoso de benemerências sociais!


[1] É todavia certo que essa mesma alega — que pretende civilizar os povos, e garantir a igualdade dos direitos das raças brancas...

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