Pelo
movimento que se vê aqui na rua, já terão começado as obras para a construção
do parque de estacionamento que vai preencher de betão o miolo do quarteirão que
se fecha no interior das ruas da Liberdade, de Camões e Caldeiroa e das
travessas de Camões e da Madroa. Não posso dizer que esteja surpreendido: já há
muito que tinha sido anunciado, por quem pode, que a construção era irreversível e agora apenas se terá cumprido o aforismo que diz que quem pode manda. Verdadeiramente surpreendente
é a introdução de uma nova ordem na gestão da coisa pública municipal, que parece
romper com uma cultura construída ao longo de quatro décadas de operações de
requalificação do património do Centro Histórico e dos seus arrabaldes, que
tornaram Guimarães num modelo de boas práticas e num muito elogiado caso de
estudo internacional. Dantes, as decisões políticas não se sobrepunham aos argumentos
técnicos. No novo tempo que agora nos anunciam, os juízos técnicos só serão
bem-vindos se se conformarem às decisões políticas previamente assumidas. É o
que, pelos vistos, acontece com o parecer que a Câmara solicitou ao ICOMOS.
Leio
as notícias e a minha perplexidade vai em crescendo. Onde deveria encontrar
clareza e transparência, só vislumbro mais do que uma nebulosa de dúvidas. E ponho-me a
perguntar:
1.
Porque será que se teima em proclamar que falta estacionamento em Guimarães,
quando o único estudo credível que a Câmara fez nestes últimos anos sobre necessidades
de aparcamento na cidade (o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável,
de 2015), demonstra exactamente o contrário, quando afirma que há um “número
elevado de estacionamento automóvel”, com uma “uma taxa de ocupação dos parques
de estacionamento ainda indesejavelmente baixa”?
2.
É ou não verdade que nos serviços da Câmara se estava a trabalhar num parque de
superfície de pequenas dimensões (que ia ao encontro do que foi proposto pela
equipa responsável pela recente requalificação do Toural), para acorrer a necessidades
localizadas (dos moradores e decorrentes da actividade que se desenvolve nas
imediações), quando os técnicos foram surpreendidos pela intempestiva entrada em cena do
elefante que agora vai ser alojado no miolo da Caldeiroa, e que não se sabe onde o foram desencantar?
3.
Porque será que há tantas pessoas com responsabilidades na Câmara que reagem
com silêncio e visível incomodidade quando questionadas sobre este projecto?
Será porque “nós,
técnicos, damos pareceres, o executivo decide”?
4.
A Câmara pediu um parecer à Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional
de Monumentos e Sítios (ICOMOS); o presidente da Câmara afirmou que manteve
reuniões com dois
vice-presidentes daquele organismo que “deram o seu aval à construção do Parque
Camões”. Pergunta-se: o aval de que se fala é anterior ou posterior ao pedido
de parecer ao ICOMOS? Quais os seus fundamentos? Para quando a divulgação das
actas das reuniões em que foi concedido?
5.
Leio no jornal que o senhor presidente da Câmara pergunta “porque
é que [a presidente do ICOMOS] reuniu com outras duas pessoas aqui em Guimarães
e não reuniu comigo”. Eu também gostava de ver essa pergunta respondida. E
mais esta, já agora: quem foram essas duas pessoas com quem terá reunido a
presidente do ICOMOS?
6.
Em que data foi entregue à Câmara o parecer do ICOMOS? Antes ou depois das
eleições de 1 de Outubro?
7.
A Câmara recusa-se a divulgar o parecer (ao que se percebe, nem sequer
o deu a conhecer aos vereadores eleitos pela oposição, que têm os mesmos direitos e a mesma legitimidade de que gozam os da situação). Por que razão?
8.
O presidente da Câmara faz declarações cuja gravidade não pode ser ignorada,
mas que não concretiza, quando afirma que a presidente do ICOMOS “desrespeitou
Guimarães”. Em Guimarães, estamos habituados a reagir a uma só voz às afrontas
quem nos chegam de fora. Mas, primeiro, temos que sentir e perceber onde está a
afronta. E ainda não sentimos, nem percebemos. Alguém nos ilumina sobre esta
matéria?
9.
Se era para não levar o parecer do ICOMOS em consideração, porque é que foi
solicitado?
10.
Já foi entregue a versão final do Estudo
sobre estacionamento na área urbana central de Guimarães, cuja versão
preliminar foi colocada em discussão pública em finais de Junho?
Bem sei que são muitas perguntas. Se não fosse muito o incómodo, gostava de ter algumas respostas. Mas, por favor, não venham com o argumento estafado de que tudo o que foi decidido foi sufragado em eleições. As
eleições dão votos que permitem formar maiorias com legitimidade democrática
para a tomada de decisões. Quando são autárquicas, elegem a vereação, a assembleias
municipal e e as assembleias das freguesias. Não referendam medidas, muitas menos todas as que constam em programas eleitorais. Se querem ver o parque de estacionamento da Caldeiroa sufragado, referendem-no.
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