A mulher minhota, por João da Rocha (1)




No seu número 216, publicado em 11 de Abril de 1910, a revista Ilustração Portuguesa publicou uma “monografia regional portuguesa”, escrita por João da Rocha (director e um dos fundadores da revista Límia, que se publicou em Viana do Castelo entre 1910 e 1912) e dedicada à mulher minhota, “a mais linda mulher de Portugal”, nas palavras do autor. O estudo era acompanhado por fotografias de Emílio Biel e C.ª. Aqui se publica a primeira parte (as outras virão a seguir), onde o autor escreve:
E elas sabem-no, as marotas! É ver como as saias se encurtam deixando ver a perna tentadora. É ver como os coletinhos abertos suspendem e amparam os fortes seios. É ver como os bustos se requebram no voltear do Vira e no passear do Regadinho.

Monografias regionais portuguesas

A mulher minhota (1)
O MINHO — AS INFLUÊNCIAS ÉTNICAS—A PAISAGEM E A MULHER

Desde as alturas da Peneda, do Soajo, do Gerês e da Cabreira até às suavíssimas praias do sul do Lima e às veigas fartas da Areosa, o solo minhoto desce lentamente para o mar. A brisa do Oceano adoça este clima, agreste ainda nos píncaros limítrofes da Espanha e de Trás-os-Montes, acariciando e fecundando a terra com a suavidade bucólica já de longos anos observada e a esplêndida fartura que dos arredores da Barca e de Guimarães se alastra até ao litoral. Neste abençoado terreno fervilha a população mais densa de Portugal. Terra alegre, gente alegre, em qualquer parte desta região, que não fique entre os penhascos das serras interiores, para toda a banda onde a vista se alongue é certo encontrar vinhedos e milheirais: ora o pão e o vinho, todos o sabem, são o corpo de Deus e o sangue de Cristo.
Assim, por estes sítios, entre a natureza e o homem há um acordo tácito que torna a terra mais produtiva e a vida social mais confortável. A paisagem, da meia encosta para o mar, e dum supremo encanto, macia e doce como o doce mel. Por isso os minhotos são como as abelhas: apegadas ao colmeal trabalhando e zumbindo, isto é, cantando.
A natureza do terreno em declive divide a região em duas partes bem distintas:
a montanha e o litoral, a serra e a ribeira. A população das serras que constituem a ossatura geológica do Minho é a serrana: a dos vales e das praias a ribeirinho. mais densa e mais instruída que a das montanhas, mais alta também, quanto a estatura. Sobre os mentos etnogénicos que nos tempos proto-históricos aqui a sentariam, e que seriam lígures, cruzaram-se as migrações célticas, de predomínio hoje manifesto nas partes montanhosas de Ponte do Lima e de Castro Laboreiro, e, mais tarde, as invasões nórdicas, cujo tipo antropológico predomina ainda nos vales e no litoral. Estes povos não modificaram a cultura primitiva tanto quanto etnicamente se desenvolveram, ao contrário do que sucedeu com os outros povos invasores dos tempos históricos. Etnologicamente, o elemento lígure predomina nas serras, como em Castro Laboreiro; o elemento céltico, moreno, do Âncora ao Cávado; e o elemento nórdico, louro e sardento, do Cávado ao Ave. Mas aos efeitos dos cruzamentos e à acção do tempo sobre as diferenciações étnicas resistiram notavelmente as mulheres e sempre revelaram e revelam, nos seus usos como nos seus tipos, as mais remotas influências ancestrais.
Por cá a mulher, mais do que o homem, é um produto da terra, espontâneo, natural: à paisagem inteiriça, áspera e sóbria da montanha corresponde a fisionomia rude, severa e triste da serrana; como à paisagem maleável, doce e farta da beira-mar corresponde a fisionomia viva, afável e alegre da ribeirinha. O cenário dos vales e das encostas, afagado pelo sol, lavado pelas chuvas, movimentado pelos ventos, com águas que se beijam, pinheirais que se abraçam, campos que dormem juntos, com um céu luminoso e sadio que tudo cria e tudo absolve abraçando casais e colheitas no mesmo luminoso sorriso, raramente interrompido pelas cóleras da terra e pelas tormentas do ar, é uma formidável kermesse natural: por isso não há terra como esta para romarias e folguedos, não há terra portuguesa onde se cante com mais alegria nem onde com mais espontaneidade se ame. A terra amorável dá o vinho espumoso que mata a sede e alegra a alma, o trigo e o milho de que se faz o pão de Deus, o quente linho de que se vestem homens e mulheres, e a lenha para o lume, a madeira para a casa, a palha para a enxerga...

Nesta alegria das coisas move-se a mulher minhota, a mais linda mulher de Portugal: esculturas perfeitas, como as de Seixas, a quem Páris não recusaria a maçã, palminhos de cara, como as de Afife, que fariam pecar Santo António. E elas sabem-no, as marotas! É ver como as saias se encurtam deixando ver a perna tentadora. É ver como os coletinhos abertos suspendem e amparam os fortes seios. É ver como os bustos se requebram no voltear do Vira e no passear do Regadinho. Também o homem, no Minho, se habitua desde criança a admirar mulher; e mesmo, depois de casado, nada faz, por via de regra, sem a consultar. A emigração, afugentando o minhoto, aumenta o predomínio da minhota. E não seria temerário paradoxo afirmar que para estas bandas, o homem... é a mulher.
João da Rocha, Ilustração Portuguesa, n. 216, Lisboa, 11 de Abril de 1910
CLichés de Emílio Biel & C.ª

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