Salvem-nos de parques de estacionamento. Com entradas e saídas
elevadores, tipo Campo da Vinha. Por favor utilizem bem o que há, lembrem-se
que temos pernas e que se gaste o dinheiro em educação, cultura e ambiente.
Noémia Carneiro, num comentário no Facebook, dia 30/3 às 12:16
Vai animada a discussão que se levantou na sequência da proposta
de construção de um túnel e de um parque de estacionamento no Toural e que já nos ensinou
que está longe de demonstrada a necessidade de novos parques de estacionamento
pagos em Guimarães e que, quando demonstrada, está muito longe de se encontrar
um consenso mínimo quanto à sua localização mais adequada. Quer dizer que ainda
temos muito que conversar sobre este assunto, até porque há mais projectos em
cima da mesa. Mas este é um debate que deve ser feito com um tempo e uma
ponderação que não são harmonizáveis com o ruído de uma campanha eleitoral
autárquica. Haverá tempo, desde que não nos coloquem perante a imposição de
factos consumados.
Entretanto, em jeito de contributo pessoal, aqui deixo uns quantos argumentos para a discussão que haverá de ser feita.
1. Durmo bem para o lado dos túneis e do parque no Toural,
soluções que já foram amplamente discutidas entre 2007 e 2010. Há muito pouco
tempo, portanto. Na altura, foram aduzidos os argumentos da necessidade ou da falta
dela, a par de fundamentos de natureza técnica, de história urbana e de
vivência da cidade e da sua maior e mais emblemática praça. Em resultado dessa
discussão, o projecto subterrâneo, então
apresentado pela Situação e agora replicado pela Oposição (com o acrescento de um outro parque, este no Campo da Feira), foi abandonado e
substituído por outro bem menos intrusivo e facilmente reversível. Não tenho
dúvidas de que novo debate conduzirá, inevitavelmente, às mesmas conclusões.
2. A necessidade de novos parques de estacionamento no centro
urbano de Guimarães, que parece assumida por boa parte dos nossos decisores
políticos e de sectores da opinião pública, está, como já se disse, longe de ser demonstrada,
e os argumentos que têm sido utilizados para a justificar não resistem ao escalpelo.
3. Como vimos antes, não falta onde estacionar em Guimarães à distância
de menos de meia dúzia de minutos até ao coração da cidade. Porém, também não falta
por aí quem diga que tal distância é muito grande. Curioso argumento, num tempo
em que alguns dos que sustentam tal afirmação se dedicam à moda do momento das
corridas pedestres. Pelos vistos, caminhar um par de minutos é demasiado
esforço para quem nos anda a dizer que correr quilómetros sobre quilómetros é bom
para a saúde…
4. Um dos argumentos mais acarinhados pelos defensores de mais
estacionamento no centro é o dos supostos benefícios que traria para o comércio
local. Este argumento é suportado por uma percepção difusa, mas, que se saiba,
não é sustentado por quaisquer estudos. É o argumento da ciência do achismo em todo o seu fulgor. Ora, achar
não é demonstrar.
5. O comércio local vimaranense, tirando algumas das suas
especialidades, como o comércio de linhos e enxovais (hoje em estado quase
agónico), nunca foi especialmente atractivo ou pujante. Durante muito tempo, “ir
às compras” era, em Guimarães, sinónimo de ir ao Porto ou a Braga. Se esta realidade
mudou alguma coisa nas últimas décadas, temos que reconhecer que não foi por
obra e graça do comércio local, mas sim, no essencial, por efeito das grandes superfícies que
se foram implantando por cá.
6. Com raras excepções, as mais das vezes resolvidas com entregas
ao domicílio, o comércio local de Guimarães é feito da venda de produtos de
pequeno porte (calçado, vestuário, lingerie, óculos, perfumes, ourivesaria,
doçaria…), não implicando grandes cargas para os clientes, nem a necessidade de
levar o carro até à porta da loja.
7. Mas falemos do que a realidade existente nos diz acerca da relação
entre a disponibilidade de estacionamento ao pé da loja e a prosperidade do
comércio. Dos parques de estacionamento que existem no centro urbano de
Guimarães, quatro situam-se em centros comerciais. Desses, apenas um, o S.
Francisco Centro, tem alguma vitalidade. Os outros (Santo António, Palmeiras e
Triângulo) andam, há muito, pela cada vez mais decrépita rua da amargura. E, o
que lá não falta, é onde estacionar. Não existe, portanto, qualquer evidência
da relação de causa efeito entre a disponibilidade de estacionamento próximo e a
rentabilidade do comércio. A não ser que, à luz do que vemos em Guimarães, se
queira concluir que o estacionamento próximo provoca a decadência do comércio…
8. Leio, no jornal digital Duas Caras, que o Presidente da Câmara
de Guimarães anunciou que tinha encomendado “um estudo de viabilidade para a
instalação de um parque de estacionamento subterrâneo no Largo República do
Brasil e Alameda”, com o propósito de “elaborar um documento base para
discussão pública”. Deve ser problema meu, mas confesso que fico confuso. Com a
informação de que disponho, não consigo entender a razão de ser de tal estudo, especialmente
quando se tem em marcha um processo de aquisição de terrenos para a construção
de um parque de grandes dimensões no miolo delimitado pelas ruas da Caldeiroa e
de Camões. Será que se cogita construir um parque de estacionamento subterrâneo
algures entre a Alameda e o Campo da Feira, não para substituir o projectado parque
da Caldeiroa, mas para se somar a este? E será que não há nada mais urgente e
necessário onde gastar o dinheiro público?
9. Leio, na mesma notícia, que o Presidente da Câmara declarou que “todo
o aparcamento que se vier a construir faz falta”. Não quero crer que alguém com
as responsabilidades que tem um Presidente da Câmara produza afirmações baseadas
em ideias que andam no ar, sem base em estudos rigorosos que sustentem
objectivamente o que se afirma. É da mais elementar
racionalidade acreditar que se tenha apurado a necessidade antes de se avaliar a
viabilidade. A obra até pode ser viável, mas só se justifica se for necessária.
Para o esclarecimento dos cidadãos, era bom que tais estudos não fossem mantidos
no segredo dos deuses.
10. Admitindo que seja efectiva a necessidade de mais aparcamentos
pagos em Guimarães, é preciso ter a certeza de que as localizações propostas
são as mais adequadas, funcionais e económicas. Porque, como escreveu Paulo
Dumas, “mesmo que a falta de estacionamento fosse um problema, existem ainda muitas possibilidades, antes de esventrar o centro de uma cidade histórica. Por exemplo, existem naves inteiras de fábricas abandonadas que, com pouco dinheiro, poderiam ser transformados em parques para automóveis. Esta requalificação é uma prática em muitas cidades”. Será que hipóteses como esta foram ponderadas nos estudos
que CMG terá mandado fazer antes de afirmar a necessidade de novos parques?
11. Para além da ideia que nos vão vendendo como a última das verdades
de que faltam parques de estacionamento em Guimarães, há uma outra que se vai consensualizando,
a dos benefícios da pedonalização do espaço público no casco urbano de
Guimarães. Confesso que não estou convencido de que a pedonalização, em si,
seja uma opção imaculadamente virtuosa. Antes pelo contrário. Por duas razões:
por um lado, acredito que não há razões para diabolizar o automóvel, tirando-o
da vista, como coisa feia, até porque os automóveis, sendo, muitas vezes,
magníficos objectos de design contemporâneo,
são indissociáveis da paisagem urbana; por outro, porque está longe de estar demonstrado
que a retirada de veículos automóveis das ruas resulte, só por si, em mais
conforto e segurança para a circulação de peões. Veja-se o exemplo de Braga, lembrado
por Samuel Silva. Ruas sem trânsito automóvel tendem a ficar desertas
depois da hora em que o comércio fecha portas. E, como qualquer um percebe,
ruas desertas são ruas desconfortáveis e inseguras. Pode haver quem, com boas
razões, ache o contrário, mas eu considero que até o espaço intramuros do Centro
Histórico de Guimarães já está suficientemente pedonalizado.
12. Recordo-me de, numa noite que já está à distância de uma
década, à saída da sessão pública realizada no Pequeno Auditório do CCVF em que
foram apresentados cinco projectos para Guimarães, entre os quais constava a
requalificação do Toural que previa um túnel e um parque subterrâneo, ter partilhado
com o líder da equipa responsável por esse projecto a minha opinião sobre o que
acabara de ver: que tal obra consumaria a bracarização de Guimarães. Por estes
dias, parece que ando a ver o mesmo filme.
13. Nos tempos que correm, é cada vez mais importante perceber o
racional das coisas e entender porque é que nos afirmam com tanta convicção que
nos faz falta aquilo que, em boa verdade, sentimos que não nos falta. É
importante perceber se o que se propõe corresponde a uma necessidade efectiva
e se será a maneira mais eficaz e económica de a satisfazer. Porque
sabemos que os autarcas têm uma propensão muito particular para fazerem obras,
cabe aos cidadãos escrutinar o modo como se gasta o dinheiro público. E é
obrigação dos responsáveis políticos explicar, com clareza e sem sofismas, a racionalidade
das suas opções de investimento. Para que não fiquem dúvidas de que as suas
opções possam ser capturadas por outros interesses, que não os da cidade e dos cidadãos.
14. Comecei este texto, que já vai mais longo do que o que pretendia,
afirmando que “durmo bem para o lado dos túneis e do parque no Toural”, porque tenho
a certeza de que a possibilidade dessas ideias se tornarem realidade é mínima,
para não dizer nenhuma. Já não direi o mesmo em relação ao parque da
Caldeiroa-Camões, que é uma sombra que continua a pairar sobre um quarteirão
histórico de Guimarães, e que, a concretizar-se, dará uma machadada cruel e
injustificada num modo de vida e num modelo de cidade.
15. Pelo que se percebe, a Câmara estará disponível para uma
discussão pública sobre parques de estacionamento (embora, ao que me dizem,
ande arredia em responder a uma proposta de debate sobre o parque da Caldeiroa
que lhe foi apresentada). Fará sentido que a discussão abranja todos os projectos
que estão em cima da mesa, suspendendo-se por algum tempo todas as acções relacionadas
com este dossier. Guimarães já conta mais de mil anos. São quase 400.000 dias vividos
sem túneis, nem parques de estacionamento no Toural ou na Caldeiroa-Camões. Será
que esta conversa não pode esperar uns singelos 175 dias, que é o tempo que
falta até às próximas eleições autárquicas, para que então possa acontecer com a
razoabilidade e a ponderação necessárias, sem o risco de ser contaminada pelo
ruído da campanha eleitoral? Não fará sentido suspender todas estas intenções, por
um par de meses?
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