As igrejas de S. Francisco em Guimarães. Gravura de autor desconhecido tirada a partir de fotografia ~de Antero Frederico de Seabra. Arquivo Pitoresco, 1866, p. 153. |
O último dos textos sobre os espaços e os
monumentos de Guimarães que Inácio Vilhena Barbosa publicou na revista Arquivo Pitoresco saiu em 1866 e trata do
convento e das igrejas de S. Francisco, ou seja, da igreja do convento e da capela
da Ordem Terceira, dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Fala da fundação do
convento, no início do século XIII e dos locais onde esteve implantado
(primeiro no sítio de Vila Verde, depois dentro da muralha, nas imediações da
Torre Velha, no lugar onde depois seria implantado o Hospital do Anjo, e,
por último, em lugar mais apartado da muralha que cercava a vila, que é aquele
onde o encontrámos hoje).
S. Francisco
Diz o cronista da ordem seráfica da província
de Portugal que, vindo a este reino S. Francisco de Assis, em companhia do seu
discípulo S. Gualter, e partindo ambos daqui em romaria a S. Tiago de Compostela,
na sua passagem por Vila Verde, junto de Guimarães, fundou aí o primeiro daqueles
santos uma casa de oração e nela deixou para servir a Deus S. Gualter e outro
companheiro. Realizou-se este sucesso pelos anos de 1216, reinando el-rei D. Afonso
II.
Ao diante agregaram-se a estes dois
religiosos mais alguns companheiros, constituindo-se em comunidade. Durou este
convento por espaço de oitenta anos. Sendo então o edifício demasiadamente
apertado para o número de seus moradores e achando-se, além disso, em muita ruína,
por causa, não da idade, mas da mesquinhez da construção, resolveu-se mudar o
convento para dentro dos muros da vila de Guimarães, hoje cidade.
Edificou-se, pois, o novo convento junto da
cerca de muralhas da dita vila, contíguo à torre velha, no lugar ocupado por um
hospital chamado do Anjo, que deu o nome à rua para onde deitava a sua porta
principal.
Foi esta a segunda fundação do convento da
ordem mendicante instituída por S. Francisco de Assis. Porém, pouco tempo
perseverou ali. Tendo rebentado aquelas fatais discórdias que armaram o braço
do infante D. Afonso, depois rei, quarto do nome, contra el-rei D. Dinis, seu pai;
e que lançaram o reino em tamanha perturbação, o infante, nas correrias que fez
por diversas partes do país, foi à frente dos seus parciais sobre Guimarães.
Como a vila, fiel ao seu monarca, lhe fechasse as portas e resistisse às suas
promessas e às suas ameaças, pôs-lhe o infante apertado cerco e não poupou
diligências para a tomar de assalto. Não lograram os sitiantes o seu intento,
mas fizeram consideráveis danos à povoação. Sabendo el-rei D. Dinis que fora
causa principal de tais danos o convento de S. Francisco porque, em razão de se
achar acercado das muralhas da vila, puderam os rebeldes introduzirem-se nele e
daí maltratarem os que sustentavam a autoridade do soberano, mandou demolir o
convento.
Cuidaram logo os frades de promover a
edificação de um novo convento. Neste empenho foram auxiliados por muitas
famílias ricas da vila e pelo arcebispo de Braga, D. Fr. Telo, que tinha sido
religioso da mesma ordem. Com o auxílio destes benfeitores, conseguiram não
somente os meios precisos para a obra, mas também vencer as oposições que lhes
fez o cabido da colegiada de Nossa Senhora da Oliveira sobre o lugar escolhido
para a construção, que era um terreiro fora da cerca de muros, mas próximo dela.
Lançou a primeira pedra nos alicerces o dito
arcebispo, celebrando-se a cerimónia com grande solenidade.
Quando faleceu el-rei D. Dinis, em Janeiro de
1325, achava-se o convento acabado, ou quase concluído. Foi esta a terceira e última
fundação.
Não tem este edifício celebridade em nossa
história. A única circunstância que nos ocorre, de que se deva fazer menção, é
que era muito frequentado pelos príncipes da casa de Bragança, quando iam passar
algum tempo a Guimarães. D. Afonso, primeiro duque de Bragança, era-lhe muito afeiçoado
e fez-lhe grandes esmolas; e do mesmo modo a duquesa D. Constança de Noronha,
sua segunda mulher. Esta princesa, que era filha de D. Afonso, conde de Gijon e
Noronha, filho natural de Henrique ir, rei de Castela, e de D. Isabel, filha também
natural de el-rei D. Fernando I de Portugal, viveu todo o tempo da sua viuvez
nos paços que o duque seu marido edificara em Guimarães* e, falecendo em 26 de
Janeiro de 1480, foi enterrada, por disposição sua, no convento de S. Francisco
da mesma vila. Tem no túmulo este breve epitáfio: Alphonsi Ducis hoc conjux Constança Noronha conditur in túmulo. Diz
em vulgar: Está encerrada neste túmulo Constança de Noronha, esposa do duque Afonso.
Assim como o edifício é pobre de recordações
históricas, também o é de beleza e primores artísticos. A igreja conserva
algumas das suas feições primitivas, em que se acha desenhada a simplicidade
arquitectónica da época de el-rei D. Dinis. As reparações e reconstruções
posteriores fizeram-lhe bastantes alterações. A frontaria apenas da primeira fábrica
tem o portal. A capela-mor foi reconstruída a expensas do primeiro duque de
Bragança, que por essa razão ficou sendo seu padroeiro e, por sua morte, seus
sucessores. É templo grande, com catorze capelas, algumas das quais eram
cabeças de morgados, e foram construídas em diferentes épocas. Na de S. Gualter
está o sepulcro que contém os ossos deste santo. Acha-se esta igreja em bom
estado e celebra-se nela o culto divino com decência.
Contíguo à igreja, para onde tem porta, está
o claustro com as suas galerias sustentadas por colunas de pedra e adornado com
um chafariz, há neste claustro duas capelas, uma das quais pertence à casa do
capítulo.
O edifício do convento não é notável em coisa
alguma. Não é pequeno, mas também não se pode dizer que seja vasto. Depois da
extinção das ordens religiosas, foi aplicado para diversos misteres do serviço
público e nele se construiu um teatro.
No adro da igreja, a que fazem sombra altos e
frondosos carvalhos, ergue-se um esbelto cruzeiro de pedra.
Ao lado da igreja, e deitando para o mesmo
adro, estão o templo e hospital dos terceiros de S. Francisco, construídos no século
XVII, e reformados e melhorados posteriormente, por diversas vezes. São muito
dignos de menção e de serem conhecidos das pessoas que visitarem a cidade de
Guimarães, o primeiro pelo esplendor com que nele se exerce o culto e se fazem
as festividades, e o segundo pela grandeza e asseio da casa e pela raridade,
alinho e conforto com que são tratados os enfermos. Já em outro lugar tivemos ocasião
de referir que esta confraria e a dos terceiros de S. Domingos, da mesma
cidade, contam cada uma de um a dois mil irmãos e que os seus hospitais figuram
entre os melhores e mais bem administrados de todo o reino.
Os dois templos de S. Francisco estão
situados em um vasto terreiro a que dão o nome, o qual fica vizinho da praça do
Toural** e, um pouco mais distante, mas perto, do campo da Feira***. Com o
crescer da povoação, desapareceu a muralha que a separava do convento e a
casaria lá se foi estendendo e abraçando o terreiro por partes outrora
despovoadas. A nossa gravura é cópia de uma fotografia da colecção do sr.
Seabra.
I. DE VILHENA BARBOSA.
[in Arquivo Pitoresco, vol. IX, Lisboa,
1866, pp. 153-154]
* Vid. pág.
33 do vol. IV.
** Vid. pág.
217 do vol. VII.
*** Vid. pág.
92 do vol. VII.
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