O Carmo em 1862

Convento das carmelitas em Guimarães. Gravura de Pedroso sobre desenho de Nogueira da Silva. Arquivo Pitoresco, 1852, p. 57
No seu itinerário pelos monumentos de Guimarães, Inácio de Vilhena Barbosa também se deteve no convento de Santa Teresa ou de S. José ou do Carmo, que foi recolhimento das carmelitas calçadas e depois recolhimento de crianças desvalidas sob invocação de Santa Estefânia, em homenagem à rainha D. Estefânia, consorte de D. Pedro V.
Nos dias em que o historiador o conheceu, o terreiro Carmo estava longe de ser o jardim bem ordenado que agora preenche o largo Martins Sarmento. Era delimitado pela rua da Infesta que, prolongando a rua de Santa Maria, passava em frente ao Convento, e pela rua do Poço, que dava continuidade à rua do Gado (actual ruas das Trinas). Ambas juntavam na rua da Porta de Santo António, que dava passagem para a antiga Vila Velha de Guimarães, onde estão o Castelo e o Paço dos Duques. Quase pela mesma altura em que Vilhena Barbosa escrevia, o Eng. Almeida Ribeiro, no seu plano para a cidade de Guimarães, descreveu o espaço do terreiro do Carmo como um dos que oferecem mais dificuldades de melhoramento em toda a cidade de Guimarães. As ruas são estreitas, turtuosíssimas, e estão nelas edificadas algumas casas que é força respeitar. Além disto os níveis de algumas das ruas e terreiros apresentam um outro obstáculo a um bom melhoramento. A gravura que agora se reproduz ajuda a perceber a descrição de Almeida Ribeiro.

O texto que se segue foi inicialmente publicado em 1862 no Arquivo Pitoresco.

O convento do Carmo
No dia 16 de Março de 1685 lançou-se a primeira pedra de um convento para religiosas na rua da Infesta da vila, hoje cidade, de Guimarães. Aos 8 de Abril do ano seguinte disse-se a primeira missa em uma capela do novo convento, apesar de se achar a edificação ainda atrasada. Mesmo sem estar acabado tomaram o hábito carmelitano algumas donzelas, com o título de recolhidas, mediando as competentes licenças do provincial dós carmelitas, e do arcebispo de Braga, D. Luís de Sousa.
Foi dedicado o convento a Santa Teresa. Quanto ao nome do fundador, ou fundadora, conservou-se em tal segredo, pela sua piedade e modéstia, que ficou absolutamente ignorado.
Passados alguns anos, cremos que em 1704, estando o edifício concluído, chegou a bula do papa, que autorizou as recolhidas de Santa Teresa a receberem o véu de religiosas carmelitas calçadas. O convento trocou a sua primeira invocação pela de S. José. Porém, como o lugar de honra no altar-mor da igreja é ocupado pela imagem de Nossa Senhora do Carmo, o povo principiou a dar esta invocação ao convento e ao templo e por ela os conhece e nomeia ainda ao presente.
Perseverou o convento até ao ano de 1850 ou 51, em que faleceu a última freira.
Vagando então para a coroa, foi concedido o edifício do convento, exceptuando a igreja, ao ministério da guerra, para nele estabelecer o hospital do batalhão de caçadores n.º 7, que nessa época estava aquartelado em Guimarães.
A igreja com as respectivas oficinas foi dada à irmandade de Nossa Senhora do Carmo, erecta no mesmo templo, que a conserva com muito asseio, e nela faz celebrar os ofícios divinos e algumas funções com bastante decência.
O governo, passado algum tempo, deu àquele batalhão outra terra por quartel; mas o convento continuou a pertencer ao ministério da guerra.
Pouco depois, subiu ao trono o sr. D. Pedro V, de saudosa memória, que desde logo prendeu a si a nação por tantos e tão fortes laços, entre os quais muito avultou a escolha de uma esposa, modelo de todas as virtudes cristãs.
Volveu-se mais algum pouco tempo, e esses dois astros, que brilhavam com tamanho resplendor no horizonte de Portugal, reflectindo do alto do sólio para todo o país amor da pátria e da religião, fé no trabalho e esperança no futuro, eclipsaram-se e desapareceram de entre nós, um após outro!
A nação cobriu-se de sincero e verdadeiro luto. Não houve olhos de portugueses que deixassem de verter lágrimas saídas do coração. Todas as terras do reino porfiavam em qual daria mais solene testemunho da dor pública; qual prestaria mais grata homenagem às virtudes cívicas e religiosas dos seus chorados monarcas.
Lembraram-se em Guimarães de honrar a memória da augusta rainha com uma instituição verdadeiramente pia e civilizadora — um asilo de infância desvalida, que se devia intitular de Santa Estefânia.
Pediram para esse fim ao governo o convento das carmelitas, que se achava sem destino. Porém até ao presente, com mágoa e vergonha o dizemos, não foi atendido o pedido. O ministério da guerra não quer largar de si o edifício, que, à falta de moradores e de reparos, se vai arruinando de dia para dia.
Este facto, para o qual não pode haver desculpa plausível, suscita, na verdade, mui graves considerações. Mas não as queremos fazer. Preferimos esperar que o governo ainda atenderá àquele justo pedido, obstando também à última ruína do edifício.
Não está bem patente, na gravura, a frontaria deste convento, porque o nosso desenhador preferiu este ponto de vista, por ser mais pitoresco.
I. DE VILHENA BARBOSA.

[in Arquivo Pitoresco, vol. V, Lisboa, 1862, pp. 57-58]

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