Até ao próximo dia 10 de Julho,
estará patente na extensão do Museu de Alberto Sampaio, na praça de S. Tiago,
em Guimarães, uma exposição de fotografia em que a associação
Muralha mostra mais uma notável colheita de fotografias antigas de Guimarães, das muitas que se guardam na sua colecção. Uma exposição que, se vale muito pela imagem de
conjunto que nos dá de uma cidade que, em parte, ainda aí está e que, em parte, já
desapareceu, vale acima de tudo pelo fascínio dos detalhes, muitos deles
surpreendentes. Uma exposição não perder, por todas as razões e mais as que descobrirão
os olhos dos que as visitarem.
Entretanto, aqui fica um dos
pequenos textos que consumaram a minha pequena contribuição para esta
iniciativa, correspondendo a um desafio do meu amigo Rui Vítor Costa.
A Cidade, no início do século XX
Nas primeiras linhas de Húmus, Raul Brandão descreve a Vila que servirá de pano de fundo à
sua obra-prima:
Uma vila
encardida – ruas desertas – pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da
erva – o castelo – restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada
encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava
conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. A
torre – a porta da Sé com os santos nos seus nichos – a praça com árvores
raquíticas e um coreto de zinco. Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a
humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade.
Sem esforço de imaginação se percebe que
este é um retrato da Guimarães na viragem de oitocentos que o escritor bem
conhecera e muito diferente da imagem romântica que guardámos.
No início do século XX, Guimarães era, para
os que a habitavam, uma cidade decrépita, atravessada por um emaranhado de
ruas, vielas e recantos escuros e insalubres, onde já muito tardava a
modernidade, que lhe recortaria avenidas largas e praças amplas e luminosas. Se
havia uns quantos monumentos, como o Castelo ou Colegiada, venerados como
reminiscências de um passado glorioso, o mais que persistiam eram antigualhas
sem serventia, velhas cicatrizes que não deviam ser expostas. Como aquele
pedaço de muro da torre da Alfândega, feito de granito toscamente aparelhado.
Feia coisa, muitos pensaram. Cubra-se,
alguém disse.
Assim se emparedou o que sobrava da única
torre da velha cerca de muralhas de Guimarães que resistiu ao desmonte para
empedramento das ruas. Com uma camada de reboco e outra de tinta branca, a
antiga adquiriu nova feição e uma utilidade acomodada aos tempos modernos.
Guimarães ganhou um painel publicitário.
Por aqueles tempos, as velhas cidades
portuguesas engalanavam-se para saudarem o progresso que ia chegando ao som de
fanfarras e foguetes. Assim sucedeu quando o povo de Braga, ignorando os
protestos de alguns dos seus concidadãos mais esclarecidos, aclamou
festivamente o derrube da muralha romana, então percebida como um espartilho
que atrasava o advento do progresso na antiquíssima cidade dos arcebispos.
É certo que em Guimarães existia uma
consciência patrimonial colectiva que velava pela salvaguarda dos padrões da
sua identidade. Mas no património a salvaguardar não se incluíam as casas nem
as ruas estreitas, sinuosas e insalubres do espaço a que hoje chamámos centro
histórico. Se a Guimarães faltavam praças espaçosas, ruas arejadas e avenidas
largas preparadas para acolherem a circulação dos novos meios de transporte
motorizados que se anunciavam, não lhe faltaram projectos para beneficiar de
tais melhoramentos. E não foi a consciência patrimonial vimaranense que impediu
a concretização de tais melhoramentos.
A poucos, provavelmente a ninguém,
Guimarães deve tanto no que toca ao estudo de da divulgação da sua história e
do seu património como ao Abade de Tagilde, João Gomes de Oliveira Guimarães.
Em 1906, no exercício das funções de Presidente da Câmara, gizou um programa de
renovação urbanística que envolvia demolições extensas, com o muito saudado
propósito de alargar ruas e praças. Se tais projectos nunca saíram do papel,
foi pelas razões do costume: falta de dinheiro, inércia e agendas políticas
(raramente o senhor que se segue assume os projectos de quem o antecedeu). Em
boa hora: se estes empreendimentos, e outros que se seguiram, tivessem sido
concretizados, Guimarães até poderia ser hoje uma cidade mais moderna, mas dificilmente seria
Património Mundial.
Aspecto da exposição. Fotografia de Paulo Pacheco. |
NA CIDADE
A Colecção de Fotografia da Muralha no Museu de
Alberto Sampaio (MAS)
De 12 de maio a 10 de Julho
Extensão do MAS, Praça de S. Tiago, Guimarães.
Exposição organizada por Alexandra Xavier, Miguel
Oliveira, Nuno Vieira e Rui Vítor Costa, com imagens da colecção de Fotografia
da Muralha e textos de António Amaro das Neves, António José Oliveira, Célia
Pontes, Isabel Fernandes, Maria José Meireles, Miguel Bastos, Miguel Frazão e
Rosa Maria Saavedra.
0 Comentários