Igrejas de Guimarães em 1841

O Campo da Feira em 1841, in O Panorama, vol V, Lisboa, 1841, p. 201

O texto que se segue foi publicado em 1841 na revista O Panorama, ilustrado com a gravura que se reproduz acima, faz a descrição de algumas das igrejas e conventos da então ainda vila de Guimarães. A gravura é uma reprodução de uma litografia feita a partir de um desenho do pintor inglês  George Vivian, publicado no livro Scenery of Portugal and Spain, publicado em 1839, de que já se falou anteriormente nas Memórias de Araduca. Mostra o Campo da Feira numa perspectiva pouco comum, com a ponte sobre o "rio do Campo da Feira" e a igreja dos Santos Passos ainda sem as torres.

Aqui fica o texto, na íntegra.

Guimarães.
Por todo o território português nesta parte ocidental da Europa, e aonde os portugueses puseram pé nas outras regiões do mundo, quer para abrir comércio quer para estabelecer domínio, a piedade e viva fé de nossos maiores erigiram templos mais ou menos sumptuosos em honra de Deus, da Virgem e dos santos. As igrejas são os principais dos nossos monumentos, a história da fundação de muitas está intimamente ligada com factos dos nossos anais. Votos pelo feliz sucesso das armas, acções de graças pelo bom êxito de empresas arriscadas, e uma infinidade de outras circunstâncias, moveram tanto os reis, como os particulares ou nobres, ou plebeus, a levantar essas abóbadas, sob as quais os cânticos sagrados, o perfume do incenso, o cintilar dos brandões acesos, são testemunhos de reconhecimento que a criatura tributa ao Criador. Como pois não será Guimarães povoada de templos, a nobre e antiquíssima vila, que teve a glória de ver germinar em seu grémio a florente monarquia portuguesa? Da insigne colegiada de Santa Maria da Oliveira já nos precedentes artigos falámos: apontaremos agora mais alguns com sumária notícia, sem nos sujeitarmos à ordem das soas respectivas posições topográficas ou da sua comparativa importância como edifícios.
O mosteiro de St.ª Clara, no princípio da rua da Infesta, onde há um terreiro largo, parece, por um letreiro no frontispício, ter sido fundado em 1561 ; porém é certo que um mestre-escola da colegiada de Guimarães o fez edificar, lançando-lhe a primeira pedra em 29 de Setembro do 1559: é ampla casa, que já acomodou mais de sessenta religiosas. O convento de St.ª Teresa, que primitivamente foi recolhimento, teve princípio em 1685, com a notável particularidade de procurar o fundador encobrir cuidadosamente o seu nome. A igreja da Misericórdia, que tem hospital bem servido para enfermos pobres, foi em 1585 construída onde ora existe, em local adequado, à custa de Pedro de Oliveira, cavaleiro de Santiago, natural desta vila; anteriormente estava a irmandade no claustro da colegiada, na capela de S. Braz, que por isso depois chamaram misericórdia velha. Esta mesma caritativa corporação tem a seu cargo, por cumprimento de legado do Dr. Paulo de Mesquita Sobrinho, que lhe deixou seus bens, o contribuir com quantia estipulada para a mantença do recolhimento de N.ª S.ª das Mercês, que o mesmo Dr. instituíra na rua do gado. Além das igrejas paroquiais, há cópia de ermidas intramuros e muitas mais nos arrabaldes. O convento de capuchos de St.° António, e da invocação do glorioso taumaturgo português tão festejado de seus patrícios como de estranhas nações, fundou-se em 1664 com esmolas dos devotos; tem a frente para o sul e para a porta da muralha da vila, que chamavam da garrida, e hoje de St.º António. Também com esmolas se erigiu em 1680 o convento de St.ª Rosa, de freiras dominicanas, no sítio onde havia uma albergaria para passageiros pobres, que se transferiu para outro lugar contíguo ao mosteiro. A primeira casa que os frades de S. Domingos tiveram em Guimarães, igualmente feita a expensas da pública devoção, foi derrubada em tempos das lamentáveis contestações de D. Afonso com seu pai el-rei D. Dinis, porque, intentando-se a tomada da vila, os seus moradores e o capitão-mor, Mem Rodrigues de Vasconcelos, a defenderam pela voz de el-rei, com grande lealdade e constância; e nessas circunstâncias para ocorrer às providências para a defensão necessitou-se a desmoronação do convento, como a de outros prédios; a segunda casa para os frades levantou-se, onde está, desde os anos 1375 até 1397, concorrendo para a obra grandemente o afamado arcebispo de Braga, D. Lourenço; e as armas que este prelado adotara por brasão se viam no espelho de vidraças coradas, ou rosácea (como dizem os franceses) por cima do arco da capela-mor. Compõe-se a igreja de três naves repartidas com arcarias e pilastras de mármore. Na capela de St.° Tomás, que fica encostada à parede da capela-mor, entre esta e a de N. Sr.ª das Neves, lado da epístola, em túmulo de pedra se recolheram os despojos mortais de um venerável religioso do convento, Fr. Lourenço Mendes, varão reverenciado por suas virtudes e zelo, e que ajuntando as esmolas dos fiéis conseguiu edificar a ponte de Cavens no rio Tâmega, onde se dividem as duas províncias do Minho e de Trás-os-Montes. Mandou-lhe fazer o jazigo, trasladando para ele os ossos, o licenciado Manuel Barbosa, pai do insigne jurisconsulto. Agostinho Barbosa, cujos livros em linguagem latina alcançaram grande voga e estimação nos colégios jurídicos da Europa.
O convento de S. Francisco é celebre por três fundações: a primeira no lugar que hoje chamam a fonte santa, na freguesia de Santo Estevão de Urguezes, e a efectuou o seráfico patriarca, quando passou por este reino em tempo de Afonso 2.°, se é verdade o que afirma a crónica franciscana, part. l.ª liv. 6.° cap. 30, e que o P. Carvalho cita sem comento; a segunda foi dentro da circunvalação das muralhas junto à torre velha, onde depois fizeram o recolhimento das irmãs da 3.ª ordem; derribado por ocasião do cerco nas desavenças já apontadas entre pai e filho, reinando D. Dinis, foi restabelecido com mui próxima mudança de assento. Há na igreja desta casa uma capela da Virgem, com uma invocação singularíssima, e cuja origem ignorámos — N.ª Sr.*ª da Embaixada: — a não ser o mistério da Anunciação que por este nome se queira designar, obscuro e difícil de averiguar achamos este título da Senhora. Na Capela de S. Gualter, companheiro de S. Francisco, e que outrora foi um túmulo de abóbada de pedraria, repousam as cinzas do santo, como parece coligir-se deste letreiro: Gualteri tegit hoc venerabilis ossa sepulchrum: “este sepulcro encobre os ossos do venerável Gualter”.
Por cima do Campo da Feira está o campo, chamado galego, e nele o mosteiro de religiosas de St.ª Isabel, erecto em 1681, também com esmolas obtidas dos particulares. Vem agora a propósito o darmos abreviada noção do ponto, que a nossa estampa representa. Duma varanda guarnecida de gelosias se estende a vista além das muralhas da vila, tendo em frente a ponte e a igreja de St.ª Maria do Campo da Feira. Este rocio, para onde está o assento da torre e porta da sua denominação e (vid. P. Carvalho, Tom. I.° da Cor. pág. 55) ”grande e alegre, e sempre bem povoado, por ser a melhor saída da vila, e o atravessa um regato a quem no dito distrito emprestou seu nome, para nele se chamar o rio do Campo da Feira, que corre por baixo duma ponte terraplenada, igual com o mesmo campo e que tem de largo 30 passos, e encostados às suas guardas de uma e outra parte assentos de pedra: tem de comprido esta ponte 130 passos até topar em um cruzeiro de pedra com suas escadas, que está entre ela e a capela de N.ª Sr.ª da Consolação.”

O Panorama, vol V, Lisboa, 1841, pp. 201-202

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