Alguns amigos e jornalistas têm
estranhado o meu silêncio acerca do novo equipamento museológico que hoje terá
sido inaugurado em Guimarães, a cuja concepção e desenvolvimento estive ligado
desde o primeiro momento, que aconteceu há precisamente 10 anos, na sequência
de uma visita à Casa da Cultura de Paraty, na companhia de dois amigos, ponto
de partida para um documento de cuja redacção fiquei encarregado, intitulado “Proposta
para a criação de um centro de referência da história e da cultura de Guimarães”,
que começava assim:
Guimarães tem uma
cultura milenar, com uma estreita vinculação à memória histórica, material e
imaterial, que está inevitavelmente sujeita à usura do tempo. O trabalho de
reabilitação do Centro Histórico, universalmente reconhecido com a sua consagração
como Património Mundial, contribuiu para resgatar do esquecimento o património
construído.
Para além da
monumentalidade do seu Centro Histórico, Guimarães possui referenciais únicos
no quadro do património cultural, móvel e imaterial: história, tradições,
economia, artesanato, gastronomia, música, literatura, belas-artes. Trata-se de
um património disperso, que tenderá a apagar-se, como resultado da erosão pelo
tempo e do pendor para o esmagamento dos traços de identidade locais e
regionais, resultante da tendência para a massificação e para a uniformização
cultural que marca a contemporaneidade.
Para ajudar a salvaguardar
e a resgatar do esquecimento esse património, propõe-se a criação de um centro
de referência da cultura, da história e da identidade locais, a que se chamará,
provisoriamente, de Casa da Memória.
Não desvalorizando uma
vocação eminentemente turística, este novo equipamento cultural deverá
afirmar-se, antes de mais, como um espaço onde as gentes de Guimarães de hoje
se possam reencontrar com as suas raízes, capaz de se afirmar como um factor de
consolidação da identidade local. Na sua matriz conceptual, que parte dos mesmos
pressupostos que a Casa da Cultura de Paraty, no Rio de Janeiro, pretende-se
que a Casa da Memória congregue,
desde o primeiro momento, o envolvimento da população local.
2. Ao que leio em informação oficial,
o equipamento museológico hoje inaugurado mantém a designação que propus (Casa
da Memória) e os objectivos que constavam na proposta apresentada em 2006 (que serão,
de acordo com o anúncio de uma reunião realizada no dia 24 de Abril: “assegurar a perpetuação da memória material e imaterial da
cidade e da região nas perspetivas histórica, social, cultural, económica e
vivencial, a Casa da Memória visa proporcionar um local de encontro dos
vimaranenses com as suas raízes, tradições e memórias”).
3. Assim
sendo, percebo que a alguns dos meus amigos possa parecer estranha a minha
ausência do acto inaugural. Porém, do meu ponto de vista, esta situação não tem
nada de imprevisível, posto que, nos últimos três anos, ninguém (dos
responsáveis políticos ou dos membros da equipa responsável pela montagem da exposição)
teve a cortesia de me dizer ou mostrar fosse o que fosse sobre o que se estava
a fazer.
4. Mas não
posso dizer que a minha ausência na inauguração se tivesse ficado a dever a
falta de convite. De facto, quando menos o esperava, num dos dias desta última semana,
alguém que julgo não conhecer teve a gentileza de me fazer chegar um email aparentemente
inspirado nas ofertas last minute, agora
tão em moda, algo como: Exmo.(a) Senhor(a)
acaba de ganhar o direito a um convite para assistir a uma inauguração. Tem 24
horas para reclamar o seu prémio.
5. Dentro
do prazo que me foi concedido, respondi, agradecendo e informando que não iria
estar presente no acto para que era convidado, disponibilizando-me para transmitir
pessoalmente, a quem de direito, as razões que me forçavam a declinar o convite
que tiveram a amabilidade de me dirigir.
6. Como
quem de direito não quis saber das minhas razões, elas aqui ficam para os meus
amigos que mas perguntaram: não fui à inauguração da Casa da Memória porque
fiquei em casa a montar uma estante que comprei no IKEA, onde agora irei
arrumar as minhas memórias sobre o processo da Casa da Memória e mais uns
quantos volumes de preciosos ensinamentos acerca da natureza humana, coligidos
em tempo recentes. Ali ficará, a par de larga cópia de memórias, o registo de uns quantos esquecimentos e, acreditem-me, nem sombra de ressentimento, que é coisa que pode amargar os dias.
7. Por último,
quero deixar bem claro, que o que digo a propósito da ausência de informação
não inclui, muito pelo contrário, a Sociedade Martins Sarmento, cuja direcção
sempre teve o cuidado de me manter a par da sua perspectiva dos desenvolvimentos
que o processo da Casa da Memória ia tendo. Aliás, não fosse o meu envolvimento
pessoal neste projecto anterior e exterior à SMS, nenhuma razão teria para
quebrar o silêncio público sobre esta matéria que até agora me impus.
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