É posse, é
obrigação dar-vos as maçãzinhas.
Esses
pomos de amor, perfeitos, coradinhas.
(Bráulio Caldas, Bando Escolástico de 1895)
Pelo que leio na notícia colocada no site da Câmara Municipal de
Guimarães onde se anuncia a plantação das primeiras macieiras no Pomar das
Maçãzinhas, haverá alguma inclinação para se assumir a maçã da variedade porta-da-loja
como estando “tradicionalmente associada às Festas Nicolinas e às Maçãzinhas”
e eu temo que poderei ter tido alguma responsabilidade em induzir alguém em
erro quando, aqui há dias, no lançamento do magnífico livro “Guimarães Top Secret”
de Samuel Silva e José Caldeira, a uma pergunta sobre quais seriam as maçãs das
Nicolinas, eu respondi algo do género: isso não é segredo, pode ser a maçã
porta-da-loja, mas há um segredo bem escondido dentro do género, o das “deliciosas
ameixas” de Guimarães, que foram um dos principais produtos de exportação da
cidade no século XIX, mas de que se perdeu por completo o rasto. Se me
expressei mal e induzi alguém em erro, repetindo um erro que tenho escutado
recorrentemente, aqui me penitencio e afirmo, com clareza, que não tenho nenhum
argumento que possa sustentar que a maçã que tradicionalmente é entregue pelos
estudantes nas pontas das suas lanças, a cada 6 de Dezembro, seja da variedade porta-da-loja
ou de qualquer outra variedade específica.
Dos documentos que conheço, apenas posso dizer que as maçãs dos
estudantes são perfeitas, redondinhas, formosas, mimosas, rubras, na cor rivais do rosto das raparigas, rosadas, da cor da rosa, lindas, rubras, vermelhas, rubicundas, pequeninas. E também podiam
ser menos lisas, enrugadas mesmo, e descoradas, sendo estas destinadas às
criadinhas de sala e à “governante austera e
dura”.
A mais antiga referência às maçãs da
festa de S. Nicolau está nos contratos de arrendamento do dízimo de Urgezes, em
que o rendeiro ficava que com a de “dar em cada dia de S. Nicolau de cada um ano aos Estudantes
que forem à dita freguesia na forma de seu costume, 2 alqueires de castanhas
assadas, meio alqueire de nozes, meio alqueire de tremoços, 200 maçãs, 2
almudes de vinho e duas dúzias de palha de argola (ou painça)”.
Como se vê, da obrigação atribuída ao rendeiro não consta nenhuma
referência à qualidade de maçã a entregar, mas apenas ao número de frutos, o
que, estou certo, ajudará a explicar a tradição de serem pequenas as maçãs dos
estudantes. Se o contrato apenas referia o número de maçãs a entregar, nada
dizendo quanto ao seu peso ou tamanho, é compreensível que o rendeiro
escolhesse os frutos mais pequenos e não os mais avantajados.
Nos textos que chegaram até nós, dos que as festas foram produzindo ao
longo dos últimos dois séculos, não faltam referências às maçãs, que são sempre
descritas como vermelhas, redondas e pequenas. As únicas referências a tipos de
maçãs que até hoje encontrámos aparecem no pregão de 1846, escrito por José
Nepomuceno da Silva Ribeiro, onde, a dado passo, se lê:
Amanhã só
pertence ao estudante
Das
damas ofertar à mais galante,
A
essa a quem se esmerou a natureza,
Loura
castanha, a bela camoesa,
Tocar-lhe
a mão nevada e à voz de amor
De
alma e vida ficar-lhe devedor.
E no pregão de 1864, de que foi autor o
padre António José Ferreira Caldas, onde se lê:
Verás grupos de ledos estudantes
Assoberbar fogosos rocinantes,
E formando magnífico cortejo
Dar faustoso começo ao seu festejo,
Oferecerão às damas, em fineza,
A nacarada e bela camoesa,
O pomo sempre tido em mor valia,
Que, em mimos, ricas jóias desafia,
E a mente de fecundos literatos
Muitas vezes tem posto em duros tratos.
Assim sendo, ficamos com duas
hipóteses: ou as maçãs dos estudantes de Guimarães são apenas vermelhas,
redondas e pequenas, sem distinção de variedade, ou são maçãs camoesas. Eu inclino-me
para a primeira hipótese.
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