1908: Aurélio Paz dos Reis volta às Gualterianas

Aurélio Paz dos Reis (1862-1931

Em 1908, a revista Ilustração Portuguesa voltou a inserir uma reportagem sobre as Festas Gualterianas, ilustrada com mais 15 fotografias de Aurélio Paz dos Reis. Naquele ano, a festa teve como visitantes os empregados do comércio da cidade do Porto que, em grande número desembarcaram na estação do comboio na manhã do dia 2 de Agosto, domingo, tendo contribuído para a animação das festas e participado na marcha organizada pelos caixeiros de Guimarães. A reportagem fotográfica de Aurélio Paz dos Reis testemunha a passagem dessa excursão pelas festas. Também inclui uma visita ao Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento. O texto que acompanha as fotografias, corrige uma confusão na identificação de S. Gualter veiculada na reportagem do ano anterior.



Guimarães em festa – S. Gualter
Uma visita à Sociedade Martins Sarmento
S. Gualter tem, como se sabe, o seu solar festivo em Guimarães, que, numa das catorze capelas da sua igreja de S. Francisco, lhe conserva os ossos venerandos.
Cada ano as festas gualterianas, afamadas desde longe, atraem, à velha cidade gloriosa, chusmas de forasteiros, que enchem de ruido e movimento desusados as suas ruas engalanadas, e todos os anos as festas tradicionais vimaranenses se transformam, transigindo com as ideias inovadoras do tempo, modificando constantemente o seu antigo feitio, mas não arrefece o entusiasmo da sua celebração. Enquanto Guimarães existir, ufanando-se de ter sido o berço da monarquia, não deixará de comemorar o santo seu predilecto, que constitui também um timbre do seu brasão.
Os cronistas seráficos da província de Portugal relatam que tendo vindo S. Francisco de Assis a este reino na companhia do seu discípulo S. Gualter, e partindo ambos daqui em romaria a S. Tiago de Compostela — que quem não realizou em vida, terá de fazer na morte, — na sua passagem por Vila Verde, junto de Guimarães, o patriarca franciscano fundou nesse sítio uma casa de oração, na qual deixou o seu companheiro, a quem depois se agregaram outros religiosos, constituindo-se em comunidade. O facto ter-se-ia passado, no dizer dos autorizados narradores, pelos anos de 1216, no reinado de D. Afonso II. Oitenta anos volvidos, aquele destacamento mendicante não cabia no estreito quartel, que o seu general construirá, e foi então resolvido edificar um novo convento, mais amplo, mudando-o, porém, nessa ocasião, para dentro dos muros de Guimarães. Colocaram-no efectivamente junto da cerca de muralhas da vila, e desta circunstância resultou o ser mandado demolir pelo rei D. Dinis após o cerco que o filho rebelde, mais tarde D. Afonso VI, pôs a Guimarães. Os frades trataram logo de arranjar nova casa e construíram o seu terceiro convento, que se concluiu no primeiro quartel do século XIV, e que é o que ainda existe e conserva algumas das suas feições primitivas, apesar das várias reparações e reconstruções posteriores. Tal é a historia deste S. Gualter, que Guimarães festeja com tanta devoção e entusiasmo popular.
O Hagiológio do padre Cardoso fala de um S. Gualter, que era português e foi leigo do convento de S. Francisco do Monte, em Viana, onde morreu no ultimo quartel do século XVI. Está de ver, porém, que não pode ser este o mesmo santo tão estimado em Guimarães e que devia ter dado entrada já desde há muito tempo na corte celestial quando este seu homónimo foi nado em terras portuguesas. Assim, foi por engano que lhe atribuímos, o ano passado, quando então nos ocupámos também das festas gualterianas de Guimarães, a honra de ser o seu herói. Aqui fica feita a rectificação, porque nem aos santos se deve tirar o que a cada um pertence. As tradicionais festas vimaranenses celebraram-se este ano com esplendor em nada inferior ao dos antecedentes, e pelas fotografias, que reproduzimos delas, farão os nossos leitores uma ideia do que elas foram. A concorrência de forasteiros foi verdadeiramente excepcional e raros foram os que não aproveitaram o ensejo da excursão para visitar o museu arqueológico da Sociedade Martins Sarmento, ao qual se referem também algumas das fotografias que inserimos.
Não é tão conhecida, como tinha direito a sê-lo, entre o grande público, esta bela sociedade provinciana, que tão relevantes serviços tem prestado à instrução e ao estudo do país, que possui uma excelente biblioteca, um museu local interessantíssimo, e publica uma Revista que tem sido colaborada por alguns dos nossos mais distintos homens de ciência e tem inserido trabalhos de alta erudição. Deve-se a iniciativa da sua fundação a um dos homens mais beneméritos, dos que na obscuridade do seu trabalho indefesso e valiosíssimo passaram sempre indiferentes à popularidade, que nobremente desdenharam, masque foram, apesar disso, dos mais altos servidores da ciência e de Portugal — Francisco Martins Sarmento, cujo nome é a gloriosa égide do ilustre grémio.

Ilustração Portuguesa, n.º 131, de 24 de Agosto de 1908, pp. 250-254

1. Janela ornamentada: a tourada

2. Janela ornamentada: o moleiro

3. Cortejo dos excursionistas

4. A chegada dos excursionistas ao largo do Município

5. Um grupo de excursionistas

6. O coro das raparigas

7. A ornamentação do Toural

8. Janela ornamentada: o namoro

9. Janela ornamentada: o almirante e o Zé Povinho - "Onde irá isto parar?"

10. Vista geral do Museu de Arqueologia

11. Parte lateral do edifício da Sociedade Martins Sarmento

12. Um aspecto do Museu Arqueológico da Sociedade

13. Outro aspecto do Museu

14. uma galeria do Museu

Cortejo dos excursionistas do Porto

Clichés do Estereoscópio Português de Aurélio Paz dos Reis 


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