Ponham-lhe música.


Ao folhear o jornal A Oliveira, vimaranense, como o título deixa perceber, e de curta vida (apenas se publicaram 18 números, entre Abril e Julho de 1860), encontrei algumas pérolas. Entre elas, uns versos com mote e glosa que são um claro exemplo de quando o amor se transforma em ódio e a pena deixa de escrever com as tintas do coração, para se molhar no fígado em bílis. 
Dava uma canção. Um fado de coração partido. Ponham-lhe música.

MOTE
Saudades te persigam,
Mal de amores te maltrate,
Mau fogo de amor te queime,
Mal de ciúmes te mate.

GLOSA
Deus permita se fiares
Se te faça estopa o linho,
Nem te saia um pintainho
De quantos ovos deitares:
Das plantas, que semeares,
Só te nasçam as que espigam;
Maus vizinhos te maldigam,
E más pedradas te acertem,
Dores de calos te apertem,
Saudades te persigam.

Nada te fique no buxo,
Tudo contes a quem vires,
E quantas questões ouvires
Sejam de tolo machucho:
O sangue te chupe um Bruxo,
Mintas mais que um Alfaiate.
Toda a vasa se te empate,
O cuco em Maio te agoire,
Fome canina te estoire,
Mal de amores te maltrate

Cada dia de um sapato
Se te despregue um tacão,
Na mesa te mije o cão,
Na cama te suje o gato:
No fim de qualquer contrato
Sempre digas — Enganei-me, —
Só fales com quem ateime,
Só ateimes com quem jure,
Má língua de ti murmure,
Mau fogo de amor te queime.

No refrego do mantéu
Se te criem percevejos,
E aquele a quem deres beijos
Te cheire a José Bordéu*;
Oh nunca permita o Céu,
Que proves bom chocolate;
Dormindo se te desate
A sangria, a fonte, a chaga
Enfim por última praga
Mal de ciúmes te mate.
                                                Mnemósine.
 *Figura asquerosa e de insuportável cheiro

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