Leio no site da Câmara Municipal de
Guimarães:
O Município
de Guimarães apresentou, esta quinta-feira, 12 de junho, a sua nova imagem
institucional inspirada na identidade da Capital Europeia da Cultura, adotando
a sua simbologia e capitalizando o legado emocional desenvolvido ao longo do
evento, numa criação tipográfica que concentra num coração o amor que os
vimaranenses têm pela sua história, com referências gráficas às ameias do
Castelo e ao Elmo de D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal.
A
utilização do símbolo, que entrará em vigor aquando da comunicação de
iniciativas relacionadas com as comemorações solenes do “24 de junho – Dia Um
de Portugal”, assinala o início de um outro ciclo, «sem romper com o passado,
para que a apropriação ocorra naturalmente e sem atrito», refere João Campos,
autor do logótipo da Capital Europeia da Cultura e responsável pelo “restyling”
da imagem corporativa da marca.
Concordo com o que, sobre este assunto, já
escreveu Francisco Brito, num texto que tem um título que se ajusta na
perfeição ao efeito do objecto de que trata: Vulgarizar.
Acrescentarei mais alguns argumentos.
Logótipos da CEC2012, em cima, e da "marca Guimarães", 2014 |
O logótipo que passará a representar a
“imagem corporativa” da “marca Guimarães” não é mais do que uma reprodução
exacta, em negativo, do símbolo da Capital Europeia da Cultura. A argumentação
teórica que o sustenta replica também a que foi utilizada aquando da
apresentação da imagem da CEC2012, no dia 28 de Julho de 2010, desenvolvida no
documento Uma
identidade para a diversidade. Na altura, a imagem foi recebida com
estranheza e desencanto de quem olha para coisa banal. Na altura, a blosgofera
vimaranense, que era bem mais activa do que nos dias de hoje, espelhou essa
reacção. Aqui fica um exemplo, do blogue Colina Sagrada.
No entanto, a partir do momento em que a cidade voltou a ser ganha para a CEC
(melhor dizendo, a partir do momento em que a cidade ganhou e assumiu a CEC
como sua), o logótipo cumpriu o seu propósito de ser parte no envolvimento a
comunidade. A esse nível, teve pleno sucesso.
Tal sucesso não fez desaparecer as suas
fragilidades. A começar pela questão da banalidade: se há imagem repetida até à
exaustão na construção de símbolos, em geral, e de logótipos de cidades e de
regiões, é o coração. O coração (que é aquilo que se vê quando se olha para o
logótipo que agora a CMG adoptou para “marca de Guimarães”), de tão utilizado
em logótipos e produtos de merchandising já não cumpre, porque não pode
cumprir, a função de identificar e de individualizar aquilo que é único, como
todos sentimos que Guimarães é.
O vídeo que vai abaixo, feito a partir de um pesquisa que esteve longe de ser exaustiva, parece-me que demonstra perfeitamente até que ponto o coração é um símbolo banal na identidade gráfica de cidades e regiões:
O logótipo é o elemento primordial de
qualquer imagem de uma entidade. Devendo ser simples e de leitura imediata, tem
que ser mais do que uma mera representação gráfica, tem que ascender à dimensão
de metáfora visual identitária do objecto a que se refere. O que pode servir
para marca de um evento, por muito grande que seja a sua dimensão, não serve
necessariamente para uma cidade. O que representa o efémero dificilmente
representará o eterno.
Um símbolo que pretenda representar uma
cidade como Guimarães deve agregar um conjunto complexo de referenciais
simbólicos, materiais e intangíveis, tornando-os facilmente compreensíveis e
imediatamente apreensíveis. Ora, quem lê ou escuta a justificação teórica do
caminho a que o autor percorreu até ao desenho final que apresentou em 2010 e que
reapresentou em 2014, é capaz de chegar à conclusão de que esses referenciais
simbólicos estão lá. No entanto, essa não é a ideia com que fica quem olha o
desenho sem que lhe seja explicado. Esse, o que vê não é Guimarães, mas apenas
um trivial coração estilizado.
E eu, por mais que olhe para o símbolo, não
consigo encontrar nele as “referências
gráficas às ameias do Castelo e ao elmo de D. Afonso Henriques, primeiro Rei de
Portugal” que me dizem que lá estão. E os esboços que acompanham aumentam a
minha dificuldade de percepção. Ora vejamos.
Estes são os desenhos que, segundo o autor, demonstram que o elmo e a muralha são elementos que se conjugam no desenho do logótipo:
O elmo, a muralha e a junção de elementos de ambos na construção da imagem do logótipo. |
Dando de barato que tal construção
nos parece como muito forçada, temos fortes dúvidas de que o que lá está seja o
elmo que identificamos em Afonso Henriques, que foi criado por Soares dos Reis,
ou as ameias do Castelo de Guimarães, como facilmente se demonstra.
O desenho do elmo que terá sido usado para o
logótipo:
[Fotografia de Eduardo Brito] |
Quanto à representação das ameias, as
diferenças são também manifestas:
Os merlões das ameias do castelo de
Guimarães, representadas em cima (desenho nosso, a partir de fotografia), são pontiagudos, ao contrário dos do desenho que
terá sido integrado no logótipo, que são aplanados na parte superior.
Ou seja, se o logótipo que foi da CEC 2012 e
que se pretende que passe a ser a “marca Guimarães” foi construído a partir de
um elmo e de uma muralha, nem o elmo é de Afonso Henriques, nem a muralha é de
Guimarães.
(E há, neste símbolo, um mistério persistente que me intriga desde a primeira hora: o que significa o L que me salta aos
olhos quando o vejo? Quem o vê presume que o L seja uma inicial referente ao
objecto representado mas não consegue decifrá-lo.)
Em aqui chegando, percebe-se porque é que há
por aí tanta gente a torcer o nariz ao “novo” logótipo oficial, a partir de
agora usada pela CMG para comunicar a “Marca Guimarães". Porque não é novo,
porque comunica mal, porque não representa Guimarães, porque, além do mais,
Guimarães não pode ficar parada no tempo em 2012.
E depois, como diria o outro, qual é a
pressa? Qual é a pressa em começar a cortar com um símbolo bem esgalhado que,
na sua simplicidade, integra o complexo das referências simbólicas que tem que
integrar, que comunica com o público e que, por tudo isso, foi premiado?
Há uma certa ironia na escolha do dia de hoje para assinalar “o início de um outro ciclo”, introduzindo a nova
identidade do Município, precisamente no dia em que se homenageia António
Magalhães, o primeiro responsável pela profunda mudança por que passou
Guimarães ao longo das últimas duas décadas, que transformaram Guimarães numa
referência nacional e internacional do património e da cultura. As
representações simbólicas nem sempre são voluntárias, mas eu olho para o elmo
do desenho e vejo lá uma tesoura, objecto que, no passado, foi uma das imagens
de marca de Guimarães. E, como todos sabemos, a primeira vez que a tesoura
entrou na vida de cada um de nós foi para cortar o cordão umbilical.
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