Cortejo da Entrada do Pinheiro, Guiamrães, 2013 (fotografia de Ricardo Garrido) |
[Declaração prévia de conflito de interesses: o autor
deste blogue é ex-aluno do ex-Liceu Nacional de Guimarães, de que guarda memórias
mui gratas, e é professor na Escola Secundária Francisco de Holanda, provavelmente
a escola que tem mais nicolinos nos seus quadros, em todo o Universo.]
1. E eis que, de repente, a propósito das Festas Nicolinas, ressurge das
cinzas uma suposta rivalidade entre duas escolas secundárias de Guimarães. Pela
parte que me toca, sei bem onde tal ressurreição não teve lugar.
Ao que percebi, do que consegui perceber, a origem do conflito terá a ver
com a invocação para o “Liceu” teria de prerrogativas em relação às festas nicolinas.
Ou ainda mais do que isso: segundo o que se leu numa das "graças" que constavam dos
cartazes que enfeitavam os carros de bois da entrada do pinheiro, o tal “Liceu”
teria um estatuto superior aos das outras escolas:
Ó velhos estudantes
Porquê a jantarada na
Industrial?
Lembrem-se que o Liceu
É a escola principal.
Escola principal em quê? Em estatuto jurídico? Em antiguidade? Em número
de alunos? Na posição nos rankings dos resultados dos exames nacionais? Alguém me explica?
Ninguém ganha (e muito menos ganhará o dito “Liceu”) em entrar numa
disputa de puxar de galões, que só serve para alimentar discussões patetas e
serôdias. Nem a história nem a tradição nicolina autorizam a que se diga que,
nos tempos que correm, uma escola goza de foro particular. Por uma razão
simples: as festas não são, nem nunca foram, de qualquer escola. Sempre foram
dos estudantes de Guimarães, podendo-se argumentar que antigamente a
participação estava limitada aos estudantes de humanidades e de ciências, como
se depreende dos estatutos de 1837. Era por isso que os alunos do ensino técnico,
industrial ou comercial não participavam nas festas, porque os cursos
humanísticos e científicos estavam reservados os liceus. Mas há muito que em
Portugal deixou de haver distinção entre liceus e escolas técnicas. Com a
unificação do ensino secundário, todas as escolas desse grau de ensino
ministram cursos científicos e humanísticos, assim como oferecem cursos profissionais.
A partir da unificação do ensino, as Nicolinas, em mais uma demonstração da sua
capacidade de adaptação a novas realidades, foram apropriadas pelos estudantes
de todas as escolas secundárias de Guimarães. A ser de outra maneira, para quem
acredita que as festas se deveriam cristalizar na sua pureza original, o que teria de acontecer seria a exclusão dos
alunos dos cursos profissionais. O que, convenhamos, não faria qualquer
sentido.
As Festas Nicolinas continuam a existir hoje graças aos estudantes do antigo
Liceu de Martins Sarmento, depois Liceu Nacional de Guimarães, que asseguraram,
durante décadas, a continuação da tradição. A Escola Secundária Martins
Sarmento, enquanto herdeira do antigo Liceu, tem todas as razões para se
orgulhar dos seus antigos estudantes, mas isso não lhe concede qualquer direito
de primazia sobre as outras escolas com que hoje partilha o ensino científico-humanístico
no concelho de Guimarães.
2. Um outro tema que tem andado na baila tem a ver com a idade daqueles
que participam nas festas, como se a tradição apenas autorizasse a participação
dos alunos dos últimos anos do Ensino Secundário. Se assim fosse, não teria
havido festas nicolinas entre 1928 e 1958, porque nesse tempo no liceu apenas
era ministrado o curso geral, que terminava no 5.º ano, correspondente ao
actual 9.º ano. Mas isso não aconteceu, pois não? É que não havia nenhuma
limitação de idade para a participação nas festas a S. Nicolau, nem nessa
altura, nem antes, nem depois. Basta olhar para a fotografia que vai acima para
retirar quaisquer dúvidas sobre este assunto.
Esta discussão, mesmo quando assume contornos mais esgalhados e roça a
falta de civilidade, em que se confundem as pessoas com as suas opiniões, é virtuosa,
porque nos ajuda a compreender melhor a extraordinária resiliência duma velha manifestação
cultural que consegue escapar ao rolo compressor da uniformização cultural contemporânea, e que todos os anos renasce das cinzas com um vigor acrescido.
Longa vida ao S. Nicolau vimaranense!
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