São curiosas
as afirmações acerca da decadência das festas que, há séculos, os estudantes
dedicam a S. Nicolau. Este ano, há quem tenha interpretado a inclinação do pinheiro
como um sinal dessa decadência (“estes já nem com máquinas o conseguem pôr de
pé…”, ouviu-se). Ora, os vaticínios acerca da proximidade do fim dos tempos
nicolinos são uma das constantes da tradição, como agora recordamos, onde se
afirma que a festa dos estudantes “parece que caminha para o seu termo” e que
foi escrito em 1858…
Este texto
tem particular interesse por nos ajudar a perceber qual era o programa das
festas naqueles tempos (apenas falta a referência ao acto da entrada e
levantamento do pinheiro que anunciava que os estudantes de Guimarães estavam
em festa), ficando claro que o essencial do programa se concentrava no dia 6, sendo antecedido
pela leitura do pregão que, na véspera, o anunciava:
É, sim,
de Nicolau festivo dia,
Que
amanhã volve cheio de alegria.
No dia 6, os
estudantes andavam pelas ruas, cortejando as moças, a quem entregavam “a renda”
(nas pontas das “lanças douradas”, não espetavam apenas maçãs, como se verá).
Percebe-se claramente que as raparigas não se concentravam num local qualquer,
esperando pelos estudantes, antes se punham à janela nas suas casas, onde os
rapazes as iam procurar. Antes do Toural, o palco da entrega das maçãs era qualquer
lugar de Guimarães onde houvesse uma rapariga à espera delas.
Depois da
entrega das maçãs, que acontecia bem mais cedo do que nos dias de hoje, saíam à
rua as danças, que eram uma espécie
de teatro de rua executado por grupos de estudantes. Estas folias eram o número
mais esperado das festas, fazendo parte da matriz original das celebrações a S.
Nicolau em Guimarães. As Danças de S. Nicolau,
renascidas das cinzas há algumas décadas por obra dos velhos nicolinos, são, a par do pinheiro,
um dos momentos mais aguardados e de maior sucesso das festas. No entanto, não
preenchem o espaço das antigas exibições de rua que aconteciam no dia 6 de
Dezembro e que explicavam porque é que, dantes, era este o dia principal das
festas.
O texto da Tesoura de Guimarães sobre as festas a
S. Nicolau do ano de 1858 dá argumentos para se perceber que as causas da decadência
das celebrações do dia de S. Nicolau não devem ser imputadas nem ao local onde
acontece a entrega das maçãs, nem à adesão dos estudantes a esse número, mas
sim à falta das folias que, outrora,
traziam colorido e animação às ruas de Guimarães.
Folia escolástica
A folga
escolástica de S. Nicolau parece que caminha para o seu termo; nem outra coisa
era de esperar depois de a confundirem com os divertimentos ordinários e comuns
– danças e teatro –, contudo alguma coisa houve de bom, e mau. Comecemos por
este.
Não temos
grandes queixas; mas alguém as tem, não tendo podido conciliar o sono, com o
estrondo dos tambores durante as noites. Parece que a nossa advertência só a
nós foi proveitosa. Em outro tempo, iam os estudantes à novena de N. S. da Conceição;
antes de ir, faziam as suas graças, às vezes pesadas; mas não amotinavam a
povoação com o estrondo dos tambores, salvo de dia e só no dia próprio deles.
Com exclusão
deste abuso, tudo o mais esteve bom, e por isso foi pouco, muito pouco.
No domingo
saiu o bando a horas competentes, com todo o asseio e boa ordem, fazendo o
clarim calar os tambores quando o pregoeiro recitava o bando escolástico, que
deixámos transcrito. O pregoeiro ia rica e elegantemente vestido e, o carrinho
que o conduzia, vistosamente ornado, podendo dizer-se bem de todos os máscaras,
tanto de pé, como a cavalo.
Ontem a
distribuição da renda pelas damas começou tarde. Era meio-dia quando os
cavaleiros se espalharam pelas ruas chegando às belas meninas, que ornavam as
janelas, as coradas maçãs e açucarados bolos que cravados tinham nas pontas
agudas das suas lanças douradas.
Às duas
horas da tarde estava tudo distribuído.
Poucas foram
as exibições que apareceram no resto do dia, mas algumas delas chistosas e
picantes. A primeira foi a aparição de um fio eléctrico, com direcção a Braga,
pelo qual se estavam recebendo notícias, que eram logo publicadas; entre elas
uma recebida de Lisboa, que dizia – Guimarães vai ter tudo o que lhe falta:
telégrafo eléctrico, biblioteca, estradas e até caminho-de-ferro, porque uma coisa tinha caído.
Outra era:
duas damas, em carrinho descoberto, vestidas com mantos pretos e toucas na
cabeça; seguidas de criados com riquíssimas librés. Atrás do carrinho ia um
homem do povo, que o empurrava, como para andar mais depressa do que os cavalos
o levavam. Na tábua do carrinho, quando o homem o empurrava, e na mão deste, ia
um lampião aceso.
Outra
compunha-se de quatro indivíduos, cobertos com dominós negros e com archotes
acesos na mão, andando a toque de caixa.
À noite,
teatro gratuito e primorosamente desempenhado. Concorrência superior à
capacidade da casa.
A Tesoura de Guimarães, n.º 226, Guimarães, 7 de Dezembro de 1858
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