Da velha
e revelha rivalidade entre Guimarães e Braga já muito se escreveu aqui. Sabemos
que, no início, teve a ver essencialmente com conflitos de jurisdição
religiosa, com os clérigos de Guimarães a resistirem à tutela do arcebispo de
Braga. Com o tempo, este antagonismo foi alastrando, passando a contaminar
todas as linhas de contacto entre as duas maiores cidade do Minho. Esta é uma peleja
antiga, que de vez em quando aflora com escaramuças, umas mais azedas, outras
mais ligeiras, por vezes anedóticas. Este é um conflito cuja existência todos
percebem, mas que continua mal explicado. Nos próximos dias, iremos trazer aqui
elementos históricos para a compreensão do secular conflito brácaro-vimaranenses.
Como introito, aqui
fica um texto publicado em 1911 pelo jornal
O Radical, de Braga, a propósito de manifestações em Guimarães de monárquicos
que se recusavam a respeitar os símbolos da República. Fica também as respostas
que lhe deram os republicanos de Guimarães, nos jornais Alvorada e Velha Guarda.
!!! - Um artigo “ousado”, sobre os acontecimentos de Guimarães
“O claro espírito e grande
democrata Basílio Teles dissera um dia estas palavras sinistras: É preciso
arrasar Braga e Guimarães para que a República, uma vez feita, se consolide!
Enganou-se, pelo que respeita a esta hoje democrática cidade de Braga.
O sopro civilizador
de há muito que transpôs os seus vetustos muros, e na velha cidade dos
Arcebispos um núcleo numeroso de paladinos da ideia nova, de há muito que vinha operando uma transformação que teve como consequência
a inesquecível apoteose feita ao dr. Afonso Costa, o vigoroso ministro que
melhor representa as tradições e aspirações do Partido Republicano. Braga é
hoje civilizada e quem disso possa duvidar venha assistir a uma noite de música
no nosso jardim público.
Aí encontrará a
prova.
E Guimarães? Ah!
Guimarães essa ainda se conserva dentro da afirmação de Basílio!
Já Camilo dizia que
Guimarães se ufanava de ser o berço; mas que a respeito de civilização também ainda estava no berço. Hoje como
então. Retrógrada, agarrada aos estúpidos e velhos preconceitos que se escoam
dos carcomidos brasões de origens esquisitas, que são as suas relíquias, ela aí
surge como arrogante defensora do Direito divino e da monarquia crapulosa dos adiantados e dos adiantadores! Jamais o
progresso e o caminhar altivo das ideias pôde entrar as suas portas, porque
Guimarães, como jumento teimoso, voltava a garupa para a entrada. Os últimos
acontecimentos vêm confirmar o que acabamos de dizer, e, se nos magoaram, não
nos surpreenderam.
Sinos a rebate,
vivas à monarquia e ao traidor Couceiro, são coisas que se deviam esperar de
Guimarães.
Razão de sobra tinha
um nosso querido amigo, republicano de 76, quando, a poucos dias da proclamação
da República, nos dizia que tinha pena que Guimarães não estivesse próximo da
fronteira, porque era um presente que com prazer se oferecia à Espanha.
Mas se Guimarães não
está na fronteira, antes muito no interior de Portugal, e teima em se conservar
diferenciada do resto do País, o Governo da República tem o dever de a obrigar
a integrar-se no sentimento que domina a nossa querida Pátria. Acabe o Governo
com esse famoso Seminário-Liceu, coio tão prejudicial e perigoso como era Campolide e S. Fiel; crie o Governo o
concelho e comarca de Vizela, uma linda e progressiva terra que a isso tem
direito; retire o Governo o regimento 20 para outra localidade que melhor o
mereça e, em troca, mande-lhe a Guarda Republicana, para, no caso de ser
necessário, lhe aplicar a terapêutica que o Dr. Eduardo Abreu preconizou para o
Porto, e o Governo terá cumprido um dever e conseguirá talvez que Guimarães abra as suas portas à civilização e ao
progresso das ideias modernas.
Falamos como
republicanos, e assim temos a certeza de que os nossos raros amigos Vimaranenses
compreenderão a justiça que nos assiste.”
De O Radical.
Devagar: Não está efectivamente
ainda conquistada para a República esta nossa terra de Guimarães, é certo; mas
que “grandes provas” da sua rebeldia contra o regime conhece o referido
semanário para que assim tão desapiedadamente nos trate?
Os últimos
acontecimentos?
Mas é preciso ter
assistido a eles, é necessário ver de perto os factos, conhecê-los em seus pormenores
e detalhes, para depois formar juízo seguro — tanto mais quando se queira
talhar uma sentença tão feroz, como preconiza o “Radical”.
A psicologia deste
povo é a melhor, e, tanto é assim, que é este concelho, mais que o de Braga,
uma verdadeira colmeia do trabalho, verificando-se consoladoramente como dia-a-dia
nele se introduzem as melhores e mais ousadas inovações de progresso
industrial.
Em matéria de
ideias, em civilização, não andaremos, talvez, muito arredados de Braga... É
uma questão de arrotear, de lançar à terra a boa semente, depois, está claro,
de lhe procurar a razão.
“A seara
verdadeiramente é grande, mas os obreiros poucos”, como diz o profeta:
Ora é esse o nosso
mal, creia o bem intencionado mas desapiedado colega bracarense.
Porém tudo é questão
de tempo, estamos certos. Nós, por exemplo, ainda mantemos a esperança de que há-de
ser esta terra aquela que em seu futuro melhor saberá engrandecer a República...
Alvorada, 24 de Agosto de 1911
Braga... falou!
Por intermédio de “O
Radical», semanário republicano que se publica na capital do Minho, Braga, a
velha Braga, a Braga dos Arcebispos (e que nós saibamos
mais nada) falou e falou largamente sobre os acontecimentos de Guimarães em a
noite de1 deste mês.
Foi rancorosa como
sempre, para com esta terra, que, apesar de tudo, é bem digna da consideração
de todo o país pelo seu notável desenvolvimento industrial e pelas excelentes
qualidades de trabalho que possuem todos os seus filhos.
Mas não podia deixar
de ser assim; Braga viu sempre com maus olhos a nossa terra.
Num extenso artigo, recheado
de citações menosprezantes, que, a final, não poupam a própria cidade dos
Arcebispos, “O Radical” insurge-se contra a cidade de Guimarães por motivo dos
últimos acontecimentos, que na realidade não mereciam tão ferino acinte.
Tudo lhe relevamos
por vir de quem vem, menos aquela passagem em que, por forma verdadeiramente
indigna, como que aconselha o governo a que prive a cidade de Guimarães de ter
aquilo que não pode dispensar, como seja o liceu e o regimento de infantaria 20.
Tamanho ódio
rebaixa, colega, mormente agora que deviam ver-se as coisas por forma bem diferente.
A cidade de Guimarães tem por muitos títulos todo o direito a gozar desses
benefícios, um dos quais existe à nossa própria custa.
Pelo nosso trabalho,
pelo nosso esforço, que Braga não igualou ainda, conquistamos um lugar de
destaque entre as principais povoações do país. Por isso é de justiça que a
nossa terra seja respeitada e que se releve uma ou outra nota discordante, que
não pode nem deve atribuir-se a uma cidade inteira, mas sim a meia dúzia de
desorientados, que esqueceram os seus deveres de patriotas e de bons cidadãos.
Mas para quê ligar
tanta importância ao aludido artigo? De Braga nunca poderemos esperar coisa boa...
Quem torto nasce, torto morre.
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