Subsídios para a compreensão do conflito entre Braga e Guimarães (1)

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"Braga, a Fiel, na pessoa dos snr. Valada, agrediu Guimarães, o glorioso Berço da Monarquia, na pessoa do snr. de Margaride. A batalha travou-se renhida e violenta, e as duas cidades batem-se furiosas. Braga armada dos pés à cabeça, ergue os seus tamancos; Guimarães armada até aos dentes... dos seus garfos, resiste corajosa ao ataque, esperando que o snr. Valada volte costas! E o Porto, de braços cruzados, jura aos seus deuses que não entra na questão, porque lá diz o ditado: "Entre pais e irmãos, não metas as mãos". Quer dizer, o Porto tem os olhos na Travessa... da Espera."

[in Maria Rita, n.º 22, 2.º ano, Porto, 10 de Dezembro de 1885]


Da velha e revelha rivalidade entre Guimarães e Braga já muito se escreveu aqui. Sabemos que, no início, teve a ver essencialmente com conflitos de jurisdição religiosa, com os clérigos de Guimarães a resistirem à tutela do arcebispo de Braga. Com o tempo, este antagonismo foi alastrando, passando a contaminar todas as linhas de contacto entre as duas maiores cidade do Minho. Esta é uma peleja antiga, que de vez em quando aflora com escaramuças, umas mais azedas, outras mais ligeiras, por vezes anedóticas. Este é um conflito cuja existência todos percebem, mas que continua mal explicado. Nos próximos dias, iremos trazer aqui elementos históricos para a compreensão do secular conflito brácaro-vimaranenses.
Como introito, aqui fica um texto publicado em 1911 pelo jornal O Radical, de Braga, a propósito de manifestações em Guimarães de monárquicos que se recusavam a respeitar os símbolos da República. Fica também as respostas que lhe deram os republicanos de Guimarães, nos jornais Alvorada e Velha Guarda.

!!! - Um artigo “ousado”, sobre os acontecimentos de Guimarães
“O claro espírito e grande democrata Basílio Teles dissera um dia estas palavras sinistras: É preciso arrasar Braga e Guimarães para que a República, uma vez feita, se consolide! Enganou-se, pelo que respeita a esta hoje democrática cidade de Braga.
O sopro civilizador de há muito que transpôs os seus vetustos muros, e na velha cidade dos Arcebispos um núcleo numeroso de paladinos da ideia nova, de há muito que vinha operando uma transformação que teve como consequência a inesquecível apoteose feita ao dr. Afonso Costa, o vigoroso ministro que melhor representa as tradições e aspirações do Partido Republicano. Braga é hoje civilizada e quem disso possa duvidar venha assistir a uma noite de música no nosso jardim público.
Aí encontrará a prova.
E Guimarães? Ah! Guimarães essa ainda se conserva dentro da afirmação de Basílio!
Já Camilo dizia que Guimarães se ufanava de ser o berço; mas que a respeito de civilização também ainda estava no berço. Hoje como então. Retrógrada, agarrada aos estúpidos e velhos preconceitos que se escoam dos carcomidos brasões de origens esquisitas, que são as suas relíquias, ela aí surge como arrogante defensora do Direito divino e da monarquia crapulosa dos adiantados e dos adiantadores! Jamais o progresso e o caminhar altivo das ideias pôde entrar as suas portas, porque Guimarães, como jumento teimoso, voltava a garupa para a entrada. Os últimos acontecimentos vêm confirmar o que acabamos de dizer, e, se nos magoaram, não nos surpreenderam.
Sinos a rebate, vivas à monarquia e ao traidor Couceiro, são coisas que se deviam esperar de Guimarães.
Razão de sobra tinha um nosso querido amigo, republicano de 76, quando, a poucos dias da proclamação da República, nos dizia que tinha pena que Guimarães não estivesse próximo da fronteira, porque era um presente que com prazer se oferecia à Espanha.
Mas se Guimarães não está na fronteira, antes muito no interior de Portugal, e teima em se conservar diferenciada do resto do País, o Governo da República tem o dever de a obrigar a integrar-se no sentimento que domina a nossa querida Pátria. Acabe o Governo com esse famoso Seminário-Liceu, coio tão prejudicial e perigoso como era Campolide e S. Fiel; crie o Governo o concelho e comarca de Vizela, uma linda e progressiva terra que a isso tem direito; retire o Governo o regimento 20 para outra localidade que melhor o mereça e, em troca, mande-lhe a Guarda Republicana, para, no caso de ser necessário, lhe aplicar a terapêutica que o Dr. Eduardo Abreu preconizou para o Porto, e o Governo terá cumprido um dever e conseguirá talvez que Guimarães abra as suas portas à civilização e ao progresso das ideias modernas.
Falamos como republicanos, e assim temos a certeza de que os nossos raros amigos Vimaranenses compreenderão a justiça que nos assiste.”
De O Radical.

Devagar: Não está efectivamente ainda conquistada para a República esta nossa terra de Guimarães, é certo; mas que “grandes provas” da sua rebeldia contra o regime conhece o referido semanário para que assim tão desapiedadamente nos trate?
Os últimos acontecimentos?
Mas é preciso ter assistido a eles, é necessário ver de perto os factos, conhecê-los em seus pormenores e detalhes, para depois formar juízo seguro — tanto mais quando se queira talhar uma sentença tão feroz, como preconiza o “Radical”.
A psicologia deste povo é a melhor, e, tanto é assim, que é este concelho, mais que o de Braga, uma verdadeira colmeia do trabalho, verificando-se consoladoramente como dia-a-dia nele se introduzem as melhores e mais ousadas inovações de progresso industrial.
Em matéria de ideias, em civilização, não andaremos, talvez, muito arredados de Braga... É uma questão de arrotear, de lançar à terra a boa semente, depois, está claro, de lhe procurar a razão.
“A seara verdadeiramente é grande, mas os obreiros poucos”, como diz o profeta:
Ora é esse o nosso mal, creia o bem intencionado mas desapiedado colega bracarense.
Porém tudo é questão de tempo, estamos certos. Nós, por exemplo, ainda mantemos a esperança de que há-de ser esta terra aquela que em seu futuro melhor saberá engrandecer a República...
Alvorada, 24 de Agosto de 1911

Braga... falou!
Por intermédio de “O Radical», semanário republicano que se publica na capital do Minho, Braga, a velha Braga, a Braga dos Arcebispos (e que nós saibamos mais nada) falou e falou largamente sobre os acontecimentos de Guimarães em a noite de1 deste mês.
Foi rancorosa como sempre, para com esta terra, que, apesar de tudo, é bem digna da consideração de todo o país pelo seu notável desenvolvimento industrial e pelas excelentes qualidades de trabalho que possuem todos os seus filhos.
Mas não podia deixar de ser assim; Braga viu sempre com maus olhos a nossa terra.
Num extenso artigo, recheado de citações menosprezantes, que, a final, não poupam a própria cidade dos Arcebispos, “O Radical” insurge-se contra a cidade de Guimarães por motivo dos últimos acontecimentos, que na realidade não mereciam tão ferino acinte.
Tudo lhe relevamos por vir de quem vem, menos aquela passagem em que, por forma verdadeiramente indigna, como que aconselha o governo a que prive a cidade de Guimarães de ter aquilo que não pode dispensar, como seja o liceu e o regimento de infantaria 20.
Tamanho ódio rebaixa, colega, mormente agora que deviam ver-se as coisas por forma bem diferente. A cidade de Guimarães tem por muitos títulos todo o direito a gozar desses benefícios, um dos quais existe à nossa própria custa.
Pelo nosso trabalho, pelo nosso esforço, que Braga não igualou ainda, conquistamos um lugar de destaque entre as principais povoações do país. Por isso é de justiça que a nossa terra seja respeitada e que se releve uma ou outra nota discordante, que não pode nem deve atribuir-se a uma cidade inteira, mas sim a meia dúzia de desorientados, que esqueceram os seus deveres de patriotas e de bons cidadãos.
Mas para quê ligar tanta importância ao aludido artigo? De Braga nunca poderemos esperar coisa boa... Quem torto nasce, torto morre.

Velha Guarda, 26 de Agosto de 1911
[continua]

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