1.ª página de O Comércio de Guimarães de 1 de Dezembro de 1904 |
1 de Setembro de 1904
É a data do Compromisso da "Sociedade Anti-fumista de
Guimarães" assinado por 9 sócios instaladores.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 220.)
No primeiro dia de Setembro, uma troupe
composta de conhecidos cavalheiros vimaranenses, reuniu-se no Hotel
Sul-Americano, em Vizela, para um almoço que correu no meio da mais franca alegria e cordial fraternidade, terminou
pela explosão de entusiásticos brindes, cerca das 7 horas da tarde.
Terminado o repasto, os convivas dirigiram-se para junto do quiosque de José
Ribeiro Loureiro, no Parque da Companhia dos Banhos, onde, por entre os
estoiros das rolhas das garrafas de champanhe, continuaram a sua celebração,
erguendo novos brindes repassados de
entusiasmo pela vitória, que julgam fácil, e de amaríssimos doestos contra o
vício que classificaram de o mais ignóbil e baixo. Estava instalada a
Sociedade Anti-Fumista de Guimarães, que se propunha combater, por todos os meios legítimos, o execrando
vício do tabaco, que tantos males produz na economia humana e que é a causa de
moléstias gravíssimas e muitas vezes fatais. Foram nove dos seus fundadores
e todos assumiram o compromisso de não voltar a fumar, a partir daquele dia. Em
Guimarães, não faltaria quem aplaudisse esta iniciativa em benefício da saúde e
das economias dos que a seguissem, mas também não faltaram os cépticos em
relação à viabilidade de tal causa.
Fundadores da Sociedade Anti-fumista foram João Lopes Cardoso,
proprietário, director da Companhia de Campelos, Padre Gaspar da Costa Roriz,
José de Freitas Costa Soares, negociante, Padre Abílio Augusto de Passos, Padre
Amândio Hermano Mendes de Carvalho, Augusto César de Brito, alferes do 20 de
infantaria, dr. António do Amaral, advogado, Joaquim Penafort Lisboa, escrivão
de direito e Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio, tesoureiro da câmara.
O jornal O Comércio de Guimarães abriu
as suas páginas aos apóstolos da causa antitabágica, tornando-se no seu órgão,
publicando, durante algum tempo, uma coluna assinada por S., intitulada Cartas dum anti-fumista. O primeiro
texto foi inserido na edição de 6 de Dezembro, e, a certa altura, reflectia
sobre as dificuldades e as vantagens do abandono do hábito de fumar:
Agora um pouco de meditação: estamos no 5.º dia do abstenção de fumo.
— Tem-nos custado?
— Sim.
— É sacrifício com que se não possa 1
— De forma alguma. Os fugazes momentos do prazer que o fumo nos
proporcionava são perfeitamente compensados pelo bem-estar que sentimos. Quando
despertamos, de manhã, não notamos o mau sabor na boca, como quando fumávamos;
a tosse, aquela tosse tão característica do fumador, desapareceu; comemos com
apetite e sentimos um bem-estar geral, como já já há muito não sentíamos.
Animemo-nos, pois.
Havemos de ter momentos de desalento.
O cigarro há-de lembrar-nos com todas as seduções dum vício antigo o
arreigado.
Esqueçamo-lo, porém,
Lembremo-nos de que, vencido o primeiro mês, nunca mais teremos
necessidade de gastar dinheiro em veneno que nos arruína a saúde.
O Comércio de Guimarães, 6 de
Setembro de 1904
No mesmo número, Sociedade Anti-fumista O Comércio de Guimarães começava
a publicar um texto de natureza científica, resultante de uma comunicação de um
tal Dr. Jolly à Academia de Medicina de Paris, no princípio de 1865:
Uma planta ao mesmo tempo acre, fétida e venenosa, de cheiro e sabor
repelentes, que ocasiona vertigens, náuseas, vómitos e uma espécie de bebedeira
em todos aqueles que pela primeira vez dela fazem uso; uma planta que por fim
leva ao torpor e à paralisia até aqueles que têm a triste coragem de vencer os
seus primeiros efeitos para se condenarem ao hábito mais triste ainda do seu
uso, que em virtude das suas propriedades venenosas devia ter ficado debaixo de
chave nas oficinas de farmácia, para aí esperar as raras aplicações que ela
puder ler na terapêutica, numa palavra, o TABACO, eis o que um povo selvagem
legou à Europa civilizada, como fruto precioso da sua conquista.
(Idem)
O maior adversário desta causa seria o cepticismo daqueles que não
acreditavam que a dependência do tabaco pudesse ser facilmente superada.
Temos, porém, uns adversários, que é preciso combater: são os que,
concordando com a ciência que repudia o tabaco como prejudicial à saúde, julgam
todavia impossível deixar de vez o vício do fumo, ou pelo menos duma
dificuldade tal, que por poucos pode ser vencida.
O Comércio de Guimarães, 6 de
Setembro de 1904
Os pioneiros da luta contra o tabagismo na postulavam apenas a opção
radical daqueles que optavam por cortar de vez com o cigarro. A sua causa
passava também por convencer aqueles que não estavam dispostos a deixar de
fumar de imediato a reduzirem a quantidade de tabaco consumido:
Não se julgue, porém, que a nossa propaganda se limita aos que estão
dispostos a deixar o vício por uma vez; não. Há uma espécie de noviciado
numerosíssimo. Sim, há mais de 50 indivíduos que reduziram ao número de
cigarros que fumavam quotidianamente.
O Comércio de Guimarães, 13 de
Setembro de 1904
Apesar das resistências que a sua causa ia encontrando, entrou
rapidamente na ordem do dia:
Fala-se na Sociedade Anti-fumista do Guimarães não só aqui, na sua sede,
mas também nas freguesias do concelho, nas carruagens do caminho-de-ferro e até
em outras cidades e vilas, em algumas das quais eu sei que vão fundar-se
sociedades, que, como a nossa, se propõem combater o execrando vício
do fumo.
(Idem)
Os membros da Sociedade Anti-Fumista vimaranense iam-se desdobrando na
defesa do seu ideal, recorrendo aos mais diversos argumentos para demonstrar
os benefícios da vida sem tabaco. Eis um exemplo, num texto em que o Padre
Gaspar Roriz evocava a memória da homenagem ao Professor Pereira Caldas,
realizada em Vizela, quando completou 80 anos de idade:
Mas os 80 anos constituem geralmente o limite de idade imposto pela
Natureza aos que passam a vida nas lutas do espírito, nos trabalhos
intelectuais; e eu julgava que a ovação dos discípulos ao decano dos
professores portugueses era uma despedida afectuosa, sim, mas definitiva,
irrevogável...
Enganei-me.
O Dr. Pereira Caldas continuou a ser o mesmo trabalhador no gabinete do
estudo, na cátedra de professor, na tribuna do jornalista; e aos 86 anos de
idade é que deixou de trabalhar porque a morte o prostrou.
Hoje penso e medito nos motivos daquela robustez excepcional, daquela
organização que quase não conheceu a atrofia da senectude; e, embora no Dr.
Pereira Caldas houvesse uma compleição privilegiada, uma natureza forte e
resistente, não deixou, todavia, segundo a minha opinião, devia contribuir para
a sua longa vida, sem complicações de bronquites nem enervamentos morais, o
nunca haver tido o execrando vício do FUMO.
Independente, 25 de Setembro de
1904
Quando completou três meses, a Sociedade Anti-Fumista de Guimarães
assinalou a data com a sua primeira festa trimestral, que teve como momento
mais significativo um almoço no Grande Hotel do Toural, que reuniu os 46 sócios
que, àquela data, a constituíam. Ao dessert,
ergueram-se vários brindes. Os que colheram mais aplausos foram o do médico do
20 de Infantaria, Capitão Domingos de Araújo, que fez não um brinde, mas sim uma conferência na qual mostrou os grandes
inconvenientes que tem o uso do tabaco, e o de António Marques, que se
dirigiu em particular a João Lopes Cardoso, presidente da Sociedade, e ao Padre
Gaspar Roriz, a alma da Sociedade
Anti-Fumista de Guimarães. Os autores de ambos os brindes foram vitoriados
pelos presentes, que chegaram a levantá-los
ao ar.
Durante o almoço, fora distribuídos aos presentes exemplares da edição
especial de O Comércio de Guimarães
desse dia, dedicada à Sociedade Anti-Fumista, onde António Marques colocava a
par sd duas datas que se festejavam naquele dia: os três meses da Sociedade
Anti-Fumista e os 264 anos Restauração da independência:
O dia de hoje é para nós duplamente festivo porque comemoramos uma
dupla independência: a independência da Pátria que durante 60 anos esteve sob o
domínio estranho, e a independência do nós mesmos que durante um certo numero
de anos suportamos o jugo do tabagismo que nos depauperava a saúde, enfraquecia
o espírito e produzia perturbações, que a acção da nicotina não pode deixar
de produzir.
O Comércio de Guimarães,
1 de Dezembro de 1904
Resta dizer que a primeira festa trimestral da Sociedade Anti-Fumista de
Guimarães foi também a última.
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