Marcas de ourives |
12 de Setembro de 1886
Reúnem as assembleias gerais das associações Artística e Comercial e
resolvem ambas representar aos poderes públicos pedindo que seja deferido o
requerimento dos ourives deste concelho e dos concelhos de Fafe, Cabeceiras de
Basto e Póvoa de Lanhoso, para que seja criada nesta cidade uma contrastaria.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 249.)
Guimarães é terra de ourives. Há estudiosos que afirmam que a ourivesaria
portuguesa tem a sua origem em Guimarães. Laurindo Costa escreveu, no seu livro
A Ourivesaria e os Nossos Artistas que a cidade de Guimarães foi
incontestavelmente o centro mais poderoso da arte da ourivesaria, saindo daí
mestres ourives de notabilidade e de rara argúcia. Desde tempos remotos, estava regulado o processo de controlo e
de marcação dos produtos de ouro e prata, com o objectivo de evitar
falsificações. Essa função era desempenhada por contrastes-ensaiadores, que
avaliavam a pureza do ouro e da prata dos artefactos que lhes eram levados
pelos ourives e comerciantes de ouro, colocando neles a correspondente punção.
Em Guimarães estavam instituídos, desde 1683, dois contrastes-ensaiadores
municipais. Em 1882, foram eliminados os contrastes municipais, sendo
instituídas duas repartições de contrastaria, dependentes da Casa da Moeda, uma
em Lisboa, outra no Porto. A lei que instituiu essas contrastarias previa a
possibilidade de se criarem novas repartição de contrastaria em concelho
onde o exigisse o movimento do fabrico e do comércio, sob proposta dos
fabricantes e comerciantes e mediante a informação da autoridade superior do
distrito e da direcção da casa da moeda.
Assim que se começou a falar na reforma do
serviço de contrastaria que viria a eliminar os ensaiadores municipais, os
ourives de Guimarães e Travassos (Póvoa de Lanhoso) requereram, em Janeiro de
1879, que aquele serviço não fosse concentrado no Porto, criando-se um
contraste em Guimarães. Não seria atendidos.
Em 1886, foi reorganizado o serviço de
contrastes em Portugal, sendo introduzida uma nova contrastaria, não em
Guimarães, como esperariam os ourives vimaranenses, mas em Braga. Recorde-se
que aqueles eram os dias em que o conflito brácaro-vimaranense chegou a abalar
o país e a contribuir decisivamente para a queda do governo de Fontes Pereira
de Melo. Esta decisão do governo de Mariano de Carvalho foi classificado como mais
um benefício do governo a Braga, mais uma desconsideração para Guimarães, mais
uma prisão distrital incómoda, dispendiosa e vexatória. A lei foi publicada
em Julho e a contestação em Guimarães e noutras localidades com tradição de
trabalho em ouro de concelhos vizinhos de Guimarães (Póvoa de Lanhoso, Fafe e
Cabeceiras de Basto) assinam uma representação comum, que dirigiram ao rei, com
o seguinte texto:
Senhor
Dizem os abaixo assinados, ourives negociantes e fabricantes, das
freguesias de Nossa Senhora da Oliveira, S. Paio. S. Sebastião, S. Torcato,
Donim, Santa Maria do Souto, s. João das Caldas, do concelho de Guimarães, e da
vila de Fafe, concelho de Fafe, vila de Cabeceiras de Basto, e das freguesias
de S. Martinho do Campo. Oliveira, Taíde e Travassos, do concelho da Póvoa de
Lanhoso, que tendo notícia de que fora recentemente criada uma repartição de
contrastaria na cidade de Braga, em virtude do disposto no art.º 1.º n.º 2 da
lei de 27 de julho de 1882, vêm pedir a Vossa Majestade haja por bem determinar
uma outra repartição na cidade de Guimarães.
A existência de ensaiador ou contraste em Guimarães data de remota
antiguidade. O regimento de 1689 revela a sua já antiga preexistência, assim
como revela o explorador a importância da ourivesaria, de que Guimarães foi
centro de numeroso fabrico e dilatado comércio.
Não são porém razões históricas que os suplicantes invocam para
justificar a sua pretensão ; mas o estado, próspero em relação às demais terras
do país, que ainda conserva o fabrico e comércio de ourivesaria vimaranense. Se
a sua prosperidade relativa, se a importância do respectivo comércio, se não
depreendesse do número de comerciantes e fabricantes, disseminados por aquelas
freguesias do concelho de Guimarães;se não se provasse com ser ainda a cidade
de Guimarães o principal centro com quem as freguesias do concelho da Póvoa de
Lanhoso, Fafe e Cabeceiras de Basto mantêm as principais relações do seu
comércio e fabrico de ourivesaria: bastaria, para demonstrá-la, para provar o
grau de perfeição a que tem chegado a ourivesaria vimaranense, o relatório da
Exposição Industrial de Guimarães de 1884, e especialmente o do comissário
régio publicado no “Diário do Governo” de 24 de Outubro de 1884, em que
principal e justamente se fundamentou o decreto da criação da escola industrial
Francisco de Holanda.
Nestas condições, quando é ainda avultado o seu fabrico e tráfego
mercantil, quando Guimarães ó um centro desta classe de indústria, talvez o
mais importante do Minho depois da cidade do Porto; quando se abona com
tradições gloriosas, sendo vivas as memórias do seu antigo esplendor, da
celebridade dos seus filagraneiros e lavrantes: a pretensão dos suplicantes é
evidentemente justa, e merece ser deferida.
Nem a criação de contrastaria em Guimarães, em condições reduzidas como
permite o cit. Artigo 1. da lei (bastando talvez um ensaiador e um servente,
acumulando aquele diversas atribuições). pode perturbar o serviço das
contrastarias em geral; e pelo contrário prestará aos suplicantes, dos
concelhos do Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Fafe e Cabeceiras de Basto,
conveniente comodidade, e economia de tempo e de trabalho.
Por isso, os suplicantes
P. a Vossa Majestade se digne deferir-lhes.
E. R. Mercê.
Alguns dias depois, a 11 de Setembro, reuniram as assembleias
gerais da Associação Artística Vimaranense e da Associação Comercial, que
decidiram reforçar a representação dos ourives que pediam a instalação em
Guimarães de uma contrastaria. Não seriam atendidos.
Não tardariam muito as queixas dos ourives e comerciantes de
ourivesaria de Guimarães da extorsiva contravenção da nova lei das
contrastarias praticada na repartição de Braga, que começou a funcionar em
1887. A questão seria levada à Câmara dos Deputados pelo eleito pro Guimarães,
João Franco Castelo Branco, que confrontaria o Ministro da Fazenda, Mariano de
Carvalho, com as queixas dos ourives vimaranenses. O debate entre ambos teve
lugar no dia 2 de Abril de 1888. As intervenções de Franco e Mariano de
Carvalho, seriam publicadas no Comércio de Guimarães,. O texto que abaixo se
reproduz é a nota introdutória ao discursos dos dois políticos, que o Comércio
transcreveu na íntegra do Diário do Governo:
Deste documento, e das
respostas do snr. Mariano de Carvalho, que se encontram no mesmo “Diário”,
vê-se que o nosso digno deputado obrigou o governo a reconhecer a injustiça com
que a simpática classe dos ourives de Guimarães são obrigados a ir contrastar a
Braga, e a sofrer as violências desta contrastaria.
O snr. Mariano de
Carvalho não reconheceu expressa- mente a injustiça, mas afirmando que os
ourives de Guimarães podiam, querendo, ir ao Porto contrastar as suas manufacturas,
tacitamente a confessou.
Nós não podemos supor
que o ilustre ministro da Fazenda, que tanto interveio neste assunto de
contrastaria, ignora o regulamento, que não permite que os ourives doeste
concelho vão à contrastaria do Porto; e por isso não podemos deixar de ver na
sua afirmação, objectivamente errada, mais que o reconhecimento da injustiça
com que foram e são tratados os ourives de Guimarães.
Oxalá que este
reconhecimento inspire o governo a alterar o regulamento, ao menos adoçando por
esse modo a ourivesaria vimaranense, tão antiga, e rica de tão brilhantes
tradições na história da indústria portuguesa, a perda dos seus antiquíssimos
contrastes.
Se o
não fizer, se ainda tiver medo a Braga, esperem os ourives de Guimarães
melhores dias. em que o seu deputado possa conseguir-lhes que justiça lhes seja
feita.
A questão da contrastaria é um episódio
esquecido da eterna rivalidade entre Guimarães e Braga.
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