14 de Setembro de 1890
É decretada a reorganização da Colegiada com obrigação de ensino,
autorizando o Governo a fazer os regulamentos, prover os benefícios e fixar o
quadro capitular conforme as resoluções das cortes em 11 de Agosto deste mesmo
ano; ficando sem valor a lei de 1 de Dezembro de 1869 e todos os mais decretos
em contrário com respeito à Colegiada; sendo isto devido ao deputado por este
círculo e ministro da Fazenda João Franco Pinto Ferreira Castelo Branco, o qual
instou com os seus colegas e amigos principalmente com o conselheiro Lopo Vaz,
ministro da justiça e negócios que também era chefe do partido regenerador,
para obter este memorável monumento de religião e instrução que tão
desastradamente acabou devido à lei de 20 de Abril de 1911.
(João
Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da
Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 257)
Tendo escapado à extinção das ordens religiosas, em 1834, as colegiadas
foram extintas por carta de lei de 16 de Junho de 1848. Dessa vez, apenas
sobreviveram aquelas que tinham direito ao uso do título de Insignes.
Eram oito, entre as quais a Real e Insigne Colegiada de Nossa Senhora da
Oliveira. Porém, já não escapariam ao decreto de 1 de Dezembro de 1869, que as
extinguiu, estabelecendo que os seus rendimentos seriam aplicados na sustentação
do culto e do clero. A proposta de
extinção, foi apresentada ao rei por José Luciano de Castro, Ministro dos
Negócios Eclesiásticos e da Justiça, que justificava assim a extinção das
colegiadas e a manutenção dos cabidos, os seus congéneres das sés catedrais:
Por onde se vá que a existência destas não pode ser abonada com os
mesmos argumentos que defendem a necessidade dos cabidos. Podem nas catedrais
as pompas do culto e a magnificência das funções religiosas exigir a
instituição destes para exalçar o esplendor das grandes e majestosas
solenidades que a igreja celebra. Mas nas capelas ou ainda nas igrejas
paroquiais, onde à modéstia do culto responde o fervor das crenças populares,
deve ter-se por supérflua a intervenção de outras entidades ou corporações, que
os párocos, fábricas ou confrarias. Para que a religião católica se desenvolva
e frutifique não é mister que em cada templo seja exercido o culto com o
aparato e luzimento que se usa nas catedrais.
Para conservar tradições gloriosas ou memorar notáveis sucedimentos
também não é indispensável que as colegiadas continuem a existir. Ficam de pé
os monumentos que têm atravessado os séculos e não se apaga facilmente a
história, que deve transmitir à posteridade os feitos e as glórias do passado.
Após a entrada em vigor da lei
de extinção, os cónegos manteriam as suas prerrogativas, mas, dali para a
frente, não os benefícios que fossem vagando, em regra por morte dos
respectivos titulares, não voltariam a ser providos, o que significava que, à
imagem do que sucedia com os conventos femininos, as colegiadas seriam
extintas, de facto, à morte do último titular.
No início de 1887, a Colegiada de Guimarães estava reduzida a três
cónegos. Foi então que a cidade foi abalada por uma notícia dos jornais,
reproduzida no Religião e Pátria de
19 de Fevereiro, onde se informava que os últimos cónegos de Guimarães iriam
ser considerados cónegos honorários da Sé
de Braga, sendo a Colegiada definitivamente extinta e os seus bens
incorporados no património do Estado, com a obrigação de pagar a pensão
vitalícia aos cónegos sobreviventes.
As movimentações que se seguiram a esta notícia trazem à memória a
agitação da cidade durante o conflito brácaro-vimaranense que rebentou no dia
28 de Novembro de 1885. A cidade preparava-se para demonstrar, uma vez mais,
que não se ultraja impunemente um povo, cônscio dos seus direitos e da força
que esses direitos representam. Que a sua Colegiada ia ser extinta, por
força da lei de 1869, aprovada por iniciativa do ministro que entretanto
assumira a presidência do governo, José Luciano, era um facto assumido como
incontornável. Porém, o que chocou as gentes de Guimarães naquele Inverno de
1887 foi a pressa no seu encerramento imediato, quando ainda tinha três cónegos
e havia outros estabelecimentos religiosos que continuavam a funcionar apesar
de terem menos clérigos.
Por aqueles dias, os jornais de Guimarães não poupariam nas palavras. Um
extracto de um texto sobre a questão da colegiada publicada pelo Entusiasta de 27 de Fevereiro é
esclarecedor da intensidade da indignação que então varria Guimarães:
O pensamento de conferir aos cónegos a
irrisória honraria de honorários de Braga, revela mais do que acinte, revela —
troça —, e é tão porca, tão deprimente para os três pobres velhos que ainda
hoje representam o que fora a fidalga, privilegiada e poderosa colegiada nos
tempos áureos de fé monárquica, que nós — não acreditamos!
Não acreditamos que um governo — faça troça;
não acreditamos que os depositários dos altos poderes sociais desçam à garotice
de oferecer aos velhos venerandos que ainda representam a grandeza daquela
instituição um diploma irrisório, para que mais amarguem o desgosto de os
expulsarem do templo e das cadeiras onde esperavam sentar-se até ao último
alento de vida.
Os cónegos de Guimarães, os cónegos da
colegiada privilegiada e aristocrata, da colegiada que nunca, na florescência
da sua influência moral, consentiu sem protesto a invasão jurisdicional dos
arcebispos de Braga, receberem como honra o diploma de honorários da Sé
arquiepiscopal!
Se tal se realizar, aconselhamos aos três
velhos sacerdotes que retemperem as forças alquebradas pela idade na lembrança
das tradições de energia e de glória da instituição a que pertencem, e, quando
lhes forem entregues os diplomas, os rasguem, não dentro do seu templo, mas bem
à luz e no meio da praça Maior, e devolvam as tiras ao governo que lhos enviar!
E digam a El-Rei: “Senhor! Estava-nos
reservado presenciar e sofrer, no reinado de V. M., o último golpe destruidor
da instituição, que medrou na fé viva pela cruz e pelas quinas, pela fé no
Cristo de Ourique, pela fé na missão social e patriótica da monarquia
portuguesa; mas é para nós sobretudo lancinante e opressivo que a nossa velhice,
a nossa decadência seja ainda exposta à gargalhada pública!”
O Conde de Margaride tomou a iniciativa de convocar um comício a realizar
no dia 21 daquele mês, no edifício da Câmara, para tratar da extinção da
Colegiada. O representante do Governo na administração da cidade, o
administrador do concelho, proibiria a reunião, quando ela já havia começado,
alegando não ter recebido a tempo a respectiva comunicação. Margaride emitiria
nova convocatória, desta vez para o dia 24, no teatro D. Afonso Henriques. Logo
se percebe que a decisão do administrador do concelho tivera um significativo
efeito mobilizador.
Segundo os jornais, no dia 24, cidade, ao acordara, deparou-se com um
enorme aparato bélico, que foi entendido como uma medida de intimidação da
população. Se o era, não surtiria efeito. As lojas, fábricas e oficinas de
Guimarães fecharam as portas. Às 3 da tarde, hora marcada para o início do
comício, já não cabia mais ninguém no teatro. Do lado de fora, no Campo da
Feira, apinhavam-se centenas de pessoas que não tiveram lugar no teatro.
O primeiro a aparecer em palco foi o Conde de Margaride, tendo sido
recebido por uma prolongada salva de
palmas e grande número de vivas. Por proposta de Avelino Guimarães, foi
aclamado presidente do comício. Nessa condição, expôs as razões do convite que
havia dirigido à população de Guimarães:
As colegiadas estavam extintas por um decreto desde 1869. Podendo-se
lamentar o facto, mas devendo-se acatar a lei, restava-nos, agora que se
anunciava para já a imediata supressão da Colegiada de Guimarães, estudar os
meios e empenhar os necessários esforços para que a sua extinção não fosse uma
derrocada,mas para que das suas ruínas alguma coisa se salvasse e em seu lugar
alguma coisa se levantasse do que, nas circunstâncias ocorrentes, mais importa
aos interesses da terra. Havia a atender à conservação da igreja, que é um
precioso monumento histórico; à dotação da respectiva junta de paróquia para a
dispendiosa fabrica do edifício; à estipulação da côngrua para os párocos; às
alfaias e paramentos; à conservação em Guimarães das ricas preciosidades
artísticas e arqueológicas que constroem o tesouro e que na sua maior parte são
oferendas da piedade dos nossos antepassados à imagem da Senhora da Oliveira;
aos edifícios do priorado e da mesa capitular: tudo isto era preciso salvar-se
da iminente extinção. Mas alguma coisa mais entendia que se devia também ter em
consideração; temos aí uma escola industrial, muito proveitosa sem duvida para
os nossos artistas, mas muito menos do que o poderia ser, pelo quadro
incompleto das suas disciplinas. Que em compensação do que se nos vai, com a
Colegiada, se dote a escola industrial com mais duas cadeiras pelo menos, que
sirvam como de preparatórios para as outras: — a cadeira de português e a cadeira
de francês.
Religião e Pátria, 26 de Fevereiro de 1887
Interviriam ainda na sessão José Sampaio, Avelino da Silva Guimarães e o
Padre Manuel Lopes Martins, que por vezes
comoveram a assembleia até às lágrimas.
A assembleia decidiria criar uma comissão com a missão de estudar todas as faces do assunto, para preparar
uma representação a remeter aos poderes públicos, assinada em nome do comício.
A comissão seria presidida pelo Conde de Margaride e deveria ser composta por
um representante a indicar por cada uma das seguintes entidades: Câmara
Municipal, Coraria, Junta de Paróquia, Irmandade de Nossa Senhora da Oliveira,
Sociedade Martins Sarmento, Escola Industrial, Associação Clerical, Associação
Comercial, Associação Artística e redacções dos jornais de Guimarães.
O comício seria encerrado por volta das 5 horas da tarde. Terão
participado cerca de cinco mil pessoas que acompanhariam o Conde de Margaride
até ao seu palacete, por entre vivas e saudações.
Nos tempos que se seguiram a agitação foi diminuindo de intensidade,
nunca se concretizando a intenção de agregar
os cónegos de Guimarães ao Cabido de Braga, acabando por se dar razão aos que
afirmavam que tal intenção não seria mais do que um rumor com origem nos
jornais de Lisboa.
Porém, as preocupações enunciadas pelo Conde de Margaride no comício de
24 de Fevereiro de 1887 continuavam presentes. A Colegiada ia ser extinta, à
morte do último dos seus cónegos, e era necessário acautelar o seu património e
o uso que dele seria feito.
No dia 10 de Abril de 1888, o deputado de Guimarães, João Franco,
apresentou um
projecto de lei na sessão da Câmara dos Deputados, em que propunha que a
Colegiada da Senhora da Oliveira fosse conservada, com todas as honras que lhe eram próprias e com o novo encargo do ensino
público. Para facilitar o trabalho dos deputados, Franco resumiu a sua
proposta de lei na intervenção em que a apresentou. Disse.
Começo
por propor a conservação da insigne e real colegiada de Nossa Senhora de
Oliveira da cidade de Guimarães, ameaçada do supressão por uma disposição
legislativa de 1869, com todas as honras de que goza.
Como,
porém, não desejo conservar cónegos, simplesmente para eles continuarem
desempenhando as pachorrentas e pouco fatigantes funções, que dantes eram
inerentes aos seus cargos, proponho que acumulem o serviço do coro com o do
ensino, e que seja criada a "Escola Especial de Nossa Senhora da
Oliveira".
Assim
concorreremos para a conservação do culto e do esplendor da nossa religião, e
ao mesmo tempo fundaremos uma instituição perfeitamente moderna.
Por um
lado conservaremos uma das mais brilhantes, e respeitáveis tradições do nosso
passado glorioso e batalhador; e por outro daremos a capitais, que representam
tantas doações e ofertas de devotos e de patriotas, um emprego e uma aplicação
altamente humanitários e de uma imensa proficuidade social, atento o carácter
empreendedor e activo da população vimaranense.
Os
rendimentos da colegiada são importantes. Eu não tenho deles uma nota precisa,
mas pelas informações que pude acolher, creio bem que chegarão para fazer face
aos encargos provenientes do meu projecto.
Não virá
ele, pois, a onerar o tesouro público, tanto mais que eu preferi estabelecer
vencimentos módicos, ainda que suficientes, a concorrer para o agravamento do
estado da fazenda pública, que, apesar de todas as afirmações em contrário do
sr. ministro da fazenda, eu continuo a considerar gravíssimo.
Nestas
condições, tentei formular um plano de estudos que, satisfazendo às
necessidades e legítimas aspirações dos povos de Guimarães, coubesse dentro das
forças dos rendimentos já referidos, plano modelado pelo das escolas reais da
Alemanha.
Assim,
proponho que na escola se professem as seguintes disciplinas: instrução
primária complementar: língua portuguesa; língua latina; língua francesa;
aritmética, elementos de geometria, princípios de álgebra, escrituração;
geografia e cosmografia, história universal, sagrada e pátria; música.
Os
vencimentos pelo, serviço do coro são fixos; os do serviço do ensino são em
parte fixos e em parte variáveis, dependentes estes do número dos alunos que
cursarem as aulas, e do seu aproveitamento final.
O projecto de João Franco foi bem acolhido em Guimarães. Reunida no dia
16 de Abril, a direcção da Sociedade Martins Sarmento aprovaria um voto de louvor
a João Franco e outro deputado que tiveram uma acção importante na defesa da
Colegiada, o Capitão Francisco José Machado, que exercera funções de
administrador do concelho de Guimarães, deliberando que se lhes desse imediata participação desta resolução e se lhes ponderasse
quanto seria para desejar que as disciplinas ensinadas no novo instituto
fossem, quanto possível, de harmonia com o programa do curso dos liceus por não
haver nesta cidade instituto algum de instrução secundária.
Ou seja,
vencida a batalha da Escola Industrial, era um liceu que fazia falta a
Guimarães.
Apesar de
não ter tido sucesso imediato, a proposta para a reorganização da Colegiada de
Guimarães continuaria a ser defendida até que, no dia 1 de Julho de 1890, se
deu um importante passo no sentido da sua concretização. Naquele dia, a
comissão dos Negócios Eclesiásticos da Câmara dos deputados apresentou um
projecto de lei para a reorganização eclesiástica baseado na proposta inicial
de João Franco. No dia seguinte, o projecto obteve parecer positivo da Comissão
da Fazenda. Tendo tomado conhecimento da notícia através de um telegrama
remetido de Lisboa por Francisco Agra,
a cidade festejou-a com girândolas de foguetes.
A festa prosseguiria no dia 11 de Agosto, ao saber-se em Guimarães que a
Câmara dos deputados aprovara, sem a
mínima discussão, a proposta de lei para a reorganização da Colegiada.
Houve repiques de sinos em todas as igrejas da cidade, as casas
embandeiraram-se, o povo reuniu na praça da Oliveira e formou uma comissão para
promover uma subscrição pública para os festejos, que tratou logo de mandar
embandeirar a torre da Colegiada, pôr duas bandas de música a percorrerem as
ruas da cidade, rebentar foguetes. Naquela noite, com toda a cidade iluminada,
tocou a banda de música da infantaria 20. Como era costume em situações
festivas, as manifestações de regozijo prolongaram-se pelos dois dias
seguintes.
No dia 14
de Setembro de 1890, o rei D. Carlos assinava a lei que autorizava o governo a conservar e reorganizar pelos meios competentes a insigne e real
colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, com todos os
seus haveres e rendimentos, fixando o respectivo quadro capitular, impondo-lhe
a obrigação de ensino público e gratuito, e regulando a forma do seu provimento.
Um ano
depois, no dia 9 de Dezembro de 1891, a cidade tinha novamente motivos para
festejos: começava a funcionar, em instalações provisórias na Praça de
Santiago, o pequeno seminário de
Nossa Senhora da Oliveira. Contava, no dia da abertura, com 109 alunos
matriculados.
A Colegiada
de Guimarães estava restaurada.
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