4 de Agosto de 1828
Saem da cadeia da vila, para a Relação do Porto, 8 presos
constitucionais; à sua saída deram-lhe muitas apupadas e assobios,
chamando-lhes “Negros, malhados, rabudos, etc.” PL
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 117)
Ao ser conhecido o levantamento militar de Porto de 16 de Maio de 1828,
contra a restauração do absolutismo, o poder instalado em Guimarães, fiel a D.
Miguel, tentou prevenir uma irrupção hostil nesta vila.
As autoridades reuniram-se em conselho com o Corregedor da Comarca no dia 19 e lavraram um Auto de Deliberação, ondem avançam com
a necessidade de se tomarem as medidas
que convierem para defesa e segurança da vila e para a manutenção da legitimidade do
augusto e sereníssimo senhor D. Miguel. No dia 22, o Corregedor publicou uma
proclamação à população de Guimarães, contra os que a convocavam para a rebelião e anarquia, por meio de
proclamações incendiárias, forjadas nas infernais cavernas.
No entanto,
Guimarães seria mesmo tomada pelas forças fiéis a D. Maria II. No dia 31 de
Maio, entrou em Guimarães uma divisão militar fiel ao Governo do Porto, comandada
pelo tenente-coronel José de Barros Abreu, que, em chegando ao Toural, gritou:
“Viva o sr. D. Pedro IV", "Viva a sra. D. Maria II”, “Viva a Carta
Constitucional”, “Viva o sr. Infante Regente” e “Viva a Santa Religião”. No dia
1 de Junho, D. Pedro IV foi aclamado nos Paços do Concelho. Nos dias seguintes,
seriam tomadas providências contra os empregados públicos fiéis a D. Miguel.
O mês de
Junho de 1828 seria de avanços e recuos alternados de realistas e
constitucionais. No final do mês, as forças fiéis a D. Miguel haviam retomado o
controlo da situação, iniciando –se de imediato uma perseguição impiedosa aos
constitucionais de Guimarães. No dia 25, o Intendente Geral da Polícia publicou
um aviso em que recomenda ao Corregedor da Comarca que proceda contra quaisquer pessoas
desafectadas à realeza, ou perigosas, formando-lhe culpa e dando-me parte.
No dia 10 de Julho, foram suspensos das suas funções de escrivães da vila José
de Sousa Bandeira e Luís Pedreira de Freitas e outros, sendo imediatamente
substituídos por realistas.
No dia 20, celebrou-se com Te Deum
na Colegiada a aclamação de D. Miguel como rei de Portugal. Entretanto, no dia
14, o rei criara uma Alçada especial, a instalar no Porto, com poderes que se
sobrepunham a todas as leis vigentes, com a missão de proceder a uma escrupulosa devassa, sem limitação de tempo,
nem determinado número de testemunhas, contra os que apoiaram os
constitucionais de 16 de Maio.
No dia 30 de Julho foram presos o padre Francisco José da Fonseca e
Freitas, de 62 anos, natural de Cepães e o bacharel Manuel de Freitas Costa
Júnior, de 32 anos, de Guimarães. Estava em curso um processo que iria abrir
muitas feridas em Guimarães.
Segundo apurou Pedro da Fonseca Serrão Veloso, foram pronunciados 444
indivíduos da Comarca de Guimarães que foram objectos das devassas e sumários
que encontrou na Alçada criada por D. Miguel. Pelo seguinte quadro percebe-se a
dimensão que a perseguição aos constitucionais teve em Guimarães:
No levantamento que fez, Pedro Veloso identificou quase duas centenas de
vimaranenses que foram objecto de processos ao abrigo da disposição que criou a
Alçada especial do Porto. 59 estiveram presos a aguardar julgamento na cadeia
da Relação do Porto, 14 no Aljube (13 religiosos e um professor de Filosofia),
dois estiveram reclusos noutras cadeias e 123 não foram encontrados, tendo sido
passados mandatos de captura (cartas de
éditos) contra eles. Num total de 198, apenas se contam cinco mulheres. Conhecem-se
as ocupações de 181 dos detidos, predominando pessoas com um nível de instrução
acima da média e uma situação social confortável: 21 titulares de empregos
públicos, 34 negociantes, 32 clérigos, 3 proprietários, 14 militares, 6 bacharéis,
2 académicos, 3 estudantes, 2 médicos, três boticários, 2 cirurgiões, 2
músicos, 1 professor, 1 fabricante, 7
comerciantes, 40 homens de ofícios (8 alfaiates, 2 barbeiros, 2 carpinteiros, 1
espingardeiro, 4 ferreiros, 1 moleiro, 9 ourives, 2 padeiros, 1 pedreiro, 1
penteeiro, 8 sapateiros, 1 serralheiro), 5 caixeiros, 1 trabalhador, 2 criados.
Dos que foram levados à Alçada do Porto, uns foram soltos por falta de
provas, outros acabaram por ser libertados sem julgamento, por se entender que
a suas culpas estavam expiadas pelo tempo que passaram na prisão, outros foram
condenados ao desterro, na maior parte dos casos para colónias africanas
remotas e inóspitas, um foi condenado à morte (acabando por ver a pena comutada
em degredo para toda a vida), outro morreu na cadeia sem ter sido julgado,
quatro morreram na cadeia, alguns saíram da cadeia com a entrada no Porto do exército libertador, de D. Pedro, no dia
9 de Julho de 1832.
A análise das listas coligidas por Pedro Veloso exige algum tempo e um nível
e detalhe que não cabe aqui. Por agora, daremos quatro exemplos de
cidadãos de Guimarães que estiveram nas mãos da Alçada do Porto: os fundadores
do primeiro periódico de Guimarães, o Azemel
Vimaranense, José de Sousa Bandeira, Rodrigo Joaquim de Meneses, José
Joaquim Vieira e Manuel Luís Pereira Pinheiro de Gouveia.
José de Sousa Bandeira, escrivão e pioneiro do jornalismo em Portugal,
entrou na cadeia da Relação no dia 13 de Janeiro de 1829. No dia 2 de Julho, foram-lhe
concedidos os cinco dias da praxe para que respondesse à acusação. Em 18 de
Setembro recebeu a sentença: foi condenado
a assistir as execuções de dois infelizes, que foram sentenciados no mesmo
processo; depois ir degredado por toda a vida para o presidio de Pungo-Andongo
com pena de morte, se voltar a estes Reinos, e na confiscação, e perdimento de
todos os seus bens. Não se sabe se recorreu da sentença, mas sabe-se que a
9 de Agosto de 1830 embarcou, para Lisboa, a fim de ir de lá para o desterro.
Magalhães Basto afirma que os juízes da Alçada começaram por condenar
Bandeira à morte,
Mas, por um capricho da sorte, a sentença foi revogada. Fez-se novo
julgamento, findo o qual levaram o réu para o oratório. Sousa Bandeira sabia
perfeitamente que dali saía-se para a forca... Ao fim de quatro horas
angustiosas, disseram-lhe, porém, que tinha sido condenado a assistir às
execuções de dois companheiros de cárcere, e ser degredado perpetuamente para a
África. Cumprida a primeira parte da pena, e removido em seguida para Lisboa,
recuperou a liberdade em 24 de Julho de 1833, quando o Duque da Terceira entrou
na Capital.
(A. de Magalhães Basto, Boletim
Cultural da Câmara M. do Porto, vol. II, fasc. III, pág. 300)
Rodrigo Joaquim de Meneses, egresso jerónimo, entrou no Aljube do Porto
no dia 17 de Outubro de 1829, vindo preso de Braga. No dia 5 de Novembro,
foram-lhe concedidos cinco dias para apresentar a sua defesa. A 19 de Maio de
1830, seria condenado ao degredo perpétuo para os presídios de Caconda, em Angola.
Tentou recorrer da sentença, mas a 6 de
Agosto foram-lhe desprezados os Embargos, com que se opôs à condenação. No
dia seguinte, embarcou para Lisboa, de onde seguiria para o destino que lhe
estava traçado.
José Joaquim Vieira, com a profissão de assentista (fornecedor do
exército), escapou à prisão. No dia 24 de Julho de 1830 foi emitida uma carta
de éditos com o seu nome. A 13 de Outubro seriam-lhe concedidos 5 “para dizer
de facto e Direito”, tendo a sua defesa sido assumida pela sua mulher. Não há conhecimento
de que tenha chegado a ser sentenciado.
Manuel Luís Pereira Pinheiro de Gouveia, Professor de filosofia (e de Gramática
Latina, Música e Cantochão), entrou na Cadeia da Relação do Porto no dia 11 de
Junho de 1831. Vinha da cadeia de Guimarães, onde estava preso desde Outubro ou
Dezembro de 1828. No princípio de Agosto, deram-lhe o prazo do uso para contestar
a acusação. No dia 9 de Setembro deram-lhe a culpa por expiada com o tempo de
prisão que já levava. Foi posto em liberdade no dia seguinte, mas ficando sujeito por 6 meses à vigilância do
Corregedor da Corregedor da Comarca de Guimarães.
Bandeira, Meneses, Vieira, Gouveia. Quatro cidadãos vimaranenses que se viram a contas com a impiedosa Alçada de D. Miguel. Os seus casos resumem o que se passou com centenas de presos políticos que, por aqueles dias de chumbo, tiveram destinos paralelos.
Nota: As informações utilizadas neste texto foram colhidas
na seguinte obra:
Colecção de·listas que
contém os nomes das pessoas, que ficarão pronunciadas nas devassas, e summarios,
a que mandou proceder o Governo Usurpador depois da heroica contra-revolução,
que arrebentou na mui nobre, e leal Cidade do Porto em 16 de Maio de 1828, nas
quaes se faz menção do destino, que a Alçada, creada pelo mesmo Governo para as
julgar deu a cada uma delas. Oferecida, e dedicada S. M. I. o grande, e imortal
Duque de Bragança, regente em nome de S. M. F. a Senhora D. Maria II, rainha
reinante de Portugal, Algarves, e seus dominios. Pelo Bacharel, Pedro da
Fonseca Serrão Veloso, PORTO: Typ de Viuva Alvares Ribeiro & filho, 1833
0 Comentários