Albano Belino em S. Francisco (fotografia da colecção da Muralha) |
3 de Agosto de 1890
Domingo. - Inaugurou-se neste dia, o Museu da Ordem Terceira
de S. Francisco.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 114 v.)
Albano Belino é uma figura particularmente interessante. Nasceu na Beira Alta, na primeira casa da rua da Cardia, em S. Julião (Gouveia). Quando chegou a Guimarães, em Julho 1876, de ainda não tinha completado 13 anos de idade. Aqui iniciou a sua carreira comercial, como marçano na tabacaria de José Joaquim de Lemos, o Lixa da Porta da Vila, que era então um lugar de reunião e tertúlia que tinha, entre os seus frequentadores, o cónego António Joaquim de Oliveira Cardoso, poeta e dramaturgo. O cónego, reparando na inteligência e no espírito de iniciativa jovem Belino, adoptou-o, iniciando-o nas artes da escrita.
Cedo Belino se fez poeta, colaborando nos jornais de Guimarães (Religião
e Pátria, Memória, Comércio de Guimarães) e tornando-se
correspondente, por muito tempo, o Jornal da Manhã, do Porto. Em 1886,
juntamente com um outro jovem empregado do comércio da Porta da Vila, Albano
Pires de Sousa, fundou uma folha literária dedicada às damas vimaranenses,
O Bijou.
No final de Abril de 1891, casou com Delfina Rosa, sobrinha do Cónego
António de Oliveira Cardoso, cuja casa frequentava. O matrimónio, com uma
mulher que já dobrara os 43 anos (Belino tinha 27 anos), trouxe-lhe a fortuna e
levou-o a instalar-se em Braga. Será aí que, inspirado na obra e no exemplo de
Martins Sarmento, dará início às suas prospecções arqueológicas, de que
começámos a ter notícias através da correspondência que trocou com Sarmento (o
seu conselheiro e distintíssimo mestre em negócios de arqueologia)
entre Agosto de 1894 e as vésperas do falecimento do arqueólogo da Citânia de
Briteiros, em 1899. Em Braga reuniu um importante conjunto de achados
arqueológicos, que iriam integrar o acervo do museu que ele sonhava abrir em
Braga, inspirado no modelo do Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento.
Mas já antes, Belino instalara
um Museu de Arqueologia Cristã na Ordem terceira de S. Francisco. A
proposta de criação de um Museu de Arte Ornamental, apresentada por Albano Belino na Mesa da
Ordem de S. Francisco. Tinha como propósito reunir
todas as antiguidades do convento e de outras entidades que as queiram ali
expor. A Mesa decidiu autorizar Albano Belino a organizar o Museu, pondo à sua disposição os salões do edifício do convento
para ele escolher o que julgasse mais apropriado para esse fim.
Abriu ao público no dia 3 de Agosto de 1890, sendo os visitantes
acolhidos pela banda do regimento
de Infantaria 20, que tocou num coreto instalado no largo fronteiro. A inauguração
foi muito concorrida. Segundo o Religião
e Pátria:
Viam-se a ali
objectos muito apreciáveis pela sua antiguidade e rico trabalho. Eram eles uma
formosa custódia muito antiga, pertencente a Ordem; uma outra duma freguesia deste
concelho; o histórico cálice de D. Dulce, feito em 1222; outro também histórico,
muito largo, em forma de vaso; uma riquíssima capa bordada em alto-relevo a
matiz, pedras e ouro; uma linda cruz de pérola; um formoso quadro a óleo, em
cobre, representando Judite degolando Holofernes; um grande quadro com o retrato
da rainha D. Mafalda; outro já bastante deteriorado, mas de grande estimação,
pois segundo uma indicação que tem, data de 1370; e ainda outros quadros antigos
e objectos históricos.
Religião e Pátria, 6 de Agosto
de 1890
Na sua obra Arqueologia Cristã, Albano Belino refere-se a peças que
juntou para mostrar no museu de S. Francisco:
O curioso andor das candeias, que
também aqui se representa foi salvo por minha intervenção quando fundei no
edifício da Ordem de S. Francisco um pequeno museu de arqueologia cristã.
Encontrei-o, quase de todo desfeito, no sótão do edifício dos Paços do
Concelho, sendo desde logo oferecido à Sociedade Martins Sarmento.
(Albano Belino, Archeologia christã.
Lisboa : Empreza da Historia de Portugal, 1900, p. 150)
Sobre a portaria do extinto
convento fundei em 1890 um pequeno museu, cuja inauguração se efectuou no domingo
3 de Agosto do referido ano. Entre outros objectos de valor consegui reunir ali
um grande quadro a óleo em madeira, representando um milagre de S. Francisco,
outro igualmente grande representando a rainha D. Mafalda, fundadora do
convento da Costa, outro em cobre representando o acto heróico de Judite, etc.
Também ali se encontra a grade do milagre com estes dizeres :
ESTA HE A REDE Q ST. O ANT.O LANÇOU SOBRE LADRAM
MANOEL DIAS, A 20 DE ABRIL DE 1710
(Id., pp. 153-154)
Sobranceira à cidade de Guimarães
ergue-se majestosa a serra de Santa Catarina, com 616,98 de altitude sobre o
nível do mar, assim denominada por possuir, desde tempos remotos, no ponto mais
culminante, uma capelinha da mesma invocação, com um púlpito curioso, portátil,
em forma de cálice, muito apreciado quando esteve exposto no museu da Ordem
Terceira de S. Francisco.
(Ib., p. 246)
Quanto ao quadro de grande
estimação por estar datado de 1370, era, segundo se lê no Comércio de Guimarães do dia 4 de Agosto,
uma tela dum grande quadro do refeitório, mas ainda duma
grande estimação artística e arqueológica. Ora, como
as pinturas sobre tela mais antigas que se conhecem são do século XV, esta, se
fosse daquela data, obrigaria a repensar a história da arte tal como a
conhecemos hoje.
No Museu de S. Francisco estava, sobre uma mesa,
um livro com o título “Impressões da igreja, museu e hospital da V O. T.
de S. Francisco de Guimarães”, onde já estavam reunidos contributos
de diversos autores. No dia 2 de Abril de 1891, em reunião da Mesa da Ordem de
S. Francisco, Albano Belino leu uma informação, que ajuda a perceber o processo
de criação deste museu:
De há muito que está demonstrada a necessidade de
criar junto das corporações religiosas Museus destinados a conservar o que
outrora, nos felizes tempos da sua florescência, constituiu o seu
engrandecimento artístico, e que hoje, no seu valor arqueológico deve merecer a
veneração de todos nós. E isto manifesta-se exuberantemente na colaboração
desse livro "Impressões", onde opiniões abalizadas aplaudem com
extraordinário louvor a criação do Museu por nós fundado nesta Venerável Ordem.
Desde a data da sua fundação até hoje, não me tenho poupado a esforços na
aquisição de objectos próprios para este fim, e embora pouco tenha feito,
resta-me a consolação de ter concorrido para a veneração desse pouco que lá
existe. Entre esses objectos existe um púlpito, cálix de madeira, pertencente à
Irmandade de Santa Catarina da Serra, o qual foi confiado a esta Venerável
Ordem para ali ficar exposto, tendo a referida Irmandade de Santa Catarina, na
sua capela, um púlpito de madeira liso, que foi da nossa igreja para lá em
substituição ao outro. O quadro de D. Mafalda foi-me oferecido pelo Exmo.
Senhor Visconde de Sendelo, como proprietário do convento da Costa, onde ele se
achava em estado de abandono, com a condição de tornar a ser-lhe entregue se um
dia o nosso Museu deixar de existir, isto para não haver descaminho, um objecto
de tanto merecimento. Julguei de alta conveniência consignar aqui estas
declarações para todos os efeitos, e aos nossos sucessores eu peço, em nome do
bom gosto que sempre deve presidir ao governo desta distinta Corporação, que
jamais deixem de secundar os meus desejos em conservar e fazer progredir tanto
quanto possível, este Museu a que venho de me referir.
O desígnio
do voluntarioso Albano Belino, para se conservar
e fazer progredir o Museu de Arqueologia Cristã de S. Francisco de
Guimarães não teria eco nos tempos que se seguiriam.
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