Um dos dormitórios do antigo Internato Municipal de Guimarães. |
25 de Agosto de 1911
Decreto cedendo à Câmara “a parte do antigo convento de Santa Clara” de
Guimarães, “onde estava instalado um seminário, a fim de nele se estabelecer um
internato para estudantes menores. 2º - Esta concessão é feita a título
provisório, até que definitivamente se dê àquele edifício algumas das
aplicações designadas em qualquer dos 4 números do art.º 104 do decreto de 20
de Abril último”. Está assinado por António José de Almeida e Afonso Costa.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 176 v.)
A extinção das ordens religiosas em 1834 implicou que, no caso dos
recolhimentos femininos, os conventos passassem para a posse do Estado após a morte
da sua última freira. No caso do Convento de Santa Clara de Guimarães, aconteceu
no dia 8 de Setembro de 1891, com o falecimento, aos 76 anos, da Madre D.
Antónia Amália da Assunção Viegas faleceu. Em Agosto de 1893, o edifício foi
entregue à Colegiada, para nele instalar o Seminário de Nossa Senhora da
Oliveira que, em Junho de 1895, iniciaria o processo de elevação a liceu
nacional. O seminário continuaria a funcionar, em regime de internato,
sendo extinto após a implantação da República. Nessa altura, colocou-se a
necessidade de criar um internato destinado aos alunos que pretendessem
frequentar o Liceu. Para o instalar, a Câmara pediu que lhe fosse cedido o
edifício de Santa.
No dia 25 de Agosto de 1911, foi recebido em Guimarães um
telegrama de Mariano Felgueiras, que estava em Lisboa, a comunicar que o
Ministro da Justiça, Afonso Costa, despachara a cedência à Câmara do edifício
de Santa Clara (a que juntaria, no princípio de Setembro, a entrega de Guimarães
todo o mobiliário do extinto seminário. Dias depois, a 7 de Novembro, a Câmara
decidiu formalmente instituir um internato municipal para acolher os alunos do
liceu, com o qual partilharia o edifício do convento, ocupando as mesmas e
dependências onde antes funcionara o seminário.
As bases para a organização do Internato Municipal, constantes de um
docimento subscrito pelo vice-presidente da Câmara, Mariano Felgueiras, previam
um quadro de pessoal composto por um director (que, além de um ordenado fixo,
receberia 6% dos saldos positivos de cada
gerência), um subdiretor, três prefeitos, um médico, que exerceria as
funções de inspector de saúde, um professor de higiene, um professor de música
(remunerado com as quantias que os seus alunos pagassem), um secretário, um
cozinheiro, um ajudante da cozinha, um porteiro, um hortelão e três. Os cargos
de despenseiro, amanuense, roupeiro, entre outros, seriam exercidos pelo
subdirector e pelos prefeitos.
As regras de admissão dos alunos, assim como as prestações e quotas que
lhes seriam cobradas, manteriam, com
pequenas modificações, a tabela do extinto Seminário, ficando sendo um dos mais
económicos colégios do país: uma jóia de entrada de cinco mil réis, no
primeiro ano (mil réis nos seguintes) e uma anualidade, referente à hospedagem, de cem mil réis, repartida
por três prestações. Lavadeira, engomadeira e explicações eram pagas à parte.
O documento que institui o Internato Municipal é claro quanto aos seus
propósitos formativos, que deveria potenciar as competências dos internos, de
modo a prepará-los para a vida activa:
A educação física, moral e cívica
há-de merecer às entidades directoras um cuidado indefesso e será ministrada em
harmonia com os mais modernos e conceituados processos pedagógicos. Não se
esquecerão os passeios, as excursões escolares, os jogos e os sports mais adequados.
Haverá a natação, a música, o canto coral e a pintura. Haverá palestras e
academias em que se despertem e encaminhem as aptidões literárias e artísticas
dos educandos, tendo-se sempre em vista arma-los o melhor possível para a vida
prática.
Poderiam ser admitidos até cinco alunos
pobres naturais de Guimarães, que frequentariam o Internato a expensas da
Câmara.
O Internato Municipal de Guimarães começou a funcionar no ano lectivo de
1911-1912. Foi visitado, no princípio de Novembro de 1911, por António José de
Almeida em Guimarães que, segundo o jornal Alvorada,
terá afirmado que era levado a reconhecer
que a disposição daquele estabelecimento — Internato junto do Liceu, com tão
admiráveis condições higiénicas — merecia a sua aprovação, apesar de ser adverso
a internatos.
Na mesma reportagem do Alvorada,
publicada a 30 de Novembro com o título Uma
visita ao Internato Municipal, descreve-se aquele estabelecimento
educativo:
Servido à frente por um amplo
largo, a norte e sul por bons quintais, um dos quais com um amplo recreio onde
vai instalar-se um ténis, e interiormente por dois espaçosos pátios, um pequeno
jardim e o claustro, a luz exterior penetra em todo o edifício por numerosas
janelas das quais, sobretudo no andar superior, se gozam belos panoramas, como
da parte sul da galeria superior do claustro e das camaratas superiores, em que
a soberba Penha, a Costa, o palacete de Vila Pouca, as elegantes torres do
Campo da Feira, a Colegiada e a muralha antiga que próximo passa, arrancam
exclamações de espanto pelo belo conjunto que oferecem à vista.
Nos baixos do edifício existem nove
salões para as aulas do Liceu em volta do claustro, com magniíficas cartas
articuladas, ultimamente adquiridas; o ginásio (que vai ser instalado no
segundo pátio) a secretaria, com magnífica estante; cozinhas e amplo refeitório
servido com cadeiras e adornado com plantas nas janelas; adega, arrecadações,
dispensa e viveiro; arcaria, sob as camaratas; instalação para banhos, com seis
banheiras noutros tantos compartimentos para imersão; sala para duches servida
com três gabinetes e casas onde está instalado o motor, da força de cinco
cavalos, alimentado a gasolina, e uma bateria de 36 acumuladores para a energia
eléctrica da luz.
No primeiro andar há bons quartos
para o pessoal, entre os quais o que servia ao arcebispo, o do vice-reitor e a
sala de visitas; oito quartos para enfermarias e ambulância; sala de estudo,
espaçosa, com treze janelas; um comprido corredor de 46 metros, comunicando com
o coro da igreja, bem iluminado, com salas para explicações; rouparia e
secretaria do internato; retretes iluminadas por vinte e quatro janelas,
isoladas do edifício, voltadas ao jardim; e em dois andares, com magnífico pé
direito e luz a jorros, as quatro amplas camaratas que, só por si, recomendam o
estabelecimento.
O Internato Municipal
funcionou até 1968, altura em que foi desalojado para a instalação do ciclo
preparatório (e também pela transferência dos serviços municipais para Santa
Clara). O seu encerramento foi criticado na imprensa.Por aquela altura,
publicavam-se no diário República, de
Lisboa, umas crónicas intituladas Vozes
de Guimarães, assinadas por 'M'. Na edição de 17 de Outubro daquele ano, o
assunto tratado foi o fim do internato municipal. Ali se lê:
Reabriram as aulas e a antiga
instituição vimaranense, de tanta utilidade para as povoações deste concelho e
limítrofes, o Internato Municipal, padrão de cultura desta terra, criado pela
Câmara, que ininterruptamente o vem administrando desde 1911, por onde têm
passado tantas gerações de estudantes que, com saudade, se gloriam de nele
terem iniciado e prosseguido a sua formação moral e Intelectual, conserva as
suas portas encerradas, deixou de funcionar, constando confusamente que a parte
do edifício de Santa Clara, que lhe pertence, vai ter outro destino.
Na imprensa local tem-se feito eco
do desgosto e revolta da opinião pública por tão infeliz e desastrado
acontecimento e até ao último momento se tem esperado um rebate de bom senso
que salve Guimarães de mais este acto de destruição e retrocesso que se vem
juntar a outros, para maior desgraça ainda, bem mais difíceis de remediar, que,
desde há tantos anos, põem em relevo a triste situação vimaranense.
Este lamento era especialmente sentido, porque vinha do próprio pai do Internato Municipal de Guimarães. 'M' era Mariano. Mariano Felgueiras, então com 84 anos.
0 Comentários