Capitel de coluna da arcaria do claustro do antigo Convento de S. Domingos (hoje Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento). |
8 de Agosto de 1876
O governador civil do
distrito oficia à Câmara Municipal, enviando cópia do ofício que lhe fora
dirigido pela 2.ª repartição da Direcção-Geral de Instrução Pública em data de
5 deste mês, no qual se diz: - que do antigo Convento de S. Domingos apenas
existem hoje as arcarias do claustro, obra do século 13.º sendo certo que
aquele claustro está ainda em bom estado de conservação, não convindo por isso
que seja destruído para ceder o lugar a edificações modernas: que o Exmo. Ministro
do Reino chama a atenção de S. Exa. para o facto indicado, e diz-lhe que muito
conviria que ele insinue a esta Câmara que conserve no estado em que se acham
aquelas preciosas ruínas que são monumento interessante para o estudo da nossa
arquitectura. - Em virtude deste ofício, o mesmo governador civil chamando a
atenção da Câmara, para o conteúdo do dito ofício, espera que se cumpra o que
nele se pede.- Vide o seguinte dia 9.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 130 v)
O primitivo convento de S. Domingos de Guimarães foi erguido entre 1271 e
1278. Estava encostado à muralha, junto da Porta da Vila. Durante o cerco à
vila montado pelas forças do futuro D. Afonso IV, a vila manteve-se fiel ao rei
D. Dinis, embora sofrendo grandes danos. O convento de S. Domingos serviu,
nesta altura, como via de acesso aos sitiantes, pelo que, restabelecida a paz, D.
Dinis ordenou, em 1323, que se derrubasse o convento , para se reconstruir em
local que não oferecesse perigo para a defesa da Vila. O Convento de S.
Domingos foi erguido no final do século XIV, a 130 passos a poente do lugar da
sua fundação primitiva. Funcionou como cenóbio dominicano até à extinção das
ordens religiosas, em 1834. Nas décadas que se seguiram foram-lhe dados diferentes
usos, até que em 1888 foi entregue, em definitivo, à Sociedade Martins
Sarmento.
O elemento mais singular da construção do século XIV é o claustro,
implantado a Norte da igreja. De planta quadrangular, é suportado por arcos
quebrados assentes em elegantes colunas duplas. Sobreviveram três naves do
velho claustro, mantendo-se completo o quadrilátero da arcaria gótica, formado
por 42 arcos e 48 pares de colunas com belos capitéis decorados com motivos
vegetalistas, zoomórficos e antropomórficos, onde se vislumbram sobrevivências
do românico. Todos diferentes.
Era em torno do claustro que se dispunham a sala do capítulo, o
dormitório e o refeitório conventuais.
Na segunda metade da década de 1840, parte do convento tinha sido
arrasada, para a abertura da estrada de Braga. Em 1863 iniciaram-se novas
demolições, do lado do Toural (actual rua de Paio Galvão) e do lado voltado
para a Ordem Terceira. Em meados de Outubro de 1873, foi adjudicada a um
pedreiro de Santa Luzia a demolição do convento, incluindo o claustro, que pouparia a escada principal, o dormitório e o chafariz. Ergueram-se vozes
contra a destruição do claustro. Por essa altura, Martins Sarmento terá apelado
a Joaquim Possidónio da Silva para que usasse da sua influência para impedir a
destruição do mais antigo claustro vimaranense.
Três anos depois, a 8 de Agosto de 1876, uma comunicação do governador
civil do distrito dá conta de que o Ministro do Reino recomenda à Câmara que conserve
no estado em que se acham aquelas preciosas ruínas que são monumento
interessante para o estudo da nossa arquitectura. Em consequência, a Câmara
decidiu conservar a arcaria do claustro, do qual já tinha sido demolido o piso
superior (cujas colunas foram adquiridas pela Comissão de Melhoramentos da
Penha para a construção de um chalet) e
mandá-lo cobrir com telhas.
Em 1881, Martins Sarmento Trouxe a Guimarães Tomás Soller, Soares dos
Reis e Marques de Oliveira, delegados do Centro Artístico Portuense, para
avaliarem a situação de diversos monumentos de Guimarães, tendo-lhes pedido que
se pronunciassem sobre o destino a dar ao claustro de S. Domingos.
Por decreto de 12
de Junho de 1888, o que sobrava do antigo convento de S. Domingos foi entregue,
para nele estabelecer a sua biblioteca, museus, escolas e mais dependências,
revertendo para a fazenda nacional se a mesma sociedade, no prazo de dois anos,
deixar de aplicá-lo aos fins para que lhe é concedido, ou em se em qualquer
tempo lhe der diversa aplicação. No ano seguinte, foi reconstruída a galeria
superior do claustro medieval, segundo traço do engenheiro Inácio Teixeira de
Meneses. Sobre esta empreitada, que seria financiada por Francisco Martins
Sarmento, escreveu José Sampaio, no número especial que o jornal Porgresso dedicou a Sarmento no dia 9 de
Março de 1898:
Do
seu claustro existia apenas a arcaria; tudo mais tinha desaparecido. E a
arcaria, uma jóia preciosa de arquitectura gótica, desprendida da parte principal
do edifício, principiava a inclinar-se para a terra na melancolia de uma
verdadeira ruína.
Condoeu-se
dela o snr. Sarmento com o seu amor pelos monumentos da antiguidade, e na sua
fantasia brilhou a ideia de que, amparada, podia ser formoso sustentáculo para
as galerias dum museu arqueológico.
Planeou
a obra, chamou em auxílio o major Inácio de Meneses, um amigo seu muito
predilecto e engenheiro de largos conhecimentos artísticos, que logo debuxou o
alçado e levantou as plantas.
E
depois... Depois, a Sociedade estava sem vintém. Tinha esgotado todos os
recursos em recompor o resto do edifício para instalar a biblioteca…
O
snr. Sarmento resolveu a dificuldade. Tomou, por escritura pública, a
empreitada da obra, com a cláusula de receber o custo em prestações anuais.
Realizado
o contrato, pôs tudo em movimento. Apruma-se a arcaria, levantam-se as paredes
laterais com finos lavores nas portas e janelas, vai-se enfim convertendo o
projecto em realidade.
Neste
em meio chega o vencimento da primeira prestação da empreitada. Os directores
da Sociedade, honrando o seu compromisso, querem pagar, mas o empreiteiro
recusa-se a receber! Não recebe - que isso se aplique às estantes do museu.
Vencida
a segunda, vencidas as outras prestações, concluída o obra, passa quitação e
não recebe!
Foi ali, no
mais antigo e mais belo claustro de Guimarães, que se instalou o Museu
Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento. É monumento nacional desde 1910.
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