Parada militar do Regimento de Infantaria N.º 18, no Porto (início do século XX). (Fotografia do Arquivo Municipal do Porto) |
7
de Agosto de 1839
A Câmara representa a Sua Majestade:
Senhora, a Câmara Municipal de Guimarães solicita pelo bem-estar dos seus
habitantes, como cumpre a seu legal dever, vem outra vez ante o Trono de Vossa
Majestade implorar uma graça de que depende a paz destes povos. Qualquer que
fosse o antigo comportamento de infantaria 18 no Minho e Trás-os-Montes, é
certo que desde que tomou seu comando o valente coronel José Teixeira de
Mesquita, ele se acha um corpo brilhante, obediente e disciplinador, e é, há dous
anos, que existe naquela vila, a garantia única; Real Senhora, da tranquilidade
pública contra os salteadores e assassinos que infestam a província e o reino,
cujos notórios estragos até mereceram do corpo legislativo medidas
excepcionais. Acontecendo em Junho do ano passado uma sublevação da soldadesca,
que sem um só oficial marchou amotinado para matar o comandante, por ser este o
representante da sua imoralidade, mantenedor da disciplina, projecto infernal
que a consumar-se teria infalivelmente exposto a vila a um saque geral, ao mais
infrene massacre, aquele digníssimo coronel, praticando um feito mais heróico
que jamais podia haver em combate no Campo da Batalha, se apresentou só de
frente ao corpo rebelado que pedia em gritos a sua morte, e em dez minutos
reduziu tudo a obediência e salvou a vila de tantos horrores. A Câmara que
então servia apresentou a levar em data de 7 de julho de 1838 este feito ao
conhecimento de Vossa Majestade a pedir que Guimarães fosse declarado quartel
permanente do mesmo batalhão visto ter ele um tal comandante, que não é menos
digno na disciplina militar que na administração económica. Esta graça é tanto
mais justa, por isso o batalhão 14 que neste caso deve ser transferido para
Aveiro é um corpo em esqueleto que está inda por organizar e que nunca residiu
em Guimarães, sendo-lhe por isso indiferente este ou aquele quartel, pois que
ambos desconhece. Vossa Majestade não desatendeu aqueles rogos conservando ali
o dito corpo e hoje outra câmara ressentindo a mesma súplica implora a Vossa
Majestade a graça de designar Guimarães quartel permanente de infantaria 18
cuja mercê espera de Vossa Majestade com o mais importante benefício para
segurança dos povos que administra a câmara suplicante. Deus guarde a preciosa
vida de Vossa Majestade para ventura da Nação. Guimarães em Câmara de 7 de
Agosto de 1839. - Assinados: Nápoles- Baptista- Vilela.- Não deu efeito.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 128 v)
O Regimento de Infantaria n.º 18 tem uma longa história. Participou na
Guerra Peninsular, na revolução liberal de 24 de Agosto de 1820, no
levantamento militar do Porto contra a restauração do absolutismo de 16 de Maio
de 1828, e na primeira tentativa de instauração da República, no 31 de Janeiro
de 1891. Em Guimarães, onde esteve aquartelado entre 1837 e 1840, deixou
saudades.
Em 8 de Dezembro de 1837, chegou a Guimarães, onde ficaria aquartelado no
Paço dos Duques de Bragança. O seu comandante, o Coronel José Teixeira de
Mesquita, montaria o seu quartel na Casa dos Coutos, no Terreiro da
Misericórdia, enquanto que os oficiais se instalaram no antigo Convento de
Santo António dos Capuchos (no primeiro dia de Fevereiro de 1839, mudaram-se
para o extinto Convento de S. Domingos). Entre as missões que o 18 de Infantaria
desempenhava a partir de Guimarães, destacam-se as missões no Alto Minho, em
defesa da linha de fronteira com a Galiza (Melgaço, Monção, Valença) e a
imposição da ordem pública, nos lugares onde ela era posta em causa.
No dia 7 de Julho de 1838, quando se preparava uma revista de roupa, ordenada pelo comandante, os seus soldados
protagonizaram uma rebelião. Amotinaram-se no quartel, onde estiveram em vias
de assassinar o oficial de dia, dirigindo-se em seguida, em formação, para o
Terreiro da Misericórdia. Em frente ao quartel do comandante, deram vivar ao
seu major e morras ao coronel, que não queriam que continuasse como comandante.
Conta Pereira Lopes que, ao perceber o que se passava, o coronel saiu do quartel a cavalo, e apresentou-se à
frente dos amotinados, com a maior frieza e sangue frio. Mandou chamar o
clarim tocar a chamar o oficiais e deu ordens para que se lhe juntassem os
sargento e os soldados que não tinham aderido ao motim. Em seguida, dividiu os
soldados rebeldes em várias companhias, que mandou distribuir por diferentes
praças da vila. Em seguida, dirigiu-se para o quartel do Paço dos Duques, para
onde mandou que seguissem as companhias que dispersara pelas praças, dando
ordem de prisão aos que foram identificados como cabeças de motim. Aos
restantes, mandou proceder à revista de roupa que ordenara e que dera origem ao
levantamento. Quanto aos motivos da rebelião, o Cónego Pereira Lopes acreditava
que a mais bem fundada era os soldados
não gostarem do coronel por ele os castigar muito, principalmente sendo
ladrões.
No castigo que impôs aos responsáveis pelo motim, o Coronel fez jus à sua
fama de homem implacável. Conta Pereira Lopes:
Pelas 4 horas da manhã reuniu o
batalhão de infantaria nº 18, no seu quartel, nesta vila, e depois de se fazer
conselho aos soldados que foram cabeças de motim na revolta que fez uma grande
parte do batalhão no dia 7 deste mês, e que estavam presos, foram chibatados um
cabo e seis soldados no olival que fica defronte dos quartéis, levando tantas
cada um deles, que vieram quase todos em macas para o hospital e foram logo
confessados e sacramentados. Depois de castigados estes seis, veio ser
castigado no terreiro da Misericórdia um tambor que no mesmo terreiro tinha
comandado uma companhia quando ali estavam os soldados revoltados.
A violência do castigo foi de tal ordem que, passados dois dias, um dos
supliciados acabaria por morrer no hospital. Chamava-se António Braga e era de
Covelos, Póvoa de Lanhoso. Foi enterrado no dia 12, no cemitério do Campo
Santo, sendo acompanhado por soldados com tochas e por uma escolta que
lhe fez as últimas honras fúnebres.
No dia 30 daquele mês, um grupo de estudantes representava, na casa da comédia de Guimarães, uma peça
com o título A Disciplina Militar das
Tropas do Norte. Se calhar, não foi coincidência.
Entretanto, a Câmara tinha remetido uma representação à rainha, pedindo
que Guimarães passasse a ser a sede permanente do 18 de Infantaria de
Guimarães: A resposta chegou no dia 14 de Julho, remetendo uma decisão para a
altura em que se procedesse à mudança de quartéis. A Câmara voltaria a insistir
em 7 Agosto de 1839 e em 22 de Fevereiro do ano seguinte. Na representação e
Agosto de 1839, a Câmara elogiava o valente
e heróico, enaltecendo a determinação
com que enfrentou o motim de Julho de 1838, na sequência do qual a Câmara se
tratara de pedir
que Guimarães fosse declarado quartel permanente do mesmo batalhão visto ter
ele um tal comandante, que não é menos digno na disciplina militar que na
administração económica.
Os pedidos da Câmara não seria atendidos.
No dia 29 de Junho de 1840, escreve pereira Lopes:
Saiu desta vila para a cidade do
Porto o batalhão de infantaria n.º 18, o qual tinha vindo para esta vila no dia
8 de Dezembro de 1837 para nelas ser aquartelado. Este batalhão (principalmente
o comandante e a maior parte da oficialidade) teve um grande sentimento por
sair desta vila, e os habitantes tiveram outro igual por ele sair, pois desde
que aqui se conservou o batalhão, tinha-se comportado muito bem, devendo-se a
sua boa disciplina ao seu digno coronel José Teixeira de Mesquita.
Em Dezembro desse ano, instalava em Guimarães o seu quartel permanente o
Regimento de Infantaria n.º 14.
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