Efeméride do dia: A morte de Cucúsio

Recolohendo a  posse ( Fotografia de AAELG - Velhos Nicolinos)

1 de Agosto de 1825
Morre João Cucúsio da Rua Nova. Foi sepultado na capela dos Terceiros Franciscanos. PL - Este era o célebre Cucúsio que na madrugada de 5 de Dezembro os estudantes, andando às posses, visitaram fazendo-lhe em frente da sua vivenda grande gritaria “Ó Cucúsio mostra o cu” e ele os satisfazia vindo à janela mostrar-lhes o olho do cu.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 110)

Prémio dos prémios, mais que o Néctar doce
És, oh Sacro Direito, e antiga Posse:
E então há-de perder-se?...
                                    (do pregão de 1819)

Não havendo grandes certezas quanto às origens dos festejos dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau, não restam grandes dúvidas de que a sua persistência no início do século XIX se relaciona com na posse de Urgezes, ou seja uma renda paga em espécie no dia de S. Nicolau aos coreiros, resultante de um legado de um cónego cuja identidade se ignora. Esta posse acabou na década de 1830, com a extinção dos dízimos. Uma outra posse, também antiga, manteve-se ainda por largos anos: a posse do mato, paga pelos oleiros da Cruz de Pedra, a que, com o decorrer do tempo, se juntam posses dadas nas casas de diferentes famílias. No início do século XX, as posses eram assim:
O dia 4 de Dezembro é o chamado dia das posses. Os estudantes, à noite, à luz de archotes e acompanhados por uma filarmónica vão primeiro aos oleiros da Cruz da Pedra que lhe fornecem cada um uma panada de mato e lha conduzem ao local onde se acha levantada a bandeira. Depois sucessivamente percorrem várias ruas sendo-lhes lançadas das janelas as posses que é de uso darem-se. Esta parte das festas está hoje muito decaída do seu antigo esplendor. O mato fornecido pelos oleiros destina-se a um magusto que se faz terminadas as posses.
Independente, 3.º ano, n.º 110, Guimarães, 1 de Janeiro de 1904
E, pouco depois, O Comércio de Guimarães descrevia assim as posses:
No dia 5 de Dezembro, pela uma da madrugada, saía uma música, indo na frente os estudantes, que iam às posses, isto é, a certas casas, em que os recebiam dando-lhes umas uvas (rua de S. Dâmaso), outras figos e aguardente (casa do professor Venâncio e António Pereira da Silva) e outros doce e vinho tinto.
Muitas dessas pessoas que obsequiavam os estudantes já faleceram.
Na Cruz de Pedra, os oleiros davam o mato para o magusto que se fazia no largo do Toural, distribuindo-se as castanhas e o vinho da Comissão pelos músicos e homens que traziam o mato, sendo defeso aos estudantes partilhar deste magusto, pois, como diziam os Padres Abreu e Vinhós, quando algum lhe aparecia, o magusto desta noite não era dos estudantes propriamente dito. O destes era em Santo Estêvão de Urgezes, na manhã do dia 6.
O Comércio de Guimarães, ano XIII, n.º 2115, 27 de Novembro de 1906
Como se escreveria no mesmo jornal em 1910, nas posses ouviam-se os discursos funambulescos e piramidais de Trás Gaia, com gesto largo em acanhada janela, rematados pelo magusto aos oleiros das Cruz de Pedra.
Segundo o Coronel António de Quadros Flores, as posses e omagusto, terminavam no alpendre da igreja de S. Pedro, dentro das grades, na distribuição das castanhas e da vinhaça à garotada, oleiros e música. (António de Quadros Flores (Coronel), Guimarães na última quadra do romantismo, 1898-1918, Tipografia Ideal, 1967, cap. XVII, pág. 54)
Das posses de particulares, há uma que se destaca pela sua singularidade, a posse do Cucúsio, à qual um dia assistiu Raul Brandão, que a descreveu em A Farsa. João Lopes de Faria conta que os estudantes se dirigiam à casa de certo sapateiro onde, em vez de gritarem venha a posse!, como nas outras casas, se punham a berrar: Ó Cucúsio mostra o cu, a que ele sempre correspondia, vindo à janela mostrar-lhes o olho do cu.
Ora, quem era este Cucúsio que, segundo se conta, iniciou a tradição de mostrar o rabo aos estudantes na noite das posses, que seria mantida pelos seus descendentes?
A notícia mais antiga da sua existência encontrou-a A. L. de Carvalho, num Códice Municipal relativo a 1797 (fI. 103):
“Condenaram José Galhofa, da Azenha, e João Cucúsio sapateiro da rua da Caldeiroa, por haverem quebrado aquedutos da água pública.
Galhofa e Cucúsiofizeram das suas; mas não é isso que aqui interessa. Figuram neste lance de citação apenas para destacar-lhes as alcunhas.
Quanto ao Cucúsio”, deve ligar-se a origem da sua alcunha àquele facto que vem referido na história das festas escolásticas vimaranenses, na noite das Posses, quando aos brados de “a posse!” “venha a posse!” um sapateiro veio expor à varanda aquela pudibunda parte do corpo que lhe conquistou a alcunha de - Cucúsio.
A. L. de Carvalho, Mesteres de Guimarães, vol. V, Guimarães, 1944, pp. 190-191
Segundo João Lopes de Faria, Cucúsio era João António Teixeira, um sapateiro que em 4 de Setembro de 1799 era casado com Ana Jacinta, vivendo na Rua Caldeiroa. Terá residido em diversas ruas, vindo a morrer na rua Nova do Muro, no primeiro dia de Agosto de 1825. A consulta do respectivo registo de óbito, informação que agradeço a Rui Faria, apenas acrescenta à efeméride de João Lopes de Faria o facto de Cucúsio ter falecido sem filhos.
Sendo certo que a posse do Cucúsio sobreviveu, pelo menos, até ao final do século XIX (lemos no programa das festas de 1898: Dia 4 – Às 8 horas da noite dar-se-á princípio ao magusto, colhendo-se em seguida as posses - que não se esqueça a da Chasca e a do Cucúsio), e sabendo-se que não deixou descendentes, falta-nos saber quem terá mantido a tradição de família de mostrar o rabo às posses durante tanto tempo.
Por outro lado, sabendo-se que o João António Teixeira faleceu em 1825, e aceitando-se que tenha sido este o primeiro dos Cucúsios que exibiam o traseiro aos estudantes na noite de 4 de Dezembro, será esta a notícia mais antiga de posses oferecidas em casas de particulares que até nós chegou, fazendo cair uma ideia que eu fui construindo de que estas posses nasceram para substituir a antiga renda de Urgezes.

De onde se volta a concluir que ainda há muito para saber na história das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau.

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