Efeméride do dia: A Estrada Nova

Ilustração da obra Methodo para construir estradas em Portugal, de José Diogo de Mascarenhas Neto (1790)

26 de Agosto de 1845
Pelas 8 horas da noite, chegou a Guimarães o Ministro da Fazenda, Conde do Tojal, indo esperá-lo a Câmara e autoridades, assim como outras pessoas de distinção. Os empregados no serviço da nova estrada que se andava construindo para o Porto, conhecida hoje pela denominação de Estrada Nova, levantaram-lhe alguns arcos até à entrada da vila. Na sua entrada puseram luminárias os empregados públicos, muitos foguetes e tocaram repiques em todas as torres da vila. O Conde hospedou-se em casa de Domingos Cardoso, a quem vinha recomendado, tendo-lhe este preparado um grande jantar, onde pernoitou. Na manhã seguinte foi ver o castelo e quartéis, indo à Colegiada, onde foi recebido por uma deputação do Cabido. Da Colegiada dirigiu-se a casa do Barão de Vila Pouca, onde o Barão lhe deu um magnífico almoço. Pelas 4 horas da tarde partiu para o Bom Jesus do Monte, sendo acompanhado até fora da vila pelas mesmas pessoas que o tinham ido esperar. Quando passava no Toural, deram-lhe alguns assobios. Estes assobios foram motivados por constar que o referido ministro concordara no que os engenheiros haviam traçado no sentido de que a nova estrada, que se ia construir para Braga, fosse levada pelo fundo do extinto convento de S. Domingos, perto dos Pombais na direcção de Caneiros. PL.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 179 v.)

Em meados do século XIX, Guimarães podia não ser servida por boas estradas, mas tinha, como escreveu em 1791 o Superintendente Geral das Estradas do Reino de Portugal, a glória de ter sido a primeira terra que produziu neste reino o modelo e plano das estradas artificiais. O Superintendente chamava-se José Diogo de Mascarenhas Neto e sabia do que falava (nesse mesmo ano, num Alvará com força de lei que a rainha D. Maria I publicou com o objectivo de remediar ao estado de ruína, era que se acham as Estradas Públicas do Reino, ordenou que se o Método da Construção seja o mesmo, que com notória utilidade se principiou a executar na Estrada de Guimarães para o Porto). Mas este será assunto para outra efeméride, mais lá para diante.
Em Julho de 1843, foi publicada uma lei que instituía a contribuição para estradas com o propósito de financiar a construção de uma rede, ou melhor, uma teia de estradas que irradiavam a partir de Lisboa, com sucessivas ramificações que deveriam ligar os diferentes núcleos populacionais do país. Como o Estado não tinha meios financeiros suficientes para avançar de imediato com o projecto de novas estradas, optou por concessionar a construção e exploração das novas estradas a companhias privadas. Na hora de avançar com a primeira concessão, não houve dúvidas: avançou-se com a entrega das três principais estradas do Minho, por se apresentarem, potencialmente, como a opção mais lucrativa. As estradas iriam atravessar a mais rica, a mais populosa, a mais industriosa, e a mais activa parte do nosso país, e abraçavam três centros desta riqueza, população, indústria e actividade — Porto, Braga e Guimarães. Depois, porque a ocupação humana do território da província do Minho era densa e contínua, não obrigando a construir muitas léguas onde a despesa é enorme, e o rédito quase inteiramente nulo. Outra vantagem do Minho era que a sua actividade, a barateza dos salários, davam à empresa a certeza de que podia contar com os meios de realizar o seu intento, e que estes seriam pelo mais razoável preço. Ainda em 1843, o Estado contratualizou a construção das estradas do Minho ao Conde De Claranges Lucotte. Para a execução da obra seria criada a Companhia das Estradas do Minho, que já estava constituída no princípio de Janeiro de 1844. A ligação do Porto a Guimarães seria feita por Santo Tirso. O director da obra seria o engenheiro Bigot, de nacionalidade francesa.
Entretanto, em Dezembro de 1844, seria criada a Companhia das Obras Públicas de Portugal, a mãe das parcerias público-privadas para construção das vias de comunicação e transportes. Foi fundada por sete capitalistas de Lisboa e tinha, como objectivo, segundo os seus estatutos, propor-se o fazer todos os grandes obras que forem legalmente autorizados para melhoramento das comunicações no país, debaixo da fiscalização do governo e com a garantia do Estado, para embolso do capital que se empregar, e o pagamento do juro que for convencionado, além de quaisquer lucros eventuais.
De Claranges Lucotte transmitiria à Companhia das Obras Públicas, por contrato assinado Maio de 1845, a concessão para a construção das estradas do Minho. No entanto, manteve-se como empreiteiro das obras das estradas (do Porto a Guimarães, do Porto a Braga, e do Porto a Penafiel), que, no seu conjunto, empregavam 6.300 operários, 2.000 empreiteiros particulares, e 1.500 pessoas incumbidas de britar pedra, de conduzir cascalho, etc.
Decorriam as obras em bom ritmo quando, a 26 de Agosto de 1845, Guimarães foi visitada pelo Ministro da Fazenda, o Conde do Tojal que, acompanhado pelo engenheiro Bigot, inspeccionou o andamento da nova estrada e foi brindado em Guimarães com uma recepção apoteótica. À saída da sua comitiva, rumo ao Bom Jesus, foi assobiado no Toural, por se dizer que tinha aderido à proposta dos engenheiros para a nova estrada para Braga, cuja construção estava prevista para breve, que apontavam o seu arranque nos Pombais em direcção a Caneiros, ideia que tinha opositores em Guimarães.
Na Primavera de 1846 rebentou a Revolução da Maria da Fonte, a que se seguiria a Guerra Civil da Patuleia. Em Maio de 1846, Guimarães estava a ferro e fogo. Os operários que trabalhavam na construção da estrada junto a Guimarães, depois de ameaçarem alguns guerrilhas, foram despedidos. A Maria da Fonte fez com que a obra fosse suspensa. Passariam três décadas até que se completasse o troço até Santo Tirso. O povo chamava-lhe Estrada Nova.


ESTRADAS.
(Comunicado)
Acha-se fundada uma companhia, que tomou por empresa as três principais e mais importantes estradas da província do Minho, do Porto a Braga, e a Guimarães, e entre estas duas povoações.
Abandonadas por longos séculos as nossas comunicações, nem o comércio, nem a administração pública pareciam consagrar a tão valioso objecto o mais pequeno cuidado.— Nos últimos dez anos da nossa regenerarão política pretendeu-se por muitas vezes c por muitos modos chamar sobre esta questão tão social, tão importante e tão urgente o interesse que a civilização lhe marcava. Foi sempre em vão.
Mas a lei de 26 de julho de 1843 veio começar uma nova época, que se apresenta auspiciosa, e que esperamos seja feliz. — Antes dessa lei fora quase impossível tentar, com esperança de bom resultado, empresa alguma de estradas, depois dela a questão mudou inteiramente de face.
O espírito público começou desde então a encarar as nossas comunicações, não como objecto de belos votos, ou de formosas dissertações, mas sim como uma realidade palpável já e positiva. — A lei facilitava todos os meios de levar a efeito qualquer plano bem combinado, e a generalidade em que a lei era concebida tornava exequíveis esses planos, que isolados seriam impraticáveis.
O espírito comercial seguiu este mesmo impulso, não arrojado e animoso; porque é nova a carreira em que se vai lançar; mas desejoso de achar no meio do país um emprego de capitais seguro, já que tantos empregos de capitais nos faltam e outros tantos tão vacilantes e incertos se mostram.
De todas as empresas a que pareceu mais lucrativa foi sem dúvida a das três principais estradas do Minho. Era natural que o comércio se dedicasse a esta empresa primeiro do que às outras, e de preferência a elas.
A primeira consideração era que as três estradas que formam o objecto da empresa da companhia atravessavam a mais rica, a mais populosa, a mais industriosa, e a mais activa parte do nosso país, e abraçavam três centros desta riqueza, população, indústria e actividade — Porto, Braga e Guimarães. Daqui a certeza de comunicações constantes e numerosas, sem as quais o rendimento das barreiras não pode ser de consideração alguma.
Depois disso ocorria que o espaço que a empresa ocupava era de sua natureza limitada e compreensível, consideração de muito momento para a direcção dos Trabalhos e para a fiscalização dos direitos de barreira, e ainda mais porque se evita o inconveniente que se dá nas estradas de longa extensão, onde para aproveitar os pontos de maior comunicação os empresários se vêem obrigados a construir muitas léguas onde a despesa é enorme, e o rédito quase inteiramente nulo.
Por último a extensa população do Minho, a sua actividade, a barateza dos salários, davam à empresa a certeza de que podia contar com os meios de realizar o seu intento, e que estes seriam pelo mais razoável preço por que se podem obter tais serviços em qualquer parte do nosso país.
As explorações e estudos do terreno certificaram também que em quase toda a extensão das estradas havia a pedra necessária para o sistema de construção que se pretende seguir, sem necessidade de despesas enormes de carretos.
As tentativas feitas em diversas estradas também nos ensinavam já com bastante probabilidade qual a despesa de construção era — e isto não seria possível que entrasse nunca como elemento de cálculo nas anteriores especulações, que neste ramo se tentaram, faltava-lhes a experiência, que a muitos tão custosa sai.
Foi pois sobre estas considerações todas analiticamente desenvolvidas, e por muito tempo estudadas, e sobre dados positivos e os melhores que neste país se podem obter, que a companhia das estradas do Minho fundou os seus planos cálculos. — O governo sem deixar de zelar os interesses públicos, fez à empresa todas as concessões que a utilidade do objecto requer — e ainda esperamos dele todos os auxílios, que em todos os países de civilização e de liberdade os governos fazem sempre a empresas desta natureza.
Porém a empresa precisa também do auxílio dos magistrados administrativos, e dos corpos municipais — com a sua boa vontade, zelo e cooperação, a companhia pode evitar muitos embaraços, muitas delongas, e conseguir mais eficazmente o fim a que se propõe. — A direcção da companhia invoca pois esta cooperação, e espera recebê-la.
A maior parte das acções da companhia acham-se subscritas; mas querendo a empresa dar a este objecto, todo público e todo nacional, a publicidade de que ele é digno, a companhia abre a subscrição das suas acções.
O correspondente já nomeado da companhia no Porto, é o Sr; João Leite de Faria, largo de S. Domingos n.° 42.
Em Lisboa no largo do Carmo n.º 7, em casa do Sr. Luís Teixeira Sampaio.
Os directores, José Inácio de Seixas, Vicente Gonçalves Rio Tinto, José Maria Eugénio de Almeida, L. T. Sampaio, e G. B. da Rocha.
Revista Universal Lisbonense, edição de 11 de Janeiro de 1844



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