D. Sebastião, o Desejado |
30 de Agosto de 1603
Acaba a vida com violência em Sanlucar de Barrameda, onde foi executado,
o dominicano frei Estêvão de Sampaio, por trabalhar pela independência da sua
pátria. Este ilustre vimaranense traduziu e editou algumas obras.- Vide
dicionário "Portugal", vol. 6, pág. 522.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 188 v.)
Nasceu em Guimarães, no seio de família nobre, ainda na primeira metade
do século XVI. Ingressou na Ordem de S. Domingos, em Lisboa, onde, nas palavras do
padre António Caldas, se fez eminente
em letras e em virtudes. Após o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer Quibir
e o curto reinado do Cardeal D. Henrique, juntou-se ao partido do Prior do
Crato. Consumada a União Ibérica, com Filipe II de Espanha a assumir o trono
vago de Portugal, Frei Estêvão de Sampaio foi preso num cárcere horroroso,
e carregado de pesadas cadeias, de onde acabaria por se evadir, indo para a Universidade da cidade francesa de Toulouse, onde
prosseguiu os seus estudos, alcançando o grau de doutor em Teologia, com aplauso de todos os Catedráticos daquela tão sublime Faculdade.
Recebendo no ano de 1598 a notícia
de ter aparecido em Veneza ElRei D. Sebastião, vinte anos depois da fatal derrota
nos campos de Alcácer, impelido do fiel afecto para com os seus Príncipes nacionais
partido com suma brevidade àquela Cidade a certificar-se com os olhos, do que estava
informado pelos ouvidos, e achando que o Senado pelas instâncias do Embaixador
de Castela tinha recluso aquele Príncipe o não pode ver, ainda que para este
fim repetiu eficazes representações a Marcos Quirini um dos quatro Deputados
para o exame de negócio tão grave, o qual o despediu dizendo-lhe ser preciso
que de Portugal se remetessem documentos autênticos por que consta-se ser aquele
homem que o Senado tinha recluso, o verdadeiro Príncipe D. Sebastião. Como todo
o seu empenho era contribuir para que esta Monarquia fosse dominada por
Príncipes Portugueses passou sem demora de Veneza a Portugal em hábito
disfarçado para não ser descoberto pelos Ministros de Castela, e informando aos
Fidalgos de tudo quanto tinha obrado, se restituiu velozmente a Veneza, onde sem
perdoar a todo o género de diligencia fez fortes instâncias ao Senado dirigidas
à liberdade daquele Príncipe, que supunha ser o seu Rei, de que resultou ser solto
por intervenção de Henrique IV de França, a Rainha de Inglaterra, e República
de Holanda com ordem expressa que no mesmo dia da soltura saísse da Cidade de
Veneza, e em três de todo o Estado. A este imaginado Príncipe seguiu Fr. Estêvão com suma fidelidade, e chegando a Florença o entregou o seu Duque contra todas
as leis da hospitalidade a EIRei de Castela, acabando Fr. Estêvão violentamente
a vida em São Lucar de Barrameda a 30 de Agosto de 1603.
Recorde-se que se, entre 1580
e 1640, Portugal foi governado por reis espanhóis, foi porque D. Sebastião
desapareceu em Alcácer Quibir sem ter deixado descendência. Se se demonstrasse
que, afinal, não tinha morrido, poderia reivindicar a sua coroa e Portugal
recuperaria a sua independência. A crença de que Sebastião não morrera era
alimentada pelos que não se resignavam com o domínio filipino. Assim nasceu o
sebastianismo, uma manifestação lusitana do messianismo. Ainda nos primeiros
vinte anos da união dinástica, apareceram quatro supostos Sebastiões a
reivindicarem o trono de Portugal. O mais enigmático apareceu em Veneza, em 1598.
Desta vez, era o verdadeiro D. Sebastião.
Eis a sua história:
Vendo a batalha perdida em
Alcácer Quibir, D. Sebastião, apesar de ferido, conseguiu fugir, na companhia
do Duque de Aveiro e de três outros fidalgos da sua corte. Embarcou num dos
barcos da esquadra portuguesa, que o levou até à costa do Algarve. Mas, coberto
de vergonha pela derrota a que conduzira o seu exército, decidiu manter-se incógnito
e partiu a correr mundo. Atravessou a Europa, calcorreou a Ásia, andou pela
Pérsia e pela Etiópia. Combateu em guerras, foi muitas vezes ferido, mas
sobreviveu. E assim transcorreram quase 20 anos, até ao dia em que decidiu
levar uma vida de reclusão e penitência junto de um eremita que conhecera. Este,
porém, ao ouvir-lhe a sua história, convenceu-o a regressar a Portugal e a
retomar a sua coroa. Decide ir a Roma ao encontro do Papa. No entanto, em desembarcando
na Itália foi atacado pro salteadores, que lhe levavam tudo quanto tinha. Impossibilitado
de ira Roma, fez-se peregrino e andou por terras de Itália, acabando em Veneza.
Sabendo da sua história, o embaixador de Espanha moveu influências para a sua
prisão.
Frei Estêvão de Sampaio
dirige-se a Veneza para tentar ver aquele que se apresentava como D. Sebastião,
mas tal não lhe foi permitido. Exigiram-lhe provas de que aquele era mesmo o
rei desaparecido e não um impostor. Regressou a Portugal, onde entrou
incógnito, e dirigiu-se a Lisboa, onde obteve junto de um notário a descrição dos
sinais físicos que permitiriam identificar D. Sebastião. De volta a Veneza,
continuou a esbarrar com o impedimento de visitar o preso, o que conseguiria
fazer em segredo. Terá ficado convencido de que aquele era mesmo o rei de
Portugal. Numa carta que dirigiu, em 18 de Junho de 1600, ao Padre José Teixeira, que tinha
boas relações na corte de Henrique IV, de França escreveu:
O rei de Portugal está detido, como
prisioneiro nesta cidade, há vinte e dois meses, por um julgamento secreto de
Deus, que permitiu que tenha chegado aqui pobre, por ter sido roubado, mas
esperando encontrar auxílio nesta república. O embaixador de Castela perseguiu
vivamente persuadindo a Senhoria de que é um ladrão calabrês, o que ele
prometia provar e imediatamente procedeu contra ele, conforme as informações do
embaixador. Tem-no sepultado na prisão, sem o deixar ver nem o querer soltar,
nem fazer algum acto de justiça… Juro-lhe, pela Paixão de Jesus Cristo, que ele
é tão verdadeiramente o rei D. Sebastião como eu sou o Frei Estêvão. Se isto não
é assim, eu seja condenado não somente por mentiroso, mas por renegado,
blasfemador e herético. Fiz grandes diligências em Portugal por este motivo.
Fui lá e regressei. Soube secretamente que dos dezasseis sinais que tinha no
seu corpo desde a infância, de que trouxe certificado autêntico de Portugal,
ele os tem todos, sem falhar algum e sem contar as cicatrizes das feridas da
batalha.
Por força das influências que
moveu, Frei Estêvão acabaria por conseguir a liberdade do prisioneiro, por
sentença proferida na manhã de 15 de Dezembro de 1600, com a condição de
abandonar a cidade de Veneza em 24 horas.
Na noite do dia 16 de Dezembro,
Frei Estêvão e aquele que fora reconhecido como D. Sebastião, partiram de
Veneza, disfarçados de peregrinos, na direcção de Livorno, onde embarcariam
para França. Na passagem por Florença, o companheiro de Frei Estêvão revelou cometeu
a indiscrição de revelar a sua identidade de rei de Portugal. Acabaria preso e
enviado para Nápoles, onde seria julgado por falsa identidade e condenado às
galés para toda a vida. A pena deveria ser cumprida em Espanha, onde desembarcou
no início de 1603. Aí, restabeleceu contactos com independentistas portugueses,
acabando por ser sujeito a novo julgamento, onde se deu como provado o seu
envolvimento numa conspiração que envolvia membros da nobreza e do clero
portugueses para levar o prisioneiro a encabeçar o levantamento dos portugueses
contra a dominação espanhola. Seria condenado à morte, sendo executado no final
e Setembro de 1603.
Este “D. Sebastião” era um
aventureiro calabrês cujo verdadeiro nome era Marcus Tullius Catizone. Ao que
se sabe, não tinha quaisquer semelhanças físicas com D. Sebastião e nem sequer
falava uma palavra da língua portuguesa. Frei Estêvão de Sampaio, como outros
portugueses que estiveram envolvidos nesta conspiração, não o podia ignorar.
Mas, para quem, como ele, lutava pela independência de Portugal, era preferível
ter como rei um impostor que garantisse a independência do país, a continuar governado
por rei espanhol, mesmo que legítimo. A situação impunha medidas drásticas,
porque, como escreveu numa carta, em Portugal
Não há lei nem rei, Don Christoval Moro reside no palácio com autoridade
Vice-rei sem corte, sem mais fidalgos do que seus parente parentes, o trajo nos
homens é espanhol e nas mulheres de putas. A religião por terra, que o bula da cruzada
flagela cada ano a devoção das gentes, as bolsas e almas.
O vimaranense Frei Estêvão de Sampaio também acabou os seus dias em
Sanlucar de Barrameda. Preso e torturado, acabaria por confessar que a razon
que le movio a andar en este negocio fue rresucitar aquel Rey.
Identificado na sentença como Frei Estêvão Caveira
Sampaio, fidalgo e pregador da Ordem de S. Domingos, seria considerado culpado
por traição, querendo introduzir em
Portugal a Marco Tullio, Calabrês, natural da vila de Taverna e aparecido em Veneza,
como se fora o rei D. Sebastião, sendo condenado à morte por enforcamento
seguido de esquartejamento. A sentença seria executada em Sanlucar de Barrameda.
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