Efeméride: De Guimarães para a guerra

A Praça de Melgaço

10 de Agosto de 1656
Ordem de D. Álvaro de Abranches, governador das armas da província, datada do Porto, ao capitão-mor Gregório Fernandes de Eça, governador da milícia da ordenança, ordenando-lhe que aliste na sua comarca de Guimarães 400 soldados pagos, e recomendando a todas as justiças lhe dêem auxílio para esta comissão, para fazerem parte da leva de 1000 infantes que El-rei mandou alistar.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 134 v.)

Restaurada a independência de Portugal, no primeiro dia de Dezembro, a paz demorou quase três décadas a chegar. A Guerra da Restauração irá prolongar-se até ao Tratado de Lisboa de 1668, em que Carlos II de Espanha reconheceu a independência de Portugal. Nos primeiros anos que se seguiram à Restauração, correspondente ao reinado de João IV, a guerra não foi particularmente intensa, porque a Espanha estava envolvida na Guerra dos 30 Anos e na resposta à revolta da Catalunha. O conflito terminará no reinado de Afonso VI (aliás, já durante a regência do seu irmão, o futuro rei Pedro II). Ao longo de quase três décadas, o esforço de guerra foi suportado pela população do país. Guimarães foi chamada a contribuir, em homens, em dinheiro, em cavalos, em provisões para o exército, em serviços de transporte.
Logo em meados de Janeiro de 1641, o rei mandou o seu representante na Comarca de Guimarães, o corregedor, providenciar para que fossem enviados todos os soldados solteiros e desobrigados que haja no seu distrito, a irem com seus capitães armados: duas partes com armas de fogo e uma terceira parte com armas de piques e outras armas, para participarem na defesa da fronteira do Minho e de Trás-os-Montes, por onde o inimigo ameaçava entrar. No mês seguinte, organizaram-se duas companhias da ordenança de Guimarães para irem guardar a defesa de Melgaço. Ao mesmo tempo, procedia-se ao alistamento para o batalhão dos privilegiados das Tábuas Vermelhas, tendo com capitão eleito o chantre Roque Ferreira Pereira.
Os dois regimentos das ordenanças de Guimarães acorreram rapidamente à defesa da fronteira de Melgaço. Segundo um relato que o capitão-mor ao rei
(…) ali naquelas partes gastaram todo o mês de Fevereiro à sua conta, e os soldados se sustentavam de suas fazendas, porque se lhes não seu socorro. Pelo fim deste próprio mês de Fevereiro se deu rebate em esta vila de Guimarães de mandado do general, acudissem a Melgaço com grande brevidade porque ardiam os fachos até aquela fronteira; a vila se aparelhou e foi toda a gente marchando sem ficar homem, nem pessoas que pudesse tomar armas, e a companhia dos privilegiados, e com eles algumas dignidades e cónegos marchando até à cidade de Braga onde houve recado do general que não passassem avante porque era falso o sinal; era capitão-mor Manuel Machado de Miranda; de sorte senhor que se faltou a ocasião, não faltou o valor aos moradores desta vila, com que se arrojavam a tudo o que acontecesse.

Em Agosto, segundo o relato do capitão-mor da Vila (à altura, Fr. Pedro Vaz Cirne de Sousa), recebeu ordens para se dirigir para o castelo do Lindoso, onde lhes deram a missão de, juntamente com os da Barca, entrassem na Galiza. Assim se fez. O capitão-mor reportaria ao rei esta missão:

Em cumprimento das ordens, fomos marchando até avistar o inimigo, que estava entrincheirado na eminência de um monte, com paredes altas terriplenas, e pelo alto delas descobrimos até 200 homens com mosquetes, arcabuzes e outras armas, e pelo baixo do vale, vimos que passava o rio Lima, número de 400 em demanda dos outros para esforçar seu partido.Com esta vista e fortaleza do lugar entrincheirado com 200 homens armados, favorecidos de 400 que os vinham ajudar, se pôs em conselho o que havíamos de fazer em caso tão arriscado. Os mais votaram ser temeridade o acometimento por desigual, no sítio e conhecida vantagem do inimigo, pois eramos 70 homens somente; contudo sem atender as conveniências e razões propostas, se levantaram até 15 homens dos nobres desta vila, dizendo que não era crédito seu deixarem de pelejar por mais perigos que se representassem, dizendo isto remetem como leões os peitos descobertos, dizendo “atirai inimigos, que lá vos imos buscar”, começando a dar a primeira carga foram seguidos de todos os companheiros que subindo pela eminência acima, puseram em tal estado e tanto terror ao inimigo que, desamparando as trincheiras, se puseram todos em fugida, havendo que não estavam seguros nos não perdiam de vista. Fomos seguindo o alcance do inimigo, sem outra mais gente que a de Guimarães, até o primeiro lugar aonde se fez forte nele o tornamos a cometer e entramos com facilidade, saqueamos o lugar, e outros cinco por dentro de Galiza que achamos desamparados de homens. A mulheres, velhos e meninos não se fez mal, nem pusemos fogo, por ainda não ser posto por outra pare, nem havia ordem general para isso. Fez esta vitória mais gloriosa ser o inimigo certo de nossa entrada por um traidor que fugiu de Lindoso, homem baixo que havia vindo de Catalunha soldado, e por isso chamado Catalão, que se foi para Galiza dar aviso com que estavam aparelhados e armados os inimigos, e sem embargo de tudo deram as costas, atemorizados da temerária resolução dos moradores desta vila.
E conclui Cirne:
Esta foi a primeira entrada que se fez em Galiza por estas partes, e depois dela à imitação dos homens de Guimarães se fizeram outras que eles contam, sem fazer menção do principal e primeiro exemplo que nestas matérias tem muita força.

Longos foram os anos da guerra, em que permanentemente era exigida à população a sua comparticipação. Assim aconteceu, por exemplo, no último dia de Julho de 1856, em que o governador de armas da província mandou que o capitão-mor de Guimarães (agora, Gregório Gregório Fernandes de Eça) tivesse providas de oficiais as companhias de ordenanças e as auxiliares desta comarca para estarem prestes a acudir onde for necessário; e bem assim que, para o mesmo fim, faça o alistamento de toda a carruagem e cavalgaduras que se costuma alugar. Dias depois, era recebida em Guimarães uma ordem do superintendente da fábrica dos galeões de S. Majestade que se fabricam na Ribeira do Ouro, para que se prestasse auxílio ao comissário das madeiras para os ditos galeões a fim de as conduzir para a Ribeira do Ouro. Logo a seguir, a 10 de Agosto, foi emitida nova ordem do governador de armas, mandando que o capitão-mor alistasse na sua comarca de Guimarães 400 soldados pagos, e recomendando a todas as justiças lhe dêem auxílio para esta comissão, para fazerem parte da leva de 1000 infantes que El-rei mandou alistar.
Nos tempos que se seguiriam, suceder-se-iam as exigências de contribuições de Guimarães para a guerra. De todas as bestas de carga que houvesse nesta vila e termo (23 de Maio de 1857); de soldados (15 de Junho); milho, centeio e copas de palha (15 de Agosto); dinheiro para as despesas de guerra (12 de Dezembro); mais dinheiro (23 de Abril de 1658), e assim sucessivamente.
Em Setembro de 1658, o exército inimigo estava na província do Minho. Os privilegiados das Tábuas Vermelhas preparam-se para acudir à defesa do território. A 7 de Outubro, o conde de Castelo Melhor ordena que o capitão-mor de Guimarães seguisse para a fronteira com toda a gente em armas (exceptuando os privilegiados). No dia seguinte, escreveria ao Cabido de Guimarães, solicitando-lhe que ordenasse aos seus caseiros privilegiados que não pudessem ir voluntariamente em defesa da Pátria, visto o inimigo já se achar sobre Monção, emprestassem as suas armas, por haver grande falta delas.
Em 1659, organiza-se um terço (regimento) de Guimarães. A Câmara oferece 500 homens para a defesa do reino. Em Julho de 1661, o governador da comarca de Guimarães, Gregório Ferreira de Eça, recebe ordens para tivesse de prevenção dois mil homens das ordenanças para se meterem nas praças em caso que ele não possa valer-se das guarnições que tem nelas. No dia 29 de Maio de 1662, o Conde de Prado, governador de armas da Província, escreve ao Prior da Colegiada uma carta curiosa, onde diz:
Amigo e senhor meu, não há prazo que não chegue eis senão quando que estes flanduros ? e galegos nos querem inquietar e pôr na campanha é meia vitória estou-me indo como um passarinho e espero em Deus dar-lhe a V. S.ª muito boas novas da campanha. Seja V. S.ª servido por me fazer mercê mandar logo juntar os 300 privilegiados fazendo-me V S.ª a mesma de me dizer que dia poderão marchar para eu avisar aonde hão-de fazer e espero que quanto antes, que é termo agora da corte, mande V S.ª pôr em acção esta gente e a mim me mande V. S.ª em muitas coisas de seu serviço.
Várias vezes insistiria o conde de Prado para que o Cabido lhe enviasse 300 homens privilegiados das tábuas vermelhas. Que não seguiam por não se lhes quebrarem os seus privilégios.
No dia 30 de Junho, o governador de armas exige que sejam mandados para Melgaço a força de privilegiados, conforme já ordenara repetidamente, ameaçando que, do contrário puxaria por todos, sem excepção de pessoas nem de privilégio, visto a grande necessidade que tinha de gente porque o inimigo estava perto.
No ano seguinte, seria o Conde de S. João a pedir reforços, à Câmara e à Colegiada, porque o inimigo saía com muita pressa e numeroso exército e por tal motivo precisava valer-se de tudo que havia na província mas ainda do socorro das outras.

A vitória tardava, mas anunciava-se. No dia 6 de Julho de 1665, saiu à rua uma procissão em acção de graças pela vitória do exército português em Montes Claros.

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