Outra vez?

Estátua de Afonso Henriques, versão viseense
(foto do Jornal de Notícias)

É oficial. Está de volta a silly season.
Num cantinho do Jornal de Notícias de hoje, saiu uma pequena nota com o título: “Estátua para agarrar Afonso Henriques. Onde se dá conta de “mais uma iniciativa na sequência da tese de Almeida Fernandes, subscrita por outros historiadores, que defende que o rei-fundador nasceu em Viseu”. Vão-lhe fazer uma estátua., a propósito da qual o medievalista emérito Fernando Ruas decretou, segundo a mesma nota, “até que surja uma tese contraditória, o rei nasceu em Viseu”, e lá concede, com benevolência, “que D. Afonso Henriques possa ter fundado o berço da nacionalidade em Guimarães”.
A bem do rigor, importa fazer uns pequenos ajustamentos ao texto da notícia. Em primeiro lugar, “na sequência da tese, subscrita por Almeida Fernandes”, de que se fala, nada aconteceu. Pelo menos em Viseu, nada aconteceu. Ou ficaram na ignorância ou não lhe atribuíram qualquer significado. Foi há 20 (vinte) anos e Fernando Ruas já era Presidente da Câmara de Viseu.
Em Viseu as campainhas só soaram muito mais tarde, depois de ter sido publicada a biografia de Afonso Henriques escrita por José Mattoso. Ou seja, só um medievalista com a dimensão e o prestígio escreve umas linhas que pareciam validar a tese viseense:
A demonstração feita por Almeida Fernandes alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável. É de facto admissível, com base nos documentos por ele invocados, que D. Afonso Henriques tivesse nascido em Viseu por meados do mês de Agosto de 1109.
José Mattoso D. Afonso Henriques, Círculo de Leitores, 2006.
Quando tomaram conhecimento desta afirmação de José Mattoso, os de Viseu agarraram-se-lhe às canelas e não mais a largaram. Afonso Henriques é nosso, diziam por lá. E no entanto, quando José Mattoso explicou em que condições escrevera o que escreveu, sem ter feito uma investigação pessoal, vindo a concluir depois que não era tão segura como pensava, Fernando Ruas e os especialistas instantâneos que com ele faziam coro, ficaram mudos. Eis o que disse Mattoso, em entrevista ao Diário de Notícias (3 de Abril de 2010):
Quando investigou Afonso Henriques, criou a dúvida sobre se o seu nascimento acontecera mesmo em Guimarães ou Viseu.
Não fiz uma investigação pessoal, antes aceitei a tese do historiador Almeida Fernandes e limitei-me a dizer que seria a tese mais segura. No entanto, acabei por concluir que não era tão segura como pensava e considero que é necessário voltar a examinar a questão se ela nos interessar mesmo. Dei essa opinião na biografia sobre Afonso Henriques sem pensar que iria constituir uma base para uma polémica e quando realizaram o congresso invocaram a minha opinião. Parece-me, no entanto, que esta polémica sobre a terra onde o rei nasceu é excessiva, porque questiono qual é a importância exacta sobre se a terra natal do nascimento do rei é Guimarães ou Viseu?
Estas declarações mataram o único argumento que parecia dar razão aos que defendiam o nascimento de Afonso Henriques em Viseu: a validação de José Mattoso. Daí que fosse entendido como natural o esmorecimento da reivindicação pacóvia do presidente da Câmara de Viseu. Mas, quando seria mais avisado manter o silêncio, assobiar para o lado e fingir que nada tinha acontecido, ei-lo de novo ao ataque. Vão fazer uma estátua a Afonso Henriques. E não o deixam por menos: terá 5,50 metros de altura por 1,50 metros de largura, não terá rosto, vai ser colocada na estrada Viseu-Nelas. Para se concretizar, vai ser preciso arranjar 20.000 euros para pagar ao autor da obra, o escultor Augusto Tomás.
A notícia do JN é acompanhada por uma fotografia da estátua em ponto pequeno. A sua linha estética é próxima da daqueles bonecos feitos com porcas e parafusos que se encontram nas lojas de souvenirs do Algarve. Também já tenho visto algo na mesma linha a ser vendido, em tamanho mais maneirinho, como fato para garrafas de vinho.

A mim parece-me tudo muito bem. Apenas acho o preço um tanto exagerado. Estou convencido que o Gaspar Carreira fazia um Afonso Henriques mais em conta e, seguramente, muito mais afonsino.

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