Suplemento ao n.º 3 do Justiça de Guimarães (clicar para ampliar) |
27 de Julho de 1872
Às 4 horas da tarde parte
embora o dr. Francisco Henriques de Sousa Seco, ex-juiz de direito desta
comarca, e quando com o seu pequeno acompanhamento, empregados e pouco mais,
desfilava a S. Lázaro, estalou pelos ares uma inferneira de foguetes, e na
mesma ocasião repiques de sinos em quase todas as torres, tendo os seu
perseguidos, disfarçadamente, pedido licença para com foguetes festejar uma
notícia vinda do Brasil. O chantre presidente, de manhã, ordenou ao padre
sacristão-mor que prevenisse os seus empregados proibindo-lhes o toque de sino
extraordinário esta tarde na torre da Colegiada, sobre qualquer pretexto que
lho encomendassem, razão porque nesta torre não houve repique.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito
da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 75 v)
No dia 26 de Outubro de
1868, tomou posse como Juiz de Direito da Comarca de Guimarães Francisco Henriques
de Sousa Seco, que até aí exercera as mesmas funções na Comarca de Amarante. A
sua passagem por Guimarães ficaria marcada por polémicas e conflitos os
advogados do foro vimaranense, que atingiriam o seu ponto mais alto em 1872,
quando Guimarães foi abalada pela “questão do Seco”.
or aquela altura, um
juiz prepotente, Seco de seu nome, lançava a anarquia na comarca de Guimarães com o seu absolutismo (expressão
de Domingos Leite Castro), chegando a pontos de suspender da advocacia o dr.
Avelino da Silva Guimarães, que então exercia as funções de Presidente da
Câmara, por este ter ousado questionar o procedimento do magistrado quanto às
suas atribuições na administração das crianças expostas. Algum tempo antes, o
dr Bento Cardoso, um dos mais prestigiados advogados portugueses do seu tempo,
mas então já minado pelos efeitos da doença e da velhice, tinha sido levado a
abandonar o tribunal de Guimarães. Foi chegada a hora de também José Sampaio
entrar em rota colisão com o famigerado juiz. Em defesa dos direitos de um
cliente, que o juiz Seco teimava em atropelar, viu-se forçado a recorrer a
Famalicão para encontrar um tabelião que não tivesse medo de lavrar o seu
protesto contra a actuação do iníquo magistrado. Em seguida, anunciou que
também ele abandonava o tribunal de Guimarães, que o juiz assim ia despovoando, como escreveria, anos mais tarde, José
Sampaio.
Estava disposto a lutar. O amor da justiça, uma das
feições mais salientes do seu carácter, tinha sido locado pela tirania da
autoridade: não era preciso mais para o transformar num lutador.
Dos tribunais, a questão
do Seco havia passado para a imprensa; da imprensa transbordou para as ruas. O
anúncio da anulação da suspensão de Avelino da Silva Guimarães foi sublinhado
ruidosamente com o rebentamento de engenhos explosivos nas imediações da
residência do Seco e com o passeio triunfal de uma filarmónica pelas ruas da
cidade; um partidário do famigerado juiz, que o defendia, como nos dá conta
Domingos Leite Castro, a tanto por linha
num jornal lisbonense, veio também a Guimarães, provocando os adversários,
procurar duas bofetadas. Levou-as.
No dia 27 de Julho, a
questão do Seco terminava. O juiz foi obrigado a retirar-se de Guimarães. Às quatro
horas da tarde daquele sábado retirava-se. A sua saída da cidade foi saudada
festivamente pelo estralejar dos foguetes.
A história da saída do
Juiz Seco e do foguetório com que a cidade o saudou assim que o começava a ver pelas
costas, está contada num suplemento que o jornal Religião e Pátria distribuiu no dia 2 de Agosto:
A notícia de que
a oposição queria, num bota-fora esplêndido, mostrar a sua gratidão ao magistrado,
que tão intimamente se lhe unira; provocou uma represália, que não sabemos
louvar, nem censurar, porque o juiz, a oposição e tudo quanto se passa nesta
terra, de há tempos para cá, é tão excêntrico e esquipático, que não pode ser
apreciado pelo critério vulgar.
O que se sabe
agora é que, enquanto os apaniguados do snr. Seco fretaram carros e carroças e
o snr. Contador andava a tombos por uma cartola branca e um casaco branco com
que Encaderna-se o faetonte do seu veículo, os perseguidos ao juiz pediam com o
maior disfarce licença para festejar com foguetes uma notícia, vinda do Brasil,
e que, quando s. exa. e a sua comitiva desfilaram a S. Lázaro, estrondeou por esses
ares a maior inferneira de foguetaria, de que há notícia, há muitos anos.
Estamos deveras
convencidos que sem a patetada da oposição s. exa. fazia pacificamente a sua
jornada.
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