9 de Julho de 1626
O cónego Gaspar Estaço de Brito, morador na Rua de Santa Maria, disse, na
nota de Manuel Fernandes, “que ele compusera um livro intitulado Várias Antiguidades de Portugal de que o
parecer de homens doutos resultou serviço e honra deste reino, o qual se acabou
de imprimir pelo Natal passado, findo ano de 1625, que haverá pouco mais ou
menos 7 meses, o qual livro se vende por ordem do reverendo padre frei Manuel
Estaço, da Ordem de Santo Agostinho, seu irmão, em Lisboa, Coimbra e no Porto e
noutras partes deste reino e ora veio à sua notícia dele constituinte que na
cidade de Évora por algum livreiro ou livreiros se vende o dito livro por outra
via em preço secretamente ou trazido de fora, do que ele constituinte não é
sabedor, que é em grande detrimento seu pela muita despesa que fez na
impressão, pelo que lhe convém impedi-lo ou demandá-lo e como mais for justiça”
para o que fazia seu procurador o dito seu irmão frei Manuel Estaço, não só em
Lisboa onde era morador, mas também em todo o reino. Foram testemunhas desta
procuração, escrita pelo dito Manuel Fernandes, Jerónimo de Espinhosa e Pascoal
Francisco, familiares dele Gaspar Estaço, que assinou só estes dois nome e
sobrenome, pelo que, estando no princípio desta procuração o nome e dois
sobrenomes, aí foi riscado o segundo sobrenome de Brito.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 25)
Domingos Leite de Castro, num texto que publicou em 1885, no segundo volume da Revista de Guimarães, deu a Gaspar Estaço de Brito o título de “patriarca dos historiadores de Guimarães”, por ter mergulhado no arquivo da Colegiada, onde descobriu o Livro de Mumadona e por ter fixado “definitivamente o que a respeito das origens e da história de Guimarães nos primeiros séculos se tem repetido de essencial”.
O cónego Gaspar
Estaço ocupava “algumas horas boas” na leitura de livros antigos, os seus
“amigos mortos”, como no prólogo das “Várias Antiguidades de Portugal”:
Como a erudição seja
ornamento nas coisas prósperas e, nas adversas, refúgio, e ela se adquira por
meio de livros antigos, como diz Plutarco, e se colige de São Jerónimo na epístola
a Florêncio, determinei dar-me à lição dos tais livros por empregar bem algumas
horas boas. E acontecia muitas vezes, que além daquelas, que lhes eu dava,
me roubavam eles outras sem o sentir, porque não há amigos vivos, que com tanta
razão se possam chamar ladrões do tempo, e ainda das vontades, como estes
mortos.
Além de mergulhar na leitura dos livros, para acrescentar a sua erudição,
Gaspar Estaço dedicou-se à investigação de velhos documentos, tendo escrito uma
obra que, mais do que às antiguidades de Portugal, trata da história de
Guimarães.
Justificando a importância que Guimarães assume na sua obra, Estaço
escreve que as coisas antigas têm certa superioridade e reputação, com que se fazem estimar em mais que as modernas, e que essas qualidades “são dádivas
do tempo e da poderosa antiguidade”.
Assim o entende Quintiliano, porque tratando da nobreza das Cidades,
diz, que a antiguidade lhes dá autoridade. Por este respeito (se me não engano)
chama o Poeta Latino antigas a Cartago e a Tróia, em que mostra sentir o mesmo.
E a Sagrada Escritura no Livro dos Números fazendo menção da Cidade Hebron, notou
a prerrogativa de sua antiguidade, dizendo que foi primeiro edificada, que
Tanis do Egipto, sete anos. Pelo que não me espantarei, que queira de mim a
nobre Vila de Guimarães, em que ora me acho, e com a pena na mão, que escreva
da sua, o que tiver achado, e eu lhe confesso obrigação para o fazer. Mas como ela
fosse antigamente assento da Corte do Conde Dom Henrique e o mais honrado lugar
de seu Estado naquele tempo, e hoje a principal Vila de Entre-Douro-e-Minho, e uma
das notáveis do Reino. Estas preeminências com a Igreja Colegiada Real, que tem
tão insigne, lhe dão tanto lustre de presente, que pouco tem que desejar do
antigo, quando dele tiver pouco. Mas o que eu descobri de sua origem e progresso,
não deixarei de o dizer para sua e minha satisfação, e também por ser do
argumento que tenho entre mãos.
Gaspar Estaço, Várias Antiguidades de Portugal. Ed.por Pedro Crasbeeck Impressor delRey,
Lisboa, 1625, pp. 1-2
O livro Várias Antiguidades de Portugal foi editado pelo Natal de 1625,
um ano antes da morte de Gaspar Estaço. Em Julho de 1626, percebendo que os seus
direitos de autor e de propriedade intelectual estariam a ser violados por
livreiro de Évora, dá início a um processo contra os infractores.
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