Quando descrevia o
Castelo, no seu Guimarães – Apontamentos para a sua história, António Ferreira
Caldas, a dado passo, registou: à entrada
da torre de menagem lê-se hoje a seguinte - L. Vermell 1868 - nome dum viajante
espanhol, que assim quis legar aos vindouros a memória da sua visita ao castelo
de Guimarães. Anos mais tarde, Albano Belino referir-se-ia à mesma
inscrição, na sua Arqueologia Cristã: Na ombreira
direita da porta dessa torre gravou-se em 1868 um nome que, por estranho ao monumento,
devia ser apagado. É o nome de Luis Vermell, pintor-escultor espanhol que residiu
em Braga até ao ano de 1870. No mesmo livro, ao descrever um oratório
existente na rua de Nossa Senhora do Leite,
em Braga, Belino escreve que foi habilmente
pintado em Dezembro de 1870 pelo pintor-escultor espanhol Luís Vermell, que viveu
durante algum tempo em Braga. A pintura está assinada: Original de Luiz Vermell (o peregrino Español).
Luís Vermell y Busquets foi pintor,
escultor e miniaturista de retratos. Era espanhol e viveu entre 1814 e 1881. Viveu em
Portugal na segunda metade de novecentos, tendo exercido as funções de pintor
escultor da casa do rei D. Fernando, consorte de D. Maria II. Sabemos que se
dedicou também aos estudos históricos e arqueológicos, tendo viajado por
Portugal, registando as suas observações num livro de viagens do qual, tanto
quanto sabemos, apenas se publicaram alguns trechos. Nas advertências com que abria a publicação de um excerto do sexto tomo
das suas viagens inéditas, dedicado às
Caldas da Rainha, retrata-se enquanto historiador:
Fique-se a certeza que nunca escrevi uma só linha por sugestões de
ninguém e que tudo tem sido livre e independente. Sempre fui, sou e serei apologista
do que me pareça bom ainda que fosse de meus inimigos. Nunca serei adulador;
indulgente muitas vezes, alguma justiceiro: eis aqui alguma coisa do que se
exige ao historiador.
D. Luis Vermell y Busquets (o peregrino espanhol) Origem do Hospital Real
e da Vila das Caldas da Rainha, Lisboa, Typographia Universal de Thomaz
Quintino Antunes, 1878, p. 5
Acerca do período em que terá vivido em Braga, apenas conhecemos o que
escreveu Albano Belino. Que esteve no Castelo de Guimarães em 1868, demonstra-o
a assinatura que deixou na torre de
menagem. Visitou por duas vezes, pelo menos, a Citânia de Briteiros, que
descreveu no seu livro de viagens, e desenhou a Pedra Formosa. Em 22 de Março
de 1870, o jornal Fraternidade publicou um Breve
estudo para esclarecer um ponto da história de Portugal, retirado do quarto
volume das suas viagens inéditas. Trata-se
de um documento interessante, escrito antes de Francisco Martins Sarmento se
ter dedicado ao estudo sistemático daquela estação arqueológica. Aqui fica,
traduzido (foi publicado em castelhano).
Breve estudo arqueológico para esclarecer um ponto na história de
Portugal, estudo que o autor extrai do quarto volume de suas viagens inéditas e
dedica, humildemente, à ilustre Sociedade Arqueológica de Lisboa.
Visto o notável desta povoação
(Caldas das Taipas) tomo um rapaz por guia e encaminho-me para Santo Estêvão de
Briteiros (uma légua distante), onde chego ao pôr-do-sol. Hospeda-me em sua
casa o meu conhecido da outra vez, o jovem P. Manuel Duarte de Macedo,
eloquente orador; desfruto novamente com a sua conversa e grande inteligência,
também no idioma grego.
Dia 20, concluo o desenho da
grande pedra, que comecei aquando da minha primeira visita: é raríssima pela
sua forma e ornamentos, e, como eu disse, foi trazida da vizinha serra da
Citânia.
Dia 21: Pela manhã, dirijo-me à
dita montanha, onde chego em três quartos de hora, e observo-a melhor do que da
primeira vez.
Um historiador que eu li diz que
estas ruínas são de cidade, e que S. Tiago pregou nela e lhe deixou S. Torcato
como Bispo. Eu acho que nunca foram de povoação, pois que nem rasto de telhas planas, nem semicirculares ou fragmentos arquitectónicos se vêem; o que vejo é uma ampla
calçada, pela qual subi, e, de cada lado do ponto onde agora termina, a base
circular raquítica de duas torres, do mesmo tamanho de mais de 18 que eu
descobri, ainda entre muita pedraria lavrada, apesar de a levarem. Algumas
estão juntas aos pares e são construídas de pedras irregulares ligadas com
terra. Não obstante, de uma ainda existe a parte inferior da sua porta voltada
para o Este. O diâmetro desta torre é de 4 metros e 55 centímetros e, como eu
disse, parecem todas iguais. Duas ainda se vêem encerradas em restos de paredes
quadradas, cujas faces ficam a apenas um metro de distância da torre. Numa
percebe-se uma abertura subterrânea, que suponho ser um caminho estratégico que
sairá noutro ponto à mesma altura, mas o vulgo, não podendo internar-se mais do
que alguns metros no que lhe parece uma mina, devido à sua obstrução, diz, como
de costume, que esconde tesouros de mouros, mas ainda mais se entretém a
avaliar a sua extensão, imaginando como os habitantes desta cidade árida e alta
iam buscar água ou levar os cavalos a beber a nada menos do que a meia légua de
distância, vendo-se um arroio caudaloso que corre a Noroeste, à mesma altitude
e mais perto. Além do mais, esta montanha é granítica, circunstância que torna
ainda mais inverosímil tão gigantesco trabalho.
Dos muitos troços de muralhas em
direcções irregulares que circundam o alto, do seu lado Oeste, o melhor
conservado tem 2 metros e 12 centímetros de espessura; a sua altura é, agora,
reduzida. Destas muralhas, umas são feitas de pedras enormes, outros com pedra
pequena e terra, mas já derrubadas. A julgar, pois, por tais amostras de
fortificações e pelas torres, parece que este cume foi um acampamento romano,
por estas serem do mesmo estilo das construções que examinei no Monte de Santa
Tecla, na foz do Minho.
– Aqui, na plataforma do monte,
há uma capela dedicada à S. Romão, e, por ontem não se achar a sua chave, eu
não pude ver uma perna antiga de pedra encontrada nestas ruínas.
Aqui também estava a grande e
rara pedra que copiei, e deitada como a têm, tal como a encontraram. Eis aqui o
único monumento, ainda que tosco, respeitado pelo tempo e pelos homens, que dá
crédito a ter existido nestas alturas, remotamente, um templo pagão. Digo
pagão, porque a forma da pedra, as cordas que nela se vêem e a sua disposição
extravagante, pois sugerem cabeça, braços e pernas, dividem seis espaços
rebaixados, cheios de gregas e meandros, os buracos na parte inferior que se
dirigem ao semicírculo calado, a sugestão de ser afeiçoada para um homem operar
sobre esta obra, que parece uma riquíssima mesa, tudo tem vislumbre de altar
para sacrifício. Metade do seu ornato é de melhor qualidade, e dir-se-ia que o
todo foi trabalho de dois artistas.
Estranho muito que aquele
monumento da antiguidade, tão conservado, rico e, talvez, único em Portugal,
seja tão desconhecido e não tenha sido transportado para o Porto ou para
Lisboa, ou que, pelo menos, dele se tenha tirado uma fotografia digna, porque
me consta que não foi feita, apesar de se conhecer há tantos anos esse
procedimento útil e exacto, e sendo agora tão fácil viajar!
O total da pedra, tão merecedora
de figurar num museu, é de 2 metros e 91 centímetros de largura, por 2 metros e
32 centímetros de altura, e apenas dois palmos de espessura, em partes menos.
Foi conduzida por 24 juntas de bois, na primeira metade do século passado, e
até se conta que a um dos animais cornudos, úteis e, aparentemente, mansos, lhe
custou o perder o rabo entre estas rochas.
É digno de memória um chantre da
Sé de Braga, de que não me souberam dizer o nome, por ter promovido a
trasladação e o salvamento deste tesouro arqueológico, que por esta altura já
teria desaparecido, como desaparecem as torres, sem que sejam tão atraentes, às
mãos de pastores rústicos ou de romeiros de instinto destruidor, pois bastariam
24 horas de romaria por ano para profanar esta solidão sem vegetação, mas com
abundância de lagartos e outros répteis, que estes agora são os vis moradores
do acampamento muito fortificado e parcialmente visível, e da sonhada cidade de
Citânia, que vários historiadores antigos também a negam.
Luis Vermell
(El Peregrino Español)
Fraternidade, n.º 15, Guimarães, 22
de Março de 1870
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