S. Nicolau |
Em 1936 repetiram-se o autor (Delfim de Guimarães)
e o pregoeiro (Hélder Rocha, agora estudante do 6.º ano do Liceu). É dedicado a
Jerónimo Sampaio. Sobre o Bando deste ano, escreveu-se-se no Comércio de
Guimarães, em forma de queixa:
O pregão, da autoria do estimado poeta
vimaranense o snr. Delfim de Guimarães, dizem-nos que agradou.
Não o ouvimos nem lemos. Para com a imprensa
há por vezes esquecimentos arreliadores...
(A falta seria reparada por Delfim de Guimarães,
que ofereceu um exemplar do pregão à redacção do jornal.)
A principal novidade do pregão deste ano é a de nele aparecer a primeira referência ao Vitória Sport Club:
Alberto Augusto, um Xi! Ricoca, um grande abraço!
A ti, ó Zé Maria, um perfumado cravo!
Ao Zeferino a mão, em amistoso laço!
Um beijo ao pequerrucho e azougado Bravo!
Ao “Onze” do Vitória, alfim, nosso querer!
Hurrah! Por Guimarães! Vencer! Vencer! Vencer!
Por aqueles dias, estava a terminar o
Campeonato Distrital de Futebol. O jogo seguinte seria com o Sporting Braga e
era decisivo para a entrega do título. O resultado seria um empate, que foi
celebrado em Guimarães como uma grande vitória. No dia 20 de Dezembro, o
Vitória recebeu o Comercial de Braga. Bastava-lhe um empate para se tornar
campeão distrital. Ganhou por 9-0. Por aqueles dias, houve festa das grandes em
Guimarães.
O Pregão
de
São NICOLAU
Recitado em 5 de Dezembro de 1936
pelo sextanista
Hélder Raul de Lemos Rocha.
ao velho estudante aposentado
Jerónimo Sampaio,
à sua alma ardente e sempre moça
É O QUE POSSO OFERTAR DE TODA ESTA POBREZA
— VERSOS DA MINHA LIRA, O POUCO QUE ME RESTA —
À ALMA DE LUAR, DE SONHO, DE BELEZA,
QUE SEMPRE ILUMINOU DE AMOR A NOSSA FESTA!
o autor
É a mocidade a rir! Deixai-a rir, senhores!
Que todo o riso aberto, e franco, e esfuziante,
É como num jardim o buliçar das flores
Onde o perfume é vida intensa e perturbante!
É a Mocidade a rir ao sol desta alegria
Vibrante de calor, de sonho e fantasia!
Deixai-a rir senhores! Cada risada sua
É uma rosa que se abre em pétalas doiradas!
Barco, no glauco mar, perdido, que flutua,
Asas, no azul do céu, bem alto, em revoadas!
A vida! A vida é assim! A gargalhada estala
E tudo ela nos diz, bem claro ela nos fala!
Há toda a vida sã no estralejar do riso:
A bondade, a elegância, a graça, a ironia!
Uma boca que ri, com vida, é um Paraíso
Que neste mundo se abre em halos de alegria!
Nós, os Velhos, já não sabemos
rir assim!
Não pode rir quem perto está nas mãos do fim!
Nós, os Velhos, talvez, chegados
a esta idade,
Em que o corpo se verga à paz do Campo Santo,
Ao ouvirmos que ri, mais louca, a mocidade,
Mais sentimos na alma o borbulhar do pranto!
Mas o chorar faz bem! Por vós, até consola!
À nossa mágoa, pois, é vosso riso esmola!
Deixai-a rir, senhores. É a mocidade, a louca,
Que traz sempre a pulsar o coração na boca!
A mocidade quer-se alegre e radiosa,
Quer-se sempre gentil, galante e aprumada!
Ora tangendo a lira em sonhos, amorosa,
Ora empunhando, altiva, a reluzente espada!
Que saiba conjugar o verbo amar a eito
E saiba entontecer uns olhos de mulher!
Que traga na batina, à altura de seu peito,
Branquinha como a neve a flor do bem-me-quer!
Que nos seus lábios tenha o beijo da bondade
E mostre em sua boca a ânsia do perdão!
Que dentro da alma guarde a luz da caridade
E Deus traga consigo unido ao coração!
Sempre, num grande sonho, ela irá ovante,
Mostrando ao mundo inteiro a raça portuguesar
Acenando a Minerva a Capa do Estudante,
Lançando à sua Dama a rosa da beleza!
É a mocidade a rir! Deixai-a rir, senhores,
Que todo o riso aberto, e franco, e esfuziante,
É como num jardim o buliçar das flores
Onde o perfume é vida intensa, perturbante!
*
* *
Entre o metro e a batina a diferença é tal,
— Nos casos de latim e chitas de balcão
Que o próprio chafariz antigo do Toural
Afogava a diferença em banhos de cachão...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ó velhinho Estatuto, a Academia inteira
Saúda com fervor teu vivo Centenário!
Rende-te o coração e guarda-te, altaneira,
Como quem guarda a Hóstia alvente dum Sacrário!
*
* *
Cada vez mais senil, mais velha de nobreza,
Vejo-te a caminhar com passos mal firmados,
Ó terra que és a Mãe da Terra Portuguesa,
Terra-Mater de Heróis, Barões-Assinalados!
Há tempos vi-te em frente a um lapidado espelho,
Talvez com tentações de ameninar-te ainda...
Mas quando te fitaste e viste o rosto velho
Perdeste a ilusão de transformar-te em linda...
Mas tu podes mostrar ao burgo encanecido
Poder para o transformar em burgo ajanotado...
Tapar-lhe o corpo nu nas dobras dum vestido
De pano bom, de lei, que seja bem talhado...
Podes dar à Cidade, à noite, luz bastante,
Que isto aqui não pareça a treva dum sertão.. .
Um largo a São Francisco esbelto e elegante
Sem catraios na pincha e jogos de pião...
Podes mandar erguer um Monumento aos Mortos
Da Grande Guerra em mármore, em atitudes bravas,
Para que findem de vez maquettes e abortos
E não seja a Memória apenas de... palavras!
Tu podes abrigar os Paços do Concelho
Do horror dos vendavais, dos repelões do vento…
Tornar realidade o sonho desse velho
Mestre da Arquitectura, Artista de talento!
Tu podes construir, e ser pertença tua,
Um teatro moderno, airoso na fachada!
Que é uma vergonha ter cinema pela rua,
Que é uma tristeza ter cinema na Parada...
Tu podes suplicar aos deuses da Estação
Do Caminho de Ferro a graça, a gentileza,
De fazerem do seu imundo casarão
Uma Estação que tenha o luxo da limpeza...
Podes na tua rua, a que nos mostra e diz,
Na calçada e solares, os séculos passados,
Limpar muito a rigor, queimar pela raiz,
A chaga que a corrói de vícios depravados.. .
Podes fazer, sei lá!, surpresas e assombros
Como outrora fizeste as Festas da Cidade!
Teu arcaboiço tem a força desses ombros
Que suportam o peso eterno da Vontade,
Uma boca que brada em tom soberbo, austero:
— Já não sou apatia! Hei-de subir! Eu quero!...
*
* *
Alberto Augusto, um Xi! Ricoca, um grande abraço!
A ti, ó Zé Maria, um perfumado cravo!
Ao Zeferino a mão, em amistoso laço!
Um beijo ao pequerrucho e azougado Bravo!
Ao “Onze” do Vitória, alfim, nosso querer!
Hurrah! Por Guimarães! Vencer! Vencer! Vencer!
*
* *
Parabéns, parabéns à nobre Autoridade,
Que alfim meteu a rua e o antro da taberna
Na ordem, pacatez, que até já a cidade
Nos mostra outra feição mais chic e mais moderna!
*
* *
Quisera erguer-te um hino, ó Penha majestosa,
De joelhos em terra e mãos postas em cruz,
Como aquela Oração fremente, harmoniosa,
Que à alma nos cantou a boca de Jesus!
Um hino que ecoasse em tuas vastas fraldas,
Teus picos de granito, em tua imensidade,
Ó monte da paixão do grande Bráulio Caldas,
Ó monte onde murmura a Fonte da Saudade!
Quisera erguer-te um hino, ó Penha minha amiga,
Penha farta de cor, de sol e de arvoredos!
Mas que pode dizer-te um verme, uma formiga
Que rasteja em teu dorso erecto de penedos!?
Ó Penha encantadora, as tuas vistas são,
Quando o céu é azul e nada tem de opaco:
— Ó suprema beleza e eterna perfeição! —
Mais belas que as de Sintra, irmãs das do Buçaco!
*
* *
Um só instante peço, agora, de atenção:
É o autor que vos fala, a todos, em geral!
Todo o homem que tem no peito um coração
Deve dar sua vida à Pátria, a Portugal!
Tudo por Portugal, que Portugal é nosso!
É nosso e muito nosso, e nem um palmo, apenas,
O queremos na garra adunca do destroço,
Nas bocas do terror sangrento das hienas!
Tudo por Portugal! Por Dom João primeiro
É de Dom Nuno a voz vibrante que se espalha:
— Queremos livre a Pátria! O Portugal inteiro
Nas pedras do Mosteiro altivas da Batalha! —
*
* *
Ó garotas da rua e lindas tecedeiras:
Na Avenida lá estão sirenes a apitar!...
Querem cantar convosco as doidas lançadeiras
E quer bailar convosco a teia do tear...
Correi... É trabalhar, cantar ao desafio,
Que a vida é mesmo assim... É de girar, girar…
Girar a dobadoira a abarrotar de fio,
Que a lançadeira canta, a teia quer dançar...
Ó garotas da rua e lindas tecedeiras;
Cantai, cantai bem alto ao som das lançadeiras,,.
*
* *
Em ninhos de cetins, veludos e cambraias
Costureiras gentis trabalham cuidadosas
Na leve confecção de travadinhas saias,
Vestidos de alto preço e capas vaporosas...
Em torno anda Cupido, a rir, com seta de aço
E pica aqui e ali as jovens, levemente...
Depois, de carmesim, faz um comprido laço
E prende-as uma a uma, a si, ardentemente,..
A mestra, de atalaia, ao lado, no salão,
Dá um suspiro longo e um ai de saudade...
E como a reprimir no peito o coração
Murmura para si: — Não volta a mocidade!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ó grisettes gentis, galantes costureiras
De olhos cheios de luz dum doce rosicler:
Cautela com Cupido, o deus das brincadeiras,
Que ele se espeta a seta, às vezes, faz doer...
*
* *
Saía a cavalgada! Ao alto as suas lanças
Erguiam as maçãs vermelhas como beijos!
Lacaios e donzéis, conforme eram usanças,
Soberbos no seu porte e mudos de gracejos,
Conduziam no braço as cestas rendilhadas
Onde pomos de amor, formosos, esperavam
Ser entregues em mãos de neve, perfumadas,
Em bocas de mulheres, ardentes, que beijavam...
Era a nobreza antiga a Elite de Estudantes,
Que a entrega ia fazer das frutas-pecadoras
E logo dos balcões, de adufas e mirantes
Se iluminava 0 céu dos olhos das Senhoras!
Com que graça e leveza, e rara fidalguia,
A's Damas era entregue o pomosinho de oiro!
Curvavam o seu busto em vénia e cortesia
Beijavam a maçã como 0 maior tesoiro!
Damas de Guimarães, Senhoras mais formosas
De todo o Portugal: Nós somos empenhados
— Como nossos Avós, em tempos que lá vão —
A dar-vos amanhã, em lanças fulgurosas,
O nosso coração de moços namorados
Em troca do amor do vosso coração!
*
* *
Às armas, batalhões de caixas e tambores!
Maçanetas no ar, com sanha, para a batalha!
Que o Estrondo Supremo acorde entre rumores
Do máximo alvoroto e rábida metralha!
Que estremeçam, no mundo, os vivos, com surpresa
E os mortos, com terror, nas suas frias tumbas!
Que trema, lés a lés, a terra portuguesa
o forte ribombar das peles dos zabumbas!
Delfim de
Guimarães
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