Efeméride do dia: A Ronda da Lapinha



Ronda da Lapinha (ano de 1899)

17 de Junho de 1928
Veio Nossa Senhora da Lapinha à cidade.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 273.)
A Senhora da Lapinha é a padroeira dos agriculturas na sua luta contra a bicha (lagarta) que ataca as culturas. É a figura central da Ronda da Lapinha, que sai da freguesia onde está a sua capela, em S. Lourenço de Calvos e se dirige, em procissão a pé, com parte dos romeiros descalços, até à igreja da sua irmã, a Senhora da Oliveira. A procissão demora cerca de três horas a percorrer o seu percurso. O andor da senhora, enfeitado de cachos de uvas e de pés de milho, entra na igreja da Colegiada cerca das quatro horas da tarde, devendo entrar às arrecuas, para que possa voltar a sair. O regresso faz-se por Covas, regressando a imagem à sua capela quando já é noite bem entrada.
Para além da Ronda anual, a imagem da Senhora da Lapinha descia até Guimarães noutras alturas, em procissões de penitência contra ao bicha, quando esta atacava os campos, contra o mal das vinhas ou a pedir chuva (como ainda acontecia na primeira metade do século XX.
No seu livro Guimarães e Santa Maria, o Abade de Tagilde descreveu o culto à Senhora da Lapinha:

Na freguesia de S. Lourenço de Calvos, na encosta superior à igreja paroquial, levanta-se em terreno da serra de Santa Catarina desde tempos remotos, que não podem precisar-se, uma capela sob a invocação da Senhora da Lapinha, cuja imagem é uma das mais milagrosas e queridas do concelho de Guimarães e terras circunvizinhas.
O livro mais antigo que podemos encontrar no arquivo da irmandade é o inventário feito em 1705, muito antes porém já esta capela existia e a Senhora era objecto de muita devoção.
Em 1663 já o célebre clamor, ou ronda, de que adiante falamos, ia a Guimarães, como nos informa uma deliberação do cabido da Colegiada. A própria lenda, que lhe anda ligada, demonstra a antiguidade do culto, que se lhe presta.
Senhora da Lapinha
Provém a denominação de ter sido encontrada a primeira imagem da Senhora em uma lapa, ou penedo, que servia, até à reconstrução da capela, que há poucos anos começou e ainda não está completa, de fundo à capela-mor; afirma-o a tradição popular, acrescentando o bom povo, na sua ingenuidade, que a Senhora manifestou miraculosamente decidida vontade de ser venerada no lugar onde apareceu, porquanto, levada para outro, desaparecia misteriosamente pela calada da noite e voltava ao primeiro; facto que, repetido por diversas vezes, produziu a erecção da capela em honra da Senhora da lapinha, irmã da Senhora da Oliveira, venerada na igreja da Colegiada de Guimarães, que anualmente lhe recebe a visita.
Deixando ao povo a sua lenda querida, sobre a qual jura como sobre os santos Evangelhos, e pondo de parte a investigação da origem da primeira capela da Lapinha, diremos que a actual imagem da Senhora, representada na gravura, foi feita no ano de 1765, como consta do livro de contas deste ano, mas esta substituição não diminuiu a vetusta e fervorosa devoção do povo.
À festa principal da titular celebra-se com toda a pompa na segunda-feira do Espírito Santa e neste dia se determina aquele em que a Senhora vai processionalmente a Guimarães, em regra no domingo imediato a 13 de Junho. Outrora era este dia o fixado, como se lê nos livros da paróquia.
Esta procissão, ou clamor, é uma das solenidades mais concorridas, mais singular e característica do concelho de Guimarães e terras vizinhas à Lapinha. Em satisfação de antigo voto, a Senhora carregada de adornos, cordões e jóias, ostenta-se donairosa no seu trono, levantado em vistoso andor, que com a refulgência de seus ornatos fere a vista e com a altura da sua cúpula parece caminhar arrogante para as nuvens, o qual é conduzido aos ombros de espadaúdos moços, que à porfia disputam a honra de sustentar os banzos da charola. Precedida de inúmeras cruzes e guiões, que das freguesias limítrofes e de outras mais distanciadas vêm formar-lhe cortejo, e seguida de enorme multidão de devotos, grande parte descalços, a Senhora da Lapinha, anunciada pelo barulho atroador de numerosos tambores, que abrem a marcha, faz anualmente a sua entrada em Guimarães e, após alguma demora na igreja de Nossa Senhora da Oliveira, regressa, por diverso caminho ao já percorrido, à sua capela, entoando o povo durante o percurso de 15 quilómetros, pelo menos, a ladainha dos Santos.
E desde este dia, afirma convicto o nosso povo, o bicho não mais bole no milhão.
É administradora desta capela uma irmandade, que data de antigos tempos e se governa por estatutos aprovados a 20 de Junho de 1880 pelo governador civil.


(J. G. de Oliveira Guimarães (Abade de Tagilde), Guimarães e Santa Maria, Porto, 1904, pp. 92-83)

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