9 de Junho de 1933: inauguração do monumento a Francisco Martins Sarmento |
11 de Junho de 1933
Comemoração do centenário do nascimento do dr. Francisco
Martins de Gouveia Morais Sarmento. Às 2 horas da tarde, cortejo cívico; às 3,
inauguração do monumento e descerramento do busto; às 5 horas, romagem a
Briteiros, ao túmulo; às 9 horas sessão solene.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 255)
Se fosse vivo, Francisco Martins Sarmento teria completado cem anos no dia 9 de Março de 1933. As festas do centenário foram promovidas pela Sociedade Martins Sarmento e tiveram o seu ponto mais alto no dia 11 de Junho de
1933.
Iniciaram-se com um cortejo cívico, que,
às 14 horas, partiu da rua de Paio Galvão,dirigindo-se, pelo Toural e pela rua
de S. Dâmaso em direcção à Casa onde nasceu Francisco Martins Sarmento (esquina
da rua José Sampaio com o Campo da Feira), para em seguida, indo pela Oliveira,
tomar o destino do em direcção do palacete de Francisco Martins Sarmento, no
largo que tem o seu nome, onde seria inaugurado o monumento concebido pelo
escultor António de Azevedo. Aquando da inauguração, um avião militar pilotado
pelo Capitão Amado da Cunha sobrevoou Guimarães e lançou um ramo de flores sobre o monumento, que se
juntou às que as crianças atiravam.
Em seguida, formou-se, junto à sede da Sociedade
Martins Sarmento, um cortejo automóvel que partiria em direcção a Briteiros,
para uma romagem ao túmulo do arqueólogo no cemitério local, onde foram
depostas coroas de flores.
À romagem ao cemitério seguiu-se uma visita
à Citânia.
As celebrações encerraram-se à noite, com
uma sessão solene no salão nobre da Sociedade Martins Sarmento, onde usaria da
palavra o presidente da Direcção da SMS, o Capitão Mário Cardoso, que além das
palavras protocolares, apresentaria os convidados da noite: Mendes Correia, da
Universidade do Porto, que iria proferir uma conferência sobre “Martins
Sarmento e a consciência nacional”, o poeta António Correia de Oliveira, que
recitaria poemas em honra de Sarmento, e o pianista e compositor Viana da Mota,
que executaria peças de sua autoria, além de obras de Chopin e de Lizt.
Na mesma noite, houve um festival nocturno
no Jardim Público e um concerto pela Banda dos Bombeiros Voluntários de
Guimarães.
Na cerimónia do cemitério de Briteiros, Eduardo de Almeida
pronunciou, junto ao túmulo onde estão os restos mortais de Francisco Martins
Sarmento, o seguinte discurso:
Careceria de piedosa justiça
este formoso e memorável dia da consagração espiritual de Sarmento — pois assim
julgo o objectivo da Festa do Centenário —, se não viéssemos aqui, em romagem
de comovida saudade, junto do túmulo, onde ele jaz, no descanso da eterna
noite, a par da sua desvelada companheira.
A urna, já enegrecida pelo
tempo, contém só um cadáver — o cadáver do homem, a máscara plástica do homem,
o que do homem é transitório: o seu espírito, como o seu génio de investigador,
venceu a morte, exceliu-se na imortalidade. Venceu a morte o seu génio de
investigador, trazendo ressurgido à vida da meditação científica o ciclo de epopeia
bárbara das civilizações pré-históricas, e animando de almas os castros
soterrados e ermos.
Depois, na descida das citânias,
ao tornejar os pobrezinhos casebres das aldeias, cujas pedras, tisnadas e
humildes, assemelham ruínas que desafiam as ruínas dos séculos efémeros; ao
ver, na lenta volta da faina, à hora suavemente inquieta do crepúsculo, o nosso
íncola, tão duro e forte no trabalho, tão amoroso e apegado à terra—-à sua
courelazinha pequenina e linda, na paisagem por seu labor modelada e colorida —
que passou sob os vendavais do tempo, as arremetidas do inimigo e o sismo das
convulsões sociais, sem se desenraizar; e ao encontrarem seus olhos, das
janelas da sua casa em Guimarães, o velho Castelo e as velhas muralhas,
inquiriu, delineou e ergueu a heróica ascendência, a tenaz continuidade, a rota
e o sonho do Lusíada.
Uniu a morte com a morte e
consorciou estas duas mortes com a vida: a vida dos rudes pelejadores das
cítânias, a vida dos esforçados guerreiros de S. Mamede e a vida obscura, resignada,
laboriosa do nosso camponês, do nosso homem — o próprio nome, o mesmo sangue, toda
a História e o Destino de Portugal.
Assim o seu espírito venceu
a morte.
Além de um claro e alto
espírito, Martins Sarmento, dotado de uma assombrosa cultura, profunda e
fecunda, com a fina sensibilidade dos temperamentos artísticos, foi, em época e
meio de estagnamento cataléptico, um português de lei, de honradez intransigente
e ingénua, um homem virtuoso e justo, com a virtude da ousada e latejante
defesa das causas e direitos do pensamento e com a justiça da sua afectiva
dedicação pelas classes trabalhadoras e desprotegidas. Se as suas elaborações
mentais, talvez apaixonadas, mas friamente conduzidas por métodos rigorosamente
científicos, remontavam e dilatavam os horizontes da Pátria, mostrando a
unidade e continuidade do nosso povo, a sua inteligência vivíssima e previdente
ansiava por que a esse povo se desse a sorte condigna.
Foi um amorável coração — e
o seu coração também venceu a morte. As academias celebram a obra do seu espírito
superior; a obra magnífica do seu coração — a essa a rememoram as criancinhas
nas casas da escola.
Peregrinos desta belíssima jornada,
trazemos-lhe à sepultura as dores da nossa saudade e as flores da nossa
gratidão — e eu não devo mais profanar com vãs palavras o nosso sentimento e o
recolhido silêncio da morte.
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