O Pregão da Saudade, de Delfim de Guimarães, dedicado a José de Pina. |
Em 1942, José Luís de Pina aposentou-se das suas funções de professor e de reitor do Liceu Martins Sarmento. No dia 6 de Dezembro, dia de S. Nicolau, foi homenageado na escola a que dedicara muitos anos da sua vida. No final do repasto, o velho nicolino Jerónimo Sampaio leu um "pregão da Saudade", escrito por Delfim de Guimarães em honra do homenageado, que já aqui publicamos.
Aqui fica a reportagem sobre a homenagem a José de Pina publicada pelo jornal O Comércio de Guimarães.
A homenagem prestada ao
PROF. JOSÉ DE PINA
12 horas do dia seis de Dezembro. Um
piquete reforçado dos Bombeiros V. faz a guarda de honra ao seu Comandante e ao
Prof. José de Pina, que no Liceu de Guimarães vai receber a consagração justa
dos seus méritos e virtudes pessoais.
O homenageado, pálido e comovido,
passa por cerradas alas constituídas pelos seus antigos alunos e examinandos, e
atravessa uma passadeira negra, formada pelas capas dos estudantes de quem foi
Professor. Estrugem calorosas salvas de palmas.
O átrio do Liceu de Guimarães, talvez
nunca albergasse sob as suas abóbadas, multidão tão distinta, tão numerosa e tão
notável.
A assistência da sala onde ia realizar-se a Sessão
solene, recebe-o com uma carinhosa salva de palmas.
Ao fundo, a mesa de honra, e no salão,
senhoras distintas, algumas formadas, e tudo quanto representa a fina flor da
sociedade portuguesa, entre a qual há antigos alunos de José de Pina, muitos de
seus examinandos, colegas e admiradores.
Toma a presidência o ilustre Chefe do
Distrito, e ladeiam-no o Reitor do Liceu e José de Pina, que ostenta sobre os
ombros a capa de um estudante.
O snr. Reitor do Liceu, usando da
palavra, disse-nos, muito bem, as características do homenageado, a sua vida
austera de professor, a moderação das suas manifestações de alegria ou de pesar,
o carinho que sempre dedicou aos alunos, e fez-nos compreender
o milagre de ali estarem reunidas algumas centenas dos seus antigos discípulos, que
vieram, alguns de distantes regiões, espontaneamente, viver com o Mestre os
inolvidáveis momentos da consagração que lhe era feita.
Fala em seguida o sr. Dr. Nuno
Simões, antigo deputado e seu antigo aluno. Sua exa., com eloquencia, recorda a
sua vida de antigo aluno do Liceu de Guimarães, e em votiva romagem, desdobra
perante a assistência, a sua estadia entre nós, há 40 anos; ressurge figuras de
então, evoca antigos professores e condiscípulos, e durante alguns minutos,
prende o selecto auditório à sua palestra, a todos os títulos, notável.
Falou-nos depois do Mestre, das suas
qualidades morais e pedagógicas, e elevou ao nível máximo o seu valor
profissional. O notável orador, fazendo burilar o seu discurso de fino recorte
literário, terminou, dizendo: Voltamos a esta casa para dizer ao Mestre, em meu
nome e no de todos os seus antigos discípulos, que na sua velhice simpática lhe
não faltará a ternura dos mais novos, e de nós todos que constituímos a vigília
do passado. Ecoam entusiásticas palmas, e o orador, comovidíssimo, abraça José
de Pina, e as lágrimas dos dois homens públicos, ambos notáveis e ambos vivendo
e sentindo a emoção do momento, orvalham-lhes as faces e caem-lhes sobre o peito...
A assistência palmeia e há também quem
chore de comoção...
Em seguida, o snr. Dr. David de Oliveira,
seu antigo camarada, recorda em breves frases a sua estadia no Liceu de Guimarães,
para focar a personalidade pedagógica, moral e educativa do homenageado.
O membro da Comissão da homenagem, o
snr. Dr. Eduardo de Almeida, fez em seguida entrega a José de Pina de uma
fotografia de Sua Eminência o snr. Cardeal Patriarca, seu antigo aluno, que vem
emoldurada por um precioso autógrafo.
Sua exa. lê também uma Carta do
Professor o sr. Cónego Vasconcelos, que lamenta lhe não ser possível estar presente.
Lêem-se telegramas de felicitações do
sr. Dr. Gaspar Machado, P.e Magalhães Costa, Abade Bom Jesus, e do tenente-coronel
Sousa Guedes, todos antigos alunos do homenageado.
Levanta-se José de Pina. Estrugem
palmas calorosas. Vai tentar falar, diz, mas não sabe se o poderá fazer. Os
linguados tremem-lhe nas mãos e a comoção está prestes a vencê-lo...
Carinhosa e comovidamente, o seu
antigo aluno o sr. Dr. José Fernandes, de Vinhais,
deputado, lê o discurso do Mestre. E por ele nós vimos mais uma vez, que José
de Pina se esqueceu de si, para nos falar de Guimarães, de algumas das suas
lutas e justas conquistas.
Ergue-se o sr. Governador
Civil, dizendo que não podia encerrar a Sessão sem dirigir também as suas saudações
ao Professor, que numa consagração justa, recebe o prémio dos seus méritos.
Antes de se encerrar a Sessão, a
Comissão depositou nas mãos do Reitor do Liceu, a importância de 2.500$00, para
fundo do “Prémio Prof. José de Pina” que anualmente deve ser distribuído ao
aluno mais distinto da disciplina de desenho. Deve juntar-se a essa importância,
mais 100$00 que foram enviados pelo sr.
Dr Gaspar Machado, professor do Liceu
Pedro Nunes, Lisboa, e Tenente coronel Sousa Guedes.
O banquete
14 horas. Vai servir-se o Banquete,
que reunirá na mesma comunhão de pensamentos, o Mestre e algumas centenas de
seus antigos alunos, de credos diferentes, de regiões distantes, de categorias
diversas, e que vieram recordar a sua vida escolar, e mostrar a sua gratidão ao
Mestre, que lhes cultivou o Espírito e modelou o carácter.
O Ginásio do Liceu onde vai servir-se
o Banquete, oferece um aspecto interessante.
As mesas, floridas e bem dispostas,
ocuparam-no por completo.
A orquestra, ao fundo, toca o Hino da Cidade e as palmas não têm fim.
A Mesa presidencial é ocupada pelo snr.
Governador Civil do Distrito, que tem à sua direita os srs. José de
Pina, Reitor do Liceu. Dra. Palmira Meireles, Dr. Nuno Simões e António de Azevedo.
E à esquerda, Dr. Aventino de Faria, Dra. Hedwiges Machado, Madame Borges de
Araújo, António Pina e Dr. Eduardo de Almeida. Os restantes convivas tomam lugar
indistintamente.
Serve-se o Banquete, cuja ementa
consta de canja
á Portuguesa, Rissoles de Marisco, pescada à Normande, Lombo de boi à Financier,
peru recheado com agriões, doces e frutas, vinho verde (tinto e branco), e champanhe.
Entre os convivas estabelece-se franca
animação; conversa-se, e por vezes o riso franco, rompe o silêncio.
Sem que fosse ultrapassado o protocolo
necessário, era interessante a análise à assistência, que conversa animada,
recorda episódios interessantes, e sorri satisfeita e alegre.
O Mestre é constantemente assediado
com o pedido de autógrafos, que também passam de mão em mão...
E a jornalista observa ao largo, a
assistência que anima o recinto.
Como foi possível reunir no velho berço
da Nação, sem pressões ou convites, sem promessas e a espera de recompensas, sociedade
tão diferente, onde estão reunidos, além do Chefe do Distrito, Deputados,
homens formados, muitos, Jornalistas, notários, eclesiásticos, médicos,
advogados, industriais, militares, presidentes de Grémios e de Associações,
professores secundários e primários, publicistas, sábios na medicina,
empregados bancários e comerciais, funcionários, académicos, tantos e tantos
homens, que de longe, muito longe, vieram a Guimarães prestar homenagem ao seu
Mestre, o homem mais modesto que conhecemos, e que junto do humilde, da criança,
do grande e pequeno, do aluno e colega, é sempre o Amigo e o conselheiro...
Há centenas de telegramas para ler, o
que se faz por etapas. Vêm dos mais distantes pontos do País. Todos estão presentes,
e há também quem recorde os que a morte levou...
Houve-se o hino dos
Estudantes. Eis que eles chegam.
Contornam a sala, e gentilmente, na
ponta das suas lanças, oferecem maçãs ao Mestre, — ao que foi estudante também...
Mas José de Pina não esquece...Chama
Jerónimo Sampaio, e este, nervoso, mas sempre académico, recita “O Pregão da Saudade”
escrito expressamente para esta solenidade, pelo nosso amigo o snr. Delfim de
Guimarães, a quem a assistência tributa justa homenagem.
Discursa o advogado snr. dr. Eduardo
Almeida. Sua exa., que possui, além do seu incontestável valor literário, um
coração muito sensível, fala baixo, e aos nossos ouvidos poucas palavras
chegaram. Dizem-nos porém, que o seu discurso foi primoroso, como sempre.
Brindam ainda, com brilho, com calor e
entusiasmo, o snr. Dr. José Fernandes, deputado, Dr. Artur Anselmo, jornalista
e advogado, Delfim de Guimarães, que lê uma paródia sua, Dr. Nuno Simões; o
Presidente da Academia, a pedido, lê o Bando Escolástico deste ano, da autoria
de Leão Martins, a quem é feita uma grande ovação. Seguem-se mais brindes, dos srs. dr.
Cristiano Borges de Araújo, Dr. Gomes de Almeida, médico em Espinho, Dr. João Rocha
dos Santos, que apresenta as saudações da Cidade, Aprígio das Neves, etc. etc.
Ergue-se José de Pina. A assistência
levanta-se e faz-lhe uma manifestação que não tem fim. Erguem-se vivas e ouvem-se aplausos.
José de Pina, lágrimas rebeldes a bailarem-lhe, diz ligeiras palavras, e termina:
bebo pela vossa felicidade!...
O snr. Governador Civil encerrou a
homenagem que acabada de prestar-se, dizendo que nunca assistiu a festa tão
linda e tão significativa, que para sempre lhe ficava gravada no coração.
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