S. Nicolau |
Segundo
João Lopes de Faria testemunhou, as Festas Nicolinas de 1929 foram fracas e
incompletas (não houve Danças). O pregão é obra de L. Coelho e foi recitado
pelo estudante Luís Mendes Lopes Cardoso, do 5.º ano do Liceu Martins Sarmento.
Bando
Escolástico
Recitado
em 5 de Dezembro de 1929
pelo
quintanista do Liceu Martins Sarmento
Luís Mendes Lopes Cardoso
À memória dos saudosos Mestres a Dr. Manuel de Jesus Pimenta e Dr.
Pedro Gonçalves Sanches.
Schiu...
Nicolau quer paz! Quer a maior brandura
Na
arte de rufar! Fazê-lo com doçura,
Com
mimo, semelhando a marcha de Chopin...
E
tocado em surdina o Hino do pregão.
Saibamos
recordar os bons Mestres antigos
Que
várias gerações tiveram por amigos;
Mestres
que em sua vida, atentos à instrução,
Ensinaram
o bem e honraram a Nação.
Nas
formas ideais, fluídicas, da Verdade,
Voara
a sua alma até à Eternidade
Irradiando
o trabalho, em luminosa esteira,
Que
dir-se-ia o fanal para a nossa canseira
No
decorrer da vida — o vivo cemitério
Mais
negro que a noite a ressumbrar mistério!
Recordêmo-los,
pois, na sua Santidade
Fazendo
reviver a dor duma Saudade.
. . .
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As
sombras colossais, no aspecto cismador,
Passam
diante de nós sem provocar horror.
Podridão
tumular, sinistra, fantasiosa,
Mas
com aroma tal, igualando o da rosa!
Matéria
a decompor-se, e o vento a levará...
Matéria
que se move e desabrochará
Em
quimera, ilusão, ondulantes, fagueiras...
Húmus,
pus e terriço — as revelações ligeiras
Afogadas
em pó; os sonhos de Grandeza
Desfeitos;
— maravilha aberta à Incerteza
Onde
átomos sem fim, raros, interessantes,
Prenhes
de vida sã, espelham, flagrantes,
Este
trabalho insano: a lida formidável
De
servir de pospasto ao verme insaciável.
Moços,
viva o respeito! É justa a homenagem.
Curvemo-nos
perante esses Mestres queridos,
Que
imaginamos ver, numa doce miragem,
Presos
à lei da morte e da vida vencidos!
Mas
atendei, agora! “Isto é
para
os teus bigodes”.
Ó
sociedade vil que desdenhar não podes
Da
Guimarães velhinha! Houve certos momentos
Em que
alguns filhos teus, revelando maus intentos,
Viram
a bancarrota em suas algibeiras;
E
quiseram provar, mesmo à força de asneiras.
Que a
marcha progressiva, acelerada e forte
Desta
fidalga terra, apresentava um norte,
Um
rumo mui diferente ao que devia ter,
Com um
desvio tal onde fosse mister.
Moveu-se
o retrocesso, e pondo-se em escala.
Tudo,
tudo parou... Nem sei a que se iguala
Este
torrão querido, arrasado na Treva!
Já nem
Portugal pode ser a mãe Eva!...
Totalmente
despida, a parra sem verdura,
É
vê-la saturnal, sem qualquer formosura:
Cabelo
em desalinho, e de olheiras profundas.
Tendo
as unhas das mãos tão sujas, tão imundas,
Que
lembra a colareja impudica e bacante
A
leiloar o corpo ao primeiro tunante
Que
passe junto a si. Nada há que a enfeite,
Embora
se lhe imponha o tal: “chega-lhe azeite”.
Mas o
destino amigo, ao par do que havia,
Envolveu-a
na luz duma nova alegria.
"Chamou-lhe
sua querida, e prometeu salvá-la
Desde
que a sua “crença” — incapaz de inflamá-la
E de a
prejudicar, — fosse a denegação
Da sua
vida má, digna de ter perdão.
E
assim, para lhe arrancar aquele ar primitivo
Com
que se apresentava, inventou o “motivo”
Do
Passado apagar. De forma muito humana,
Largas
dando ao amor que do peito lhe dimana,
Sem
mais aquelas disse a um dos seus vassalos:
—
“Escravo, o teu senhor (porque sofre dos calos)
Não
pode ir à cidade abrir-se ao seu desejo.
Ordena-te
que vás! Tomarás este ensejo
De
entrares na Casa “High-Life”, e ali, perguntares
Quem!
o Simão “Corado”, e se tu o encontrares,
Dir-lhe-hás
para me mandar, quando tenha ocasião,
O Zé
“Sopas” barbeiro. Ele é um sabichão
Que
sabe do artigo e conhece da poda,
Pois
ébarbeiro chic, o enlevo de alta-roda.
Depois
segues adiante, e irás às “Novidades”
Por
bom preço comprar todas as curiosidades
Que lá
tenham à venda. E vais mais ao Pavãoo
—
Costureiro de Fama — inquirir da razão
Por
quanto confecciona um formoso vestido
Que a
moral não ofenda, e tenha de comprido
Três
palmos, pouco mais.
E
alegre, e satisfeito,
Por
tão bem discorrer, com um leve trejeito,
m
calor de braseiro a tomar-lhe a cabeça,
Inundou-a
de sol, fazendo esta promessa :
“Vem
cá ó meu amor! O que é velho pera ti
Para
mim! bem novo, e jamais eu ouvi
Exprimir
coisa alguma, inconsistente e vaga,
Que
diga que o amor de repente se apaga
Sempre
perdurará, açucarado e meigo,
Muito
embora de mim queiram fazer um leigo
Que
para amar alguém a pobre alma cedeu...
Quem
sabe quanto tempo a dúvida viveu,
Sem
que a devassidão de todo nela entrasse?
Depois,
nenhum direito a que se renegasse
Esta
grande vontade, a confissão de amor
Que
inda há pouco te fiz com todo o meu ardor!
Já não
és Messalina ou a mulher perdida
De
quem se faça pouco! A mulher fementida
Que
viveu no serralho! Hoje tens protecção.
Basta
que o teu cabelo, aparado à “ninon”,
Dê azo
a um chapéu, dos que a moda impõe...
Ora
imagina tu, assim mesmo supõe
Que
bem encadernada, a público virias!?
Ai,
filha! Meu amor! Que vontade terias
De
esquecer o teu nome e dais também ingresso
Nessa
coisa liberal a que chamam Progresso!
Eu sei
que é grande a
“cliz” (que ninguém o contesta)
Mas
mesmo sem pensar, ou batendo na testa,
Distinguirás
o real do que é mero engano:
Não
tens um regimento? no sexto e sétimo ano?
O que
te importa Isso? Eu, se assim o quiseres,
Ensinar-te-ei
a ler e farei “pé de alferes”...
Crê
que nada me custa ou gera a confusão...
O amor
resolverá lôda e qualquer questão…”
. . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . .
Ó
monstros da soberba e que sois velhos tontos!
Ai que
bom! ai que bom! Os quatrocentos contos?!
Guimarães
tem dinheiro a rodos, não deseja
Que os
de fora lhe dêem o que não lhes sobeja...
E vós
damas gentis, a quem nós mais queremos!
É de
uso e de costume, e consoante sabemos,
Romanzas
vos cantar e mais nénias de amor,
Que
sejam gritos de alma — o dulcificador
E
saboroso elixir que o Doutor Fausto inventa,
Muito
mais eficaz que a água de Juventa!
Senhoras,
perdoai! A culpa não é nossa.
Também
vós bem sabeis que nunca nos fez mossa
O
dizer-vos a sério o que dentro do peito
Sentimos.
A paixão é o truc mais perfeito
Que o
“modernismo” usa a fim de traduzir
Aquele
sentimento... alto que no porvir
Traz
só felicidade à despida algibeira
Que
até aí, por ceitil, demonstrava canseira.
Senhoras,
perdoai! A culpa não é nossa.
E
agora, isto é para ti (vê bem que não há troça),
Ó
sopeira louçã, rival das açucenas!
Eu
quereria ter as minhas mãos pequenas,
Leves
como uma pena, a pele acetinada,
Pera
irem remexer (sem te tornar “magoada”)
Os
arcanos do peito. Almejava saber
Se
preferes o futrica àquilo que eu te der,
Isto
é, a peneirice à nossa capa preta.
Vê lá,
não sejas tola! Eles têm boa treta
Para
vos levar no conto. As meias que te oferecem
Pagam-nas
os patrões. Ai, se eles o soubessem
Que tratos
de polé por ai se veriam!...
Muitas
contas a dar, decerto, eles teriam!
Ao
contrário, cá nós, que somos uns doutores
Em
doenças de peito, autênticos condores
Que os
“Andes” da ciência, em vôo, ultrapassamos,
Se nos
tendes amor, pela “perna” o avaliamos.
Deixai,
deixai falar... Um amor “puxavante”.
Que
vos entusiasme, é só o do estudante!
Amigos,
atenção! Acabe-se a “laracha”
E toda
a demais treta. Haverá quem nos escacha
Se
tentarmos deitar os corninhos de fora...
Aqui,
só Nicolau é o “santo” que se adora…
Tratemos
de escapar a um voraz tufão,
De
novo entoando o hino do pregão!
Ó
mocidade louca! ó doida mocidade!
Abafemos
dum rufo o rumor da cidade!
L.
Coelho.
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