Pregões a S. Nicolau (77): 1925

S. Nicolau


A crer nas descrições dos jornais, as Festas Nicolinas de 1925 tiveram mais brilho do que o que era usual naqueles tempos. O pregão foi novamente escrito pelo padre Gaspar Roriz e o pregoeiro foi o estudante do 6.º ano de Ciências Jaime Ribeiro da Costa Sampaio, o representante da terceira geração da família Sampaio a desempenhar tal função.
Sobre este número das festas de 1925, lemos no jornal O Comércio de Guimarães:
Sem querer tirar o brilho a qualquer número, todos eles de bom efeito, devemos destacar o “Bando Escolástico” que se fez acompanhar de grande aparato. Muita ordem e bem postos.
Recitava o Bando o inteligente Académico o snr. Jaime Ribeiro da Costa Sampaio, filho do grande entusiasta das Festas Nicolinas e nosso prezado amigo o snr. Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio.
O Comércio de Guimarães, 11 de Dezembro de 1925
Neste pregão, o padre Gaspar Roriz atira-se às modas importadas de França, em especial a que recusava a velha trança, introduzindo o corte de cabelo à garçonne.


BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado em 5-XII-1925 pelo aluno do 6.° ano de Ciências
Jaime Ribeiro da Costa Sampaio

Ó minha Guimarães, ó minha terra amada!
Ó meu jardim florido, encantadora estrada
Que alegre percorri nos tempos de criança!
O meu amor é velho; é velho mas não cansa.
Eu amo o teu progresso, adoro essa grandeza
da indústria e do comércio. Eu amo essa beleza
que a história te legou — o teu velho Castelo,
monumento que se ergue altivo e que é o mais belo
pergaminho que tens a relembrar a história
dum passado que foi a mais lídima glória
do povo português! Bendita, ó Pátria sejas!
Conserva os teus brasões: castelos e as igrejas;
conserva as tradições, ó Pátria, eu te peço;
oh! ergue as chaminés das fábricas — é o progresso
que faz realçar mais o prístino valor
dos bravos filhos teus. Mas, Pátria, por favor,
não desprezes jamais a tradição galante
desta festa sem par — a Festa do Estudante,
a Festa a Nicolau!
                                  A nossa mocidade,
tão cheia de ilusões, procura a felicidade,
a ventura ideal, um céu, um paraíso,
que vós nos podeis dar, ó belas, num sorriso,
sorriso casto e puro, encanto de inocência,
que o vosso coração e a vossa inteligência
não poderão jamais, ó belas, recusar.
Ele é a luz bendita, o sol do vosso olhar
que nos dá força e vida, estímulo e amor,
o sol que ao coração dá luz e dá calor!

Ó minha Guimarães, ó minha terra amada,
adora-te a minha alma em êxtase, ajoelhada,
ao recordar que foste, em tempos que lá vão,
berço de Portugal, o berço da Nação
que tantos heróis deu nas gerações de antanho:
heróis que vêm de longe até ao... Zé Tanganho!...
Tudo mudou porém... Dos lusos a façanha
buscava loiros mil na África ou na Espanha.
Eram heróis os reis, valentes os vassalos,
mas hoje são heróis os míseros cavalos!...
Porque é que o Zé Tanganho, enfim, sempre venceu?
Porque o seu burro é forte — o burro não morreu!...
O outro — pobre animal! — cansou-se em correria!...
Se pudesse falar, por certo ele diria
como o antigo herói tão semelhante aos nossos:
“Ingrata Pátria, não possuirás meus ossos!...”
Mas no exílio ficou Cipião, o Africano,
e o pobre burro foi levado para o guino...
Herói desconhecido, ó pobre burro ignoto,
se vivesses ainda, eu dava-te o meu voto
para seres deputado àquela alta assembleia
onde há um só ideal: gamela com aveia...
Ó burros, procurai poder, força maior.
Depressa, instituí alguns grémios de sport,
onde jogueis o box e o pontapé na bola...
Zé Agostinho, vem de novo ver a escola
da robustez da raça aos coices e aos murros
e faz nova edição do teu poema: “Os Burros”...

Ó minha terra amada, ó Pátria portuguesa,
levanta altissonante um viva à realeza!
Há três lustros que tu, ó linda Pátria minha,
choravas por não teres no trono uma rainha.
Recordavas Mafalda, Urraca e Leonor,
Filipa de Lencastre e Isabel — a maior;
Vem bravas, a chorar, virtudes e belezas,
a bondade e o amor de todas as princesas,
esposais dos teus reis. Mas filhos dedicados,
Ó Pátria, os filhos teus, buscaram nos mercados
da Lísbia, com afã, num rasgo de justiça,
beleza bem maior — beleza de... hortaliça!...
Rainha de eleição, rainha dos mercados,
o velho Portugal, por mal dos seus pecados,
não pode dar-te um rei... Mas Guimarães podia,
porque Guimarães foi berço da Monarquia
e ainda tem um rei, para ti, rainha sécia,
um rei de estimação — o grande Rei da Oricia.
É fôrma do teu pé é o melhor dos reis:
tem condecorações e... faz bem bons pastéis...

Filhas de Guimarães, Senhoras tão gentis,
perdoai, perdoai por vir meter nariz
nessa magna questão a que não sou chamado,
eu quero-vos falar, Senhoras, do toucado.
A França é bem cruel! Maldita seja a França!
Que mal lhe faria a vossa linda trança?!
Ou negras de azeviche, ou loiras ou castanhas,
as tranças deram sempre inspirações tamanhas
aos génios da Poesia, aos grandes corações,
ah! que se houve rum Petrarca, um Dante e um Camões,
a espalhar a Poesia e pensamentos belos
isso se deve, oh! sim, Senhoras, aos cabelos
de Laura e de Beatriz, da nossa Catarina,
alma gentil que foi a expressão mais fina
da saudade e do amor!...
                                  Cabelos à garçonne!
É isto o que nos vem da pátria de Cambronne;
Senhoras, não queirais obedecer à Moda,
ela é quem assassina essa beleza toda
que Deus vos concedeu... Foi aos salões, às ruas,
e a todas ordenou: — “Meninas, andai nuas”...
E agora o que é que diz, altiva, erguendo o braço ?
— “Os cabelos cortai, rapai-me esse cachaço”...
E usais, sem repontar, cabelos à garçonne/...
Que pena não possais falar como o Cambronne!...
Mas, se isto tem de ser, se obedeceis às modas,
ou há moralidade ou hão-de comer todas...
Criadas de servir — as grandes e as pequenas,
mandai, mandai cortar as tranças e as melenas,
cabelos que só têm limpeza duvidosa.
Tu, criada de meio, e que és a mais formosa,
que usas avental branco e alto tacão na bota,
terás direito a usar cabelos à janota.
Criada destinada a ir sempre ao recado,
deves também usar cabelo e risca ao lado.
Criadas do fogão, criadas de cozinha
cabelos têm de usar rapados à escovinha.

Demócrito, suspende as tuas gargalhadas.
Agora vou falar às damas delicadas.
A nossa mocidade, o nosso terno amor
pede a vossa atenção. Ouvi-nos por favor.
Senhoras, quando Deus criou no paraíso
a primeira Mulher, formou-a dum sorriso
que era filho do Sol, irmão gémeo da Aurora.
E deu-lhe encantos mil, a graça sedutora,
da brisa o ciciar, a orquestração dos mundos
no mel da sua voz. Nos abismos profundos
do seu formoso olhar, pôs jóias de valor:
a doçura e a bondade, a meiguice e o amor.
E aos homens o bom Deus cedeu por compaixão
o escrínio para as guardar — o nosso coração.
Por isso a Mocidade em festa delirante
faz flutuar ao vento a capa do estudante;
e no dia maior, no dia de amanhã,
virá, sorrindo amor, trazer-vos a maçã.
É este o velho uso, a tradição antiga.
A mão que empunha a lança é esta mão amiga
que há-de sempre pugnar por estes festivais
— o encanto e o prazer dos nossos velhos pais,
que agora apenas têm, lembrando a mocidade,
o agridoce pungir do espinho da saudade...
Senhoras, a maçã espetada numa lança
Simboliza o amor nas asas da esperança;
o amor que é só para vós, Mulheres de Guimarães,
donzelas tão gentis, esposas, santas mães.
Ao vereis amanhã em marcha os trovadores
que somos todos nós, oh! cobri-nos de flores.
Transforme-se o cortejo em marcha triunfal
em honra às mais gentis mulheres de Portugal.

Rapazes, atenção! As peles desses bombos
tiradas são talvez dos pestilentos lombos
de alguma cabra velha ou raposa manhosa...
Matai, matai a cabra, arrasai a raposa.
Arrancai-lhes do bucho estrondos de morteiro
como em 5 de Outubro e 13 de Fevereiro!
Que se oiça em toda a parte um eco bem profundo
que faça estremecer a terra, o mar e o mundo!

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