S. Nicolau |
A
crer nas descrições dos jornais, as Festas Nicolinas de 1925 tiveram mais
brilho do que o que era usual naqueles tempos. O pregão foi novamente escrito
pelo padre Gaspar Roriz e o pregoeiro foi o estudante do 6.º ano de Ciências Jaime Ribeiro da Costa Sampaio, o
representante da terceira geração da família Sampaio a desempenhar tal função.
Sobre
este número das festas de 1925, lemos no jornal O Comércio de Guimarães:
Sem querer
tirar o brilho a qualquer número, todos eles de bom efeito, devemos destacar o
“Bando Escolástico” que se fez acompanhar de grande aparato. Muita ordem e bem
postos.
Recitava o
Bando o inteligente Académico o snr. Jaime Ribeiro da Costa Sampaio, filho do
grande entusiasta das Festas Nicolinas e nosso prezado amigo o snr. Jerónimo
Ribeiro da Costa Sampaio.
O Comércio de Guimarães, 11 de
Dezembro de 1925
Neste
pregão, o padre Gaspar Roriz atira-se às modas importadas de França, em especial
a que recusava a velha trança, introduzindo o corte de cabelo à garçonne.
BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado em 5-XII-1925 pelo aluno
do 6.° ano de Ciências
Jaime Ribeiro da Costa Sampaio
Ó minha
Guimarães, ó minha terra amada!
Ó meu
jardim florido, encantadora estrada
Que
alegre percorri nos tempos de criança!
O meu
amor é velho; é velho mas não cansa.
Eu amo
o teu progresso, adoro essa grandeza
da
indústria e do comércio. Eu amo essa beleza
que a
história te legou — o teu velho Castelo,
monumento
que se ergue altivo e que é o mais belo
pergaminho
que tens a relembrar a história
dum
passado que foi a mais lídima glória
do
povo português! Bendita, ó Pátria sejas!
Conserva
os teus brasões: castelos e as igrejas;
conserva
as tradições, ó Pátria, eu te peço;
oh!
ergue as chaminés das fábricas — é o progresso
que faz
realçar mais o prístino valor
dos
bravos filhos teus. Mas, Pátria, por favor,
não
desprezes jamais a tradição galante
desta
festa sem par — a Festa do Estudante,
a
Festa a Nicolau!
A nossa
mocidade,
tão
cheia de ilusões, procura a felicidade,
a
ventura ideal, um céu, um paraíso,
que
vós nos podeis dar, ó belas, num sorriso,
sorriso
casto e puro, encanto de inocência,
que o
vosso coração e a vossa inteligência
não
poderão jamais, ó belas, recusar.
Ele é
a luz bendita, o sol do vosso olhar
que
nos dá força e vida, estímulo e amor,
o sol
que ao coração dá luz e dá calor!
Ó
minha Guimarães, ó minha terra amada,
adora-te
a minha alma em êxtase, ajoelhada,
ao
recordar que foste, em tempos que lá vão,
berço
de Portugal, o berço da Nação
que
tantos heróis deu nas gerações de antanho:
heróis
que vêm de longe até ao... Zé Tanganho!...
Tudo
mudou porém... Dos lusos a façanha
buscava
loiros mil na África ou na Espanha.
Eram
heróis os reis, valentes os vassalos,
mas
hoje são heróis os míseros cavalos!...
Porque
é que o Zé Tanganho, enfim, sempre venceu?
Porque
o seu burro é forte — o burro não morreu!...
O
outro — pobre animal! — cansou-se em correria!...
Se pudesse
falar, por certo ele diria
como o
antigo herói tão semelhante aos nossos:
“Ingrata
Pátria, não possuirás meus ossos!...”
Mas no
exílio ficou Cipião, o Africano,
e o
pobre burro foi levado para o guino...
Herói
desconhecido, ó pobre burro ignoto,
se
vivesses ainda, eu dava-te o meu voto
para
seres deputado àquela alta assembleia
onde
há um só ideal: gamela com aveia...
Ó
burros, procurai poder, força maior.
Depressa,
instituí alguns grémios de sport,
onde
jogueis o box e o pontapé na bola...
Zé
Agostinho, vem de novo ver a escola
da
robustez da raça aos coices e aos murros
e faz
nova edição do teu poema: “Os Burros”...
Ó
minha terra amada, ó Pátria portuguesa,
levanta
altissonante um viva à realeza!
Há
três lustros que tu, ó linda Pátria minha,
choravas
por não teres no trono uma rainha.
Recordavas
Mafalda, Urraca e Leonor,
Filipa
de Lencastre e Isabel — a maior;
Vem
bravas, a chorar, virtudes e belezas,
a bondade e o amor de todas as
princesas,
esposais
dos teus reis. Mas filhos dedicados,
Ó Pátria,
os filhos teus, buscaram nos mercados
da Lísbia,
com afã, num rasgo de justiça,
beleza
bem maior — beleza de... hortaliça!...
Rainha
de eleição, rainha dos mercados,
o
velho Portugal, por mal dos seus pecados,
não pode
dar-te um rei... Mas Guimarães podia,
porque
Guimarães foi berço da Monarquia
e ainda
tem um rei, para ti, rainha sécia,
um rei
de estimação — o grande Rei da Oricia.
É fôrma
do teu pé é o melhor dos reis:
tem
condecorações e... faz bem bons pastéis...
Filhas
de Guimarães, Senhoras tão gentis,
perdoai,
perdoai por vir meter nariz
nessa
magna questão a que não sou chamado,
eu
quero-vos falar, Senhoras, do toucado.
A
França é bem cruel! Maldita seja a França!
Que
mal lhe faria a vossa linda trança?!
Ou
negras de azeviche, ou loiras ou castanhas,
as
tranças deram sempre inspirações tamanhas
aos
génios da Poesia, aos grandes corações,
ah!
que se houve rum Petrarca, um Dante e um Camões,
a
espalhar a Poesia e pensamentos belos
isso
se deve, oh! sim, Senhoras, aos cabelos
de
Laura e de Beatriz, da nossa Catarina,
alma
gentil que foi a expressão mais fina
da
saudade e do amor!...
Cabelos à
garçonne!
É isto
o que nos vem da pátria de Cambronne;
Senhoras,
não queirais obedecer à Moda,
ela é
quem assassina essa beleza toda
que
Deus vos concedeu... Foi aos salões, às ruas,
e a todas
ordenou: — “Meninas, andai nuas”...
E
agora o que é que diz, altiva, erguendo o braço ?
— “Os
cabelos cortai, rapai-me esse cachaço”...
E
usais, sem repontar, cabelos à garçonne/...
Que
pena não possais falar como o Cambronne!...
Mas,
se isto tem de ser, se obedeceis às modas,
ou há
moralidade ou hão-de comer todas...
Criadas
de servir — as grandes e as pequenas,
mandai,
mandai cortar as tranças e as melenas,
cabelos
que só têm limpeza duvidosa.
Tu,
criada de meio, e que és a mais formosa,
que
usas avental branco e alto tacão na bota,
terás
direito a usar cabelos à janota.
Criada
destinada a ir sempre ao recado,
deves
também usar cabelo e risca ao lado.
Criadas
do fogão, criadas de cozinha
cabelos
têm de usar rapados à escovinha.
Demócrito,
suspende as tuas gargalhadas.
Agora
vou falar às damas delicadas.
A
nossa mocidade, o nosso terno amor
pede a
vossa atenção. Ouvi-nos por favor.
Senhoras,
quando Deus criou no paraíso
a
primeira Mulher, formou-a dum sorriso
que era
filho do Sol, irmão gémeo da Aurora.
E
deu-lhe encantos mil, a graça sedutora,
da
brisa o ciciar, a orquestração dos mundos
no mel
da sua voz. Nos abismos profundos
do seu
formoso olhar, pôs jóias de valor:
a
doçura e a bondade, a meiguice e o amor.
E aos
homens o bom Deus cedeu por compaixão
o
escrínio para as guardar — o nosso coração.
Por
isso a Mocidade em festa delirante
faz
flutuar ao vento a capa do estudante;
e no
dia maior, no dia de amanhã,
virá,
sorrindo amor, trazer-vos a maçã.
É este
o velho uso, a tradição antiga.
A mão
que empunha a lança é esta mão amiga
que
há-de sempre pugnar por estes festivais
— o
encanto e o prazer dos nossos velhos pais,
que
agora apenas têm, lembrando a mocidade,
o
agridoce pungir do espinho da saudade...
Senhoras,
a maçã espetada numa lança
Simboliza
o amor nas asas da esperança;
o amor
que é só para vós, Mulheres de Guimarães,
donzelas
tão gentis, esposas, santas mães.
Ao
vereis amanhã em marcha os trovadores
que
somos todos nós, oh! cobri-nos de flores.
Transforme-se
o cortejo em marcha triunfal
em
honra às mais gentis mulheres de Portugal.
Rapazes,
atenção! As peles desses bombos
tiradas
são talvez dos pestilentos lombos
de
alguma cabra velha ou raposa manhosa...
Matai,
matai a cabra, arrasai a raposa.
Arrancai-lhes
do bucho estrondos de morteiro
como
em 5 de Outubro e 13 de Fevereiro!
Que se
oiça em toda a parte um eco bem profundo
que
faça estremecer a terra, o mar e o mundo!
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