S. Nicolau |
Em
finais de Novembro de 1924, os jornais anunciaram que não se iam realizar as
Festas Nicolinas, em sinal de luto pela morte de um herói nacional, o aviador Sacadura
Cabral, que falecera num acidente aéreo no Mar do Norte, no dia 15 daquele mês.
Porém,
sempre houve festas. O pregão foi escrito pelo Padre Gaspar Roriz e o pregoeiro
foi António Correia da Silva, estudante do 7.º ano de Ciências.
Bando Escolástico
Recitado em 5-XII-1924 pelo aluno do
7.° ano de Ciências
António Correia da Silva.
Eu
venho anunciar a Guimarães e ao mundo,
a rufos de tambor, em versos sublimados,
a
aurora mais formosa, o dia mais jocundo
que
surge em toda a terra! Eu sei, por meus pecados,
que a
terra não merece o nosso festival.
Nós
somos Mocidade e a Mocidade é Amor,
Franqueza
e Expansão. A terra é o lodaçal
de
lama e sangue. Oh! sim! Em ódio, em rancor,
debatem-se
as nações. Um negro espectro — a Guerra —
que os
povos mergulhou em dor, em luto eterno,
passou
qual maldição a transformar a terra
e o
mundo ficou sendo um báratro, um inferno.
E
neste inferno imenso, em que nos debatemos,
num
mal-estar geral, numa situação crítica,
demónios
há aos mil!... Mas o pior dos demos
é,
como vós sabeis, o demo da Política...
Ó génio
de Bordalo, Artista criador
de tipos
nacionais! Talvez fôsses à forca,
mas tu
dirias sempre: — “A Porca está maior,
a Porca,
está mais suja, a Porca está mais porca”.
Senhoras,
perdoai! A festa é de alegria
e tem
a limpidez do vosso meigo olhar!
Eu não
falarei mais naquela porcaria...
Senhoras,
perdoai!... Eu quero-me lavar...
Mas
onde existe a fonte, a límpida corrente,
que
para me lavar a água em si contenha?
Criadas
de servir, dizei, dizei à gente,
se
porventura já secou a nossa Penha...
Eu vejo-vos
em bicha ao pé dos fontenários;
se um
incêndio voraz aqui nos aparecer,
não
valerão de nada os nossos Voluntários;
ai
míseros de nós — teremos de morrer!...
E Guimarães
será destroços e ruínas:
destroços
a granel, ruínas em montão!...
Sumiram-se
na terra as águas cristalinas?
Rompeu-se,
por acaso, a canalização?
Ou
houve alguém que fez, na terra do bom vinho,
da
água — oh! que horror! — da água monopólio?
Há
açambarcador?! És tu, Banco do Minho,
que
nos levas a água e as minas de petróleo?
O petróleo,
oh! sim!... e não bastava isto:
no
cofre forte achaste — oh! grande, imensa sorte! —
do
petróleo ao pé a água que, pelo visto,
não é
água vulgar, mas antes... água forte...
Querem
levar-nos tudo!... Avaros e forretas,
nem
poupam o Liceu... Que negra e triste vida!
Tiraram-nos
o sexto e o sétimo de letras:
ficámos
com um liceu de via reduzida...
Só
sábios temos, pois: estudantes, professores,
sábios
somos, oh! sim! altas cerebrações.
Mas
poetas não há, não temos oradores!...
Ai,
pátria de Vieira, ai, pátria de Camões!
Ai,
velha Guimarães, famoso burgo antigo!
chamaram-te
Araduca as gerações passadas,
mas
hoje, Guimarães, quero chorar contigo:
as
letras que tu tens são letras... protestadas...
Também
vou protestar, com alma e com calor,
— Magriço
a combater por vós, lindas meninas —
contra
a proibição que fez um tal reitor,
que
não vos deixa usar as capas e as batinas.
Senhor
reitor, cautela! Escute, não se esqueça
de que
não há no mundo um traje mais galante
do que
este gorro negro em cima da cabeça,
do que
a batina preta e a capa do estudante!
Recorde
do Mondego as águas murmurantes,
os
cisnes a cantar na linda Lusa Atenas.
Recorde
as gerações de belos estudantes,
cantando
o seu prazer, chorando as suas penas:
oão
Penha, epicurista, entoando odes, hinos,
ao
peixe da Camela; Antero, o sempre triste;
Junqueiro,
o modelar autor de alexandrinos;
João
de Deus, cantando o que de belo exist
na
Natureza imensa!...
Ó
príncipes das letras,
o que
é que fez brilhar o genial talento
das
vossas produções? As vossas capas pretas,
bandeiras
juvenis a flutuar ao vento!...
Mestres
sem coração que lá, na Lísbia amada,
fizestes
irritar os nossos companheiros,
contra
a donzela que é tão fraca e delicada
feros
vos amostrais, ó lobos carniceiros?!
Talvez
queirais, talvez — oh! negra e triste sina! —
que
elas a tiritar passeiem pelas ruas
sem este
gôrro, sem a capa, sem batina,
obedecendo
à Moda — à Moda que as traz nuas?!
Alunas
do Liceu, ó Mocidade em flor
que
connosco viveis a estudar e a sorrir,
não obedeçais,
não, da Lísbia ao tal reitor:
alunas
do Liceu, oh! ide-vos vestir...
Deixai
a saia curta e os braços desnudados,
deixai
o pó-de-arroz e o rubro do carmim,
oh!
não queirais, oh! não, vestidos decotados...
Quereis
um figurino? Olhai, olhai para mim:
batina
a negrejar no meu peitilho branco,
a capa
a flutuar ao vento da Ilusão,
nos
lábios um sorriso, este sorriso franco,
que
nasce puro e santo em nosso coração.
Assim,
de grande gala, eu venho a saudar
as
Damas tão gentis da nossa linda terra.
Senhoras
que volveis o vosso meigo olhar
para a
nossa Mocidade! o nosso peito encerra
cofres
de puro amor — os nossos corações!
Senhoras,
não sou mais que um simples estudante,
mas se
me fôra dado o estro de Camões,
ou o
estro genial que imortalizou Dante,
Natércias
da Saudade, ó Beatriz, Amores,
ó Musas
da poesia, ó formosura ideal,
havíamos
de ser os vossos trovadores,
cantando
o vosso amor, Mulheres de Portugal!
Aquele
amor que deu às páginas da História
os
nomes imortais, fulgores de eternos brilhos,
da
Rainha Isabel de tão grata memória,
Filipa
de Vilhena a consagrar os filhos
da
Pátria no altar!
Mulheres
Portuguesas!
Ó
nossas santas Mães! Ó nosso puro amor!
rosários
desfiai, que as vossas santas rezas
nos
podem dar ainda um Portugal maior!
E vós,
ó juventude, ó linda Mocidade,
donzelas
que sorris sorrisos de ventura,
que
tendes nesse olhar espelhos de bondade,
que
tendes em vossa alma escrínios de ternura;
formosas
que fazeis da terra um paraíso,
estrelas
que brilhais no céu do nosso amor,
não deixeis
de nos dar, ó belas, um sorriso;
em troca
da maçã queremos uma flor:
a flor
do vosso afecto, aquele afecto puro
que
faz realçar tanto a vossa Mocidade!
Havemos
de a guardar em cofre bem seguro,
havemos
de a regar com pranto da Saudade!
Amigos,
atendei: deveis correr a pau
o que
sem santo e senha entrar no festival!
O
Santo, já sabeis, o Santo é Nicolau,
a senha
pode ser a... cédula pessoal…
Galharda
Mocidade, ó forte geração,
dos
bombos arrancai um som cavo e profundo,
que
pareça o ribombo imenso dum trovão
a
estremecer o céu, a terra, o mar e o mundo!
Que vá
anunciar ao longe, ao mundo inteiro,
num
eco atroador, imenso, altissonante,
que a
árvore mais linda é a nossa — é o pinheiro —
que
quem reina no mundo é sempre o ESTUDANTE
P.e
Gaspar Roriz
0 Comentários