S. Nicolau |
O pregão
de 1922 foi escrito por Mendes Simões e recitado por Artur Francisco do Couto,
estudante do 7.º ano do curso de Letras. Vem com dedicatória aos velhos
entusiastas falecidos e aos ainda vivos. É um texto muito interessante para se
perceber como ia Guimarães e como ia o Mundo naquele ano.
O
costumado incitamento final, dirigido aos tocadores de caixas e zabumbas remete
para a política internacional:
Ressoe
um estampido enorme e colossal...
Tão
grande, que o seu eco alcance todo o mundo
Fazendo
despertar desse som profundo,
As
glórias imortais do século passado...
E
mudando da terra o actual estado,
Faça
tremer de horror, os próprios fascistas,
As
tropas de Kemal e as hostes bolchevistas...
Bando Escolástico
Recitado em 5-X1I-1922 pelo aluno do
7.º ano de Letras
Artur Francisco do Couto
À
MEMÓRIA SAUDOSA
Dos
“velhos entusiastas” das Nicolinas,
De
Bráulio Caldas,
Do
Cónego João Maria Gomes.
|
HOMENAGEM
Aos
“velhos” ainda vivos,
A
Jerónimo Sampaio,
Ao
professorado do Liceu M. Sarmento,
À
Academia.
|
Da
Festa Nicolina a bela história,
Da
velha Guimarães a tradição.
Do
estudante antigo na memória,
Qual
nobre e sublimada aspiração;
Suprema
devoção da Mocidade,
Da
Academia o mais sagrado ideal,
Homenagem
sublime de saudade,
De
Nicolau, auréola imortal;
Ó
Musa, dá-me um estilo tão profundo,
Que eu
leve a sua fama a todo o mundo...
Cesse,
por ora, a estúpida dogmática
Do
latim massador, a Geografia;
E tu,
que pões a gente tão lunática,
Cessa também, ó dura Geometria;
Põe
tréguas à luta, ó Matemática,
Que
nos fazes perder a galhardia,
Que eu
canto a velha Festa Nicolina,
Tão
cheia de esplendor e graça fina.
Silencio,
ó histriões, silêncio! nem um pio!...
Aqui,
só tem entrada a educação, o brio...
Eu
ouço segredar alguém perverso e mau...
E quem
sabe talvez se contra Nicolau !...
Prudência!...
Cautelinha!... um homem de respeito
Ou mete
a viola ao saco, ou diz coisas de jeito.
Aquele
que disser que a Festa Nicolina
Perdeu
todo o sabor, perdeu a graça fina,
Ponha
em seguro a vida, olé! pois num instante,
Pode
cair na garra adunca dum estudante...
Tretas
não quero ouvir, nem a menor chalaça...
Na
urna não poderá votar quem for talassa!...
O
estatuto diz: Com fina galhardia
Só
meterá na festa o bico a Academia...
Guimarães,
Guimarães, ai que saudade imensa
Do
tempo em que
existiu uma afeição intensa
Nos
homens que entre as mãos possuíam teus Destinos!...
Os
gigantes de outrora hoje são pequeninos!...
O teu
progresso e vida, antiga aspiração
Pelo
Padre Roriz tão bem preconizada,
A
gente que te amou traz hoje horrorizada,
Porque
tornou-se, enfim, vil mistificação...
Da
nova arquitectura a ciência patética
Já não
quer respeitar as normas da estética,
Deixando
construir casões acavalados
Nas
ruas mais centrais, nos largos mais povoados.
Quando
possuirás, à volta do Castelo,
Aquele
parque ideal, aquele jardim belo,
Das
senhoras gentis o passeio elegante?
E
aquele elevador titânico, gigante,
Que
nos transporte enfim, ó venturoso dia!
Em
tardes de verão e rude calmaria
À
nossa linda Penha?... À sombra dum penedo,
É
divinal comer um petisquinho ledol...
A cada
canto tens, caso estranho! Irrisório !
Uma
retrete imunda, ou até um mictório!
É
triste presenciar, aí, pelas vielas,
Cadáveres
de animais e restos de panelas!
Acaso
haverá, em todo Portugal,
Indecência
maior que a Estação Postal
Aquele
nicho estreito, ó nojo singular!
Que por
honra da firma havia de acabar...
Tu
deves possuir, ó infeliz cidade,
Foros
de pundonor, foros de heroicidade...
E se
hoje ainda tens alguma instituição,
Que
tente reviver, exemplo o Orfeão,
É
porque a guerra atroz, dum plano estudado,
Ainda não logrou vê-lo assassinado...
Ai!
pobre Guimarães, que nojo, que tristeza,
De ver
que gente tens que tanto te despreza!...
Ó
mortos, destruí as vossas sepulturas
E
vinde apreciar estas cruéis agruras,
Que
cansa a todos nós a grande carestia
Duma
vida a agravar a sorte dia a dia...
Oh!
quem noa dera o tempo, esse tempo já ido,
Em que
o velho estudante, alegre, tam garrido,
Ia
comer rojões e caldos de galinha
À tasca
do Pinheiro ou mesmo ao Terrinha I...
Como
tudo mudou!... são tudo evoluções!...
Já
custa uma sardinha, hoje, dois tostões!...
Agora
vou prestar homenagem sincera
À
velha estudantada, alegre, doutra era.
Para
os que já lá vão, a viva simpatia
Desta
falange ideal, a nova Academia.
Jerónimo
Sampaio, ó velho entusiasta,
Da
Festa Nicolina encarnação ideal,
O teu
ardor doutrora é garantia vasta
Para a
festa tornar simpática, imortal...
Ó
Bráulio saudoso, ó vate, ó Mocidade
Das
festas seculares Nicolinas,
Recebe
o nosso preito de saudade
Às
tuas qualidades diamantinas;
Não
poderá o tempo eternamente
Destruir
tua glória refulgente.
Damas
de Guimarães, é vossa a nossa festa,
Porque
afinal, sem vós, não tem sabor, não presta.
Para
vós, damas gentis, rosas deste canteiro,
O mais
lindo talvez de Portugal inteiro,
Para
vós o melhor quinhão de simpatia
Desta
falange ideal, a nossa Academia,
— Nas
asas de Cupido, uma maçã ideal
O pomo
mais gentil do Éden Terreal.
Costureiras
joviais, ó doces tricaninhas,
Ao
ver-vos passear, pareceis-me andorinhas...
Ai! se
vêm a saber os nossos queridos pais
Que
por causa de vós, gastamos os reais,
Que
para nosso estudo enviam mensalmente,
Só
para sermos do vós amados loucamente!...
Que o
diga a chinelinha a reluzir... bordada...
Vós sois
a perdição da pobre estudantada!...
Glória
a Portugal, a Pátria altiva e bela,
E
àqueles que se vão sacrificar por ela!
Glória
a dois heróis, Coutinho e Sacadura,
Pela
sua arrojada, imortal aventura!
Glória
aos dois heróis, valentes portugueses,
Que
foram arriscar a vida tantas vezes,
Por
sobre o céu azul, o lindo céu de anil,
Para
irem beijar o nosso irmão Brasil!
Para
vós, ó heróis, nosso melhor respeito
E da
nossa afeição, o mais sincero preito.
Imita-os
com ardor, esperançosa Mocidade!
Ressurja
Portugal em brio e liberdade.
Agora
terminar! se longo, o palanfrório
Torna-se
massador c torna-se irrisorio!
Ó
mestres do Liceu do grão Martins Sarmento,
É
vosso o nosso amor, nosso agradecimento.
Da
nossa Mocidade, a inquieta impertinência
Tendes
que desculpar, ó mestres da sapiência;
São velhas
tradições e a nossa Academia
É toda
Mocidade, é toda galhardia...
Falange
de Minerva, Arrojo! Valentia!
Carregue
cada um a sua bateria
E
fique, quieto e mudo, a postos, em sentido!
Logo
que eu der sinal, seja o fogo nutrido,
Tão
nutrido e feroz, que em todo o Portugal
Ressoe
um estampido enorme e colossal...
Tão
grande, que o seu eco alcance todo o mundo
Fazendo
despertar desse som profundo,
As
glórias imortais do século passado...
E
mudando da terra o actual estado,
Faça
tremer de horror, os próprios fascistas,
As
tropas de Kemal e as hostes bolchevistas...
Mendes Simões.
Guimarães,
Dezembro de 1922.
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