Em 1916 as
festas voltaram a ser uma sombra do que costumavam ser no passado. Danças não houve e no
cortejo das maçãs apenas participaram 6 ou 7 dos 260 estudantes que então
frequentavam o Liceu. O autor do texto voltou a ser Leão Martins e o pregoeiro
foi o estudante do 5.º ano Manuel de Castro Garrett. Terá sido este o único
número das Nicolinas de 1916 que agradou, ma
non troppo. Aqui fica o que, a propósito do pregão, se escreveu no jornal Vimaranense:
O melhor
número deste ano, foi, incontestavelmente, o “bando”, primorosamente escrito
pelo nosso prezado amigo sr. António Leão Martins e distintamente recitado pelo
simpático académico do 5.° ano sr. Manuel de Castro Garrett.
Pena foi que
o pregoeiro e os seus dois companheiros se apresentassem, não vestidos de gala,
como é da praxe, mas como quem vai para assistir a um enterro ou missa do7.º dia.
O nosso
cartão de sentimentos à “desolada” família.
Despertaram
muita gargalhada aquelas lanzudas pilecas cavalgadas pelos dois académicos que,
durante algum tempo, ladearam a bandeira da Academia.
Que
pelintrice!
Pareciam os
burros do falecido João Pregueiro! Vai-te diabo!
Que pobreza
e que tristeza!
Vimaranense, ano II, n.º 60, Guimarães, 9 de
Dezembro de 1916
BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado em 5 de Dezembro de 1916
pelo académico do quinto ano:
MANUEL DE CASTRO GARRETT.
(AOS ENTUSIASTAS DAS FESTAS)
Nicolau! Nicolau! vá lá, mais uma vez,
A Festa em honra tua, egrégio português!?
Alguns dias de folga, ao lado a livraria!
Sobraçando a batina a nobre academia
Pensou, considerou que tinha obrigação
O Santo festejar com alma e devoção.
Cumpria-se um dever; a consciência Ordenava;
E alegres, joviais e finos, bem astutos,
Saíam para a rua (e Minerva se orgulhava!
Sorria de feliz!), segundo os estatutos.
Por isso, Nicolau, não fizemos demais;
Prolongamos a obra encetada pelos pais.
Ao lado a livraria, às costas as batinas,
E revivamos, pois, as Festas Nicolinas!
Eu quero a minha voz se ouça possantemente,
Distante, em toda a parte, em os montes e
fraldas
Para o nome invocar dum mestre inteligente,
Do vate entusiasta — o doutor Bráulio Caldas
Eu quero recordar este nome querido,
Como homenagem e preito, e como gratidão;
Já que o povo é ingrato e bastante esquecido,
Cumpramos um dever, a nossa obrigação.
Já que falando estou dum ido entusiasta
É justo que recorde (Eureca! Eureca! Eureca!)
Jerónimo Sampaio (ele de nós se afasta),
Por onde pairas tu reluzente careca?!
Vem mesmo de varino, imita um frade antigo
E vem ver Nicolau por quem já foste louco;
Os claustros abandona, até nós vem, amigo,
A distância é pequena e gastas tempo pouco.
Segundo a tradição e que nos consta, a nós,
Tu foste um herói nas Festas Nicolinas;
Todos falam de ti, os nossos pais e avós,
Quando narram a nós tuas piadas finas.
Gozaste e bem fizeste. Essa tua ironia
De fazer rir e povo e de que ainda gostas,
Para sempre enobreceu a nossa academia,
Quando deste maçãs com uma raposa às costas!
Ao ouvires este som, dos bombos as metralhas,
Recorda com saudade os tempos já pssados;
Aparece e relembra, aos novos, das muralhas,
Que as peles no teu tempo eram feitas
bocados.
Vós, ih mestres (se acaso está para aí
algum),
Não chameis à lição da Festa um companheiro;
O desastre é fatal, valores apanha um,
E as gatas para os pais representam dinheiro.
Por isso, se amanhã, à lição for chamado
Alguém e sem saber (se o mestre não for mau),
Apenas lhe dirá:— tenho o braço cansado.
— Você também tocou?— Toquei ao Nicolau.
E o mestre compreendendo a tremenda tolice
Chamar ao outro dia um rapaz à lição,
Embora ache demais a nossa cabulice,
O amigo protector sempre nos dá razão.
O velho mundo em luta, em titânica guerra:
Por toda a parte a morte a difundir a dor,
No profundo oceano, em ares e mais na terra,
Devido à ambição dum louco imperador.
Oh Kaiser caricato! oh “boche!” a tua sorte
Há-de ser bem fatal, pior do que a de um cão!
Condenado serás à implacável morte,
Teu sangue praguejado à última geração!
Oh bárbaro estadista! animal já sem nome!
Grotesco domador! marechal dos marechais!
Crianças na orfandade e os velhos têm fome,
De há meses que a miséria assolara os casais.
Tu julgas-te potente e com força tamanha,
Segundo o teu pensar, segundo o que tu dizes,
Que tu transformarás a Europa em Alemanha,
Com toda a sua raça e todos os países.
Tal não conseguirás, tal não hás-de ver.
Na nossa causa existe a Justiça e a Razão.
Os aliados, um herói! tu hás-de perecer!
Tens força de um jerico e nós a de um leão.
E assim o teu império, algoz inquisidor!
Da simpática Europa ele desparecerá;
Embora surja o luto, oh louco imperador!
Essa tua ambição para sempre morrerá.
E tu, oh Guimarães, que tal te dás aí?
Sê franco para nós; ainda gostam de ti?
Fazem-te linda festa e prometem-te coisas:
Palácio e jardins, bairros, diversas loisas!
Não te podes queixar; fizeram-te um favor,
Em te ligar a Braga em um carro a vapor.
Tens isto… e mais aquilo… afora
o que mais venha,
Um parque já tu tens e elevador à Penha.
Uma avenida larga, airosa e bem comprida,
Que quem por lá passar diz mal para toda a
vida!
Já tens um bom relógio, obra do sor
Monteiro;
Dispôs de dez mil réis — dispôs do seu
dinheiro.
E tu não estás mal; tu tens obras das finas,
Com luxo e com grandeza... “olha a estalar
meninas!”
Também vestes âà moda, e as tuas mulheres
Entrajam belamente, as saias por aqui,
Botas até ao joelho, as pernas que eu vi
Das facas cabos são, e tu o que mais queres?
Embora, à noite, a luz se apague, a grã
telhuda!
Ouves, de vez em quando:— “Olha da
ramalhuda”!
Em tudo és bem fadado, oh Guimarães velhinho
Barata a vida está, o centeio e o pão;
Quem a rasa quiser deita fora um quartinho,
E veremos, depois, o mais que aumentarão.
E vós que me escutais: vós o que mais
quereis?
Tudo mais baratinho? arranjai seis mil réis,
E dai para a “Económica” apenas o nome.
Se não tendes dinheiro, adeus!... morreis à
fome.
Até o lavrador que vem cá, à cidade,
De tudo o que produz e cria a sua herdade,
Explora um cidadão: nos ovos, nas cebolas,
Nos nabos e feijão, nos frangos e nas rolas;
Por sua vez, também, as próprias Iavradeiras,
Na praça, no mercado elas são mais careiras.
E digam-me que é tolo o bicho lavrador?
Protesto e não concordo. É fino. Isso sim!
Dum “chespas bom serás” passou a
explorador,
[lacuna]
E já agora uma coisa, é justo, oh meu amigo,
Escuta e ouve cá, e concorda comigo:
Tem direito ou não tem, não é obrigação,
Agradecer, aqui, a um belo cavalheiro
Que nos dispensa sempre — José Martins, de
Aldão,
Um gigantesco pau — o célebre “pinheiro”?
A entrada do “pinheiro” arrepios me faz:
A boiada faltou. E atão! aos depois
Tudo se dividiu: em vez de um boi ou dois
Puxar à valentona, o gado vinha atrás!
Há tempos eu sonhei, em tempo já passado,
Um sonho, uma visão, um sucesso engraçado:
Um anjo lá do céu me viera buscar,
Umas asas me pôs e fomos a voar,
Pelos espaços fora, até que, enfim, chegámos
Ao Éden desejado, onde nos hospedámos.
Num palácio assombroso: haveres e pedraria,
Brilhantes de valor, que casa luzidia!
De ver tanta riqueza eu fiquei admirado!
Andei, percorri tudo. E passado um bocado,
O anjo, meu companheiro, indicou-me as
janelas:
Em cada uma vi olímpicas donzelas,
Trajando ricamente e causando-me espanto.
Que deusas divinais! que formosura e encanto!
Depois, não sei porquê, vê-las mais eu não
quis.
Desci, desci, desci lentamente dos céus:
As deusas que enxerguei, sois vós, damas
gentis,
O céu, foi minha terra...adeus, adeus, adeus!
Oh chefe cá da orquestra! oh mestre! oh meu
regente!
Previne o teu povinho e mais a tua gente
Que quando terminar a minha alocução,
Com reptos de oratória e correcta dicção
(Eu não imito, não, palrador deputado
Que diz no parlamento, apenas: “apoiado!”
Eu não sou desses, não! falo com energia),
Necessário é ouvir-se a forte zombaria:
Diabólico barulho, imitando trovões
— Granadas estalai! arrebentai canhões!!
Leão Martins
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