O andor da procissão da Candeia ou do Rolo ou das Marafonas |
19 de Maio de 1866
Véspera do Espírito Santo. - Realizou-se pela última vez a Procissão da
Candeia, mais conhecida por Procissão da Marafonas ou dos Pães Bentos, que saiu
este ano de S. Domingos por lhe pertencer sair dessa igreja. Albano Belino, no
seu livro "Archeologia Christã" a fl.150, descrevendo o andor que ia
nesta procissão e se conserva no museu da Sociedade Martins Sarmento, diz:
" que esta procissão se efectuava a 10 de Junho e que saía de Santa
Clara" (isso foi em 1848), devendo dizer que se realizava sempre na tarde
da véspera do Espírito Santo, saindo alternadamente das igrejas de S. Domingos,
S. Francisco e Santa Clara, cuja descrição faz o padre Caldas a fl. 364 no 1º
vol. do seu "Guimarães".
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 158 v.)
A procissão da véspera do Espírito Santo, conhecida como a procissão da
Candeia, do Pavio, do Rolo ou das marafonas, é uma manifestação de penitência e agradecimento instituída quando Guimarães se viu a braços com uma epidemia de peste,
em finais do século XV. Na procissão seguia um andor que foi recuperado por Albano
Belino, em muito mau estado, do sótão do antigo edifício dos Passos do Concelho
e entregue à Sociedade Martins Sarmento, não se sabendo que destino é que
acabou por lhe ser dado.
Esta era uma das festividades que, todos os anos, eram promovidas pela
Câmara de Guimarães. O Padre António José Ferreira Caldas, que assistiu à
extinção desta tradição secular, descreve-a nos seus Apontamentos para a história de Guimarães:
Outra procissão notável,
pela singularidade, era a do Espírito Santo, também chamada da Candeia ou
Pavio.
Foi instituída em 1489,
por voto do povo, em razão duma grande peste, que então grassava em Guimarães:
saía alternadamente da igreja de S. Francisco, S. Domingos, e Santa Clara, recolhendo
à Colegiada, acompanhada pela câmara, cabido e religiões da vila.
Precedido de algumas
donzelas, festivamente vestidas, cada uma das quais levava um açafate de
pãezinhos redondos, cobertos e enramados de flores, era conduzido um pequeno
andor, simbolizando a torre de Nossa Senhora de Oliveira, coroada pelas armas
reais e por uma pomba, e cercada dum rolo de cera branca, que devia medir a
extensão dos muros da antiga vila.
Enquanto a câmara,
cabido, e religiões, chegados ao largo da Oliveira, acompanhavam o andor à igreja
para oferecerem o rolo com a mais cera, à confraria do Espírito Santo;
colocavam as donzelas sobre um andor, levantado no padrão da Senhora da
Vitória, os açafates dos pães, que - depois de benzidos por um dos capelães - eram
pelos vereadores lançados ao povo, das janelas da casa da câmara.
Em 1598, em que esta
procissão era já conhecida com o nome de voto antigo do povo, autorizou o rei
Filipe a câmara a gastar até a quantia de cinquenta cruzados com ela, e com as
seis pregações nas festas de S. Sebastião, Corpus Christi, Santa Isabel, Anjo
Custódio, véspera da Senhora de Agosto, e domingo de Ramos.
Mas apesar disto
chegaram a fazer-se exorbitantes despesas com os pães bentos, que se costumavam
mandar de presente aos ministros, justiças, e grandes do reino; até que em
sessão de 4 de Abril de 1805 ficou resolvido reduzir-se toda a despesa aos dezoito
alqueires de trigo, que o concelho arbitrava para tal fim: e em 1808, em
sessão de 4
de Junho, taxando-se
a mesma despesa em nove mil e seiscentos, aboliram-se os presentes; acordando a
câmara, que apenas se mandassem pães aos conventos da vila, e o açafate deles, com
sua rosca, ao cónego cura pelo trabalho de os benzer, e por virtude duma antiga
sentença.
Esta procissão, que o povo chamava das marafonas,
que eram
as moças que levavam os
açafates, saiu pela última vez à
rua em 1866.
António
José Ferreira Caldas, Guimarães – Apontamentos
para a sua História, 2.ª Edição, Sociedade Martins Sarmento/Câmara
Municipal de Guimarães, 1996, pp. 254-255)
Sobre a mesma procissão, escreveu Albano Belino (que se engana na data da festa: não tinha data fixa, realizando-se cinquenta dias após a Páscoa):
O curioso andor das candeias, que também aqui se representa, foi salvo
por minha intervenção quando fundei no edifício da Ordem de S. Francisco um
pequeno museu de arqueologia cristã. Encontrei-o, quase de todo desfeito, no
sótão do edifício dos Paços do Concelho, sendo desde logo oferecido à Sociedade
Martins Sarmento.
Este andor era conduzido na procissão das marafonas ou dos pães bentos,
que anualmente se efectuava a 10 de junho, em cumprimento de uma antiga
promessa feita por ocasião de grande calamidade. Nesta procissão, que saía da igreja
de Santa Clara recolhendo na Colegiada, tomavam parte a Câmara e o Cabido. O
andor ia adornado de velas de cera, que perfaziam o peso do rolo com que se
devia cercar a muralha da cidade.
Finda a festa eram benzidos os pequeníssimos pães, repartindo-se por
todas as autoridades e lançando-se duma janela do edifício da Câmara à
multidão, que os apanhava. (…)
Albano Belino, Archeologia Christã,
Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1900, p. 150
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