D. Maria II |
De manhã, retiraram de Guimarães, em direcção a Santo Tirso, a rainha D.
Maria II, D. Fernando, o príncipe real D. Pedro V e o infante D. Luís. Os
vizelenses esperavam ter a honra de receber a visita dos mesmos, por petição
que para isso fizeram, a fim de ter ocasião de lhes entregar duas
representações, uma em que pediam fosse ali criado um concelho com parte dos de
Guimarães, Barrosas e Negrelos, incluindo-se em outros contíguos as demais
freguesias dos dois últimos, mas tiveram o desgosto de lhe ficarem malogrados
os seus desejos, pois tal visita não se realizou, como se lê na correspondência
seguinte:
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 153- 153 v.)
Na visita da rainha D. Maria II a Guimarães em Maio de 1852 esteve para acontecer
a primeira grande manifestação pública das gentes de Vizela para se separarem
do concelho de Guimarães, assumindo a sua autonomia municipal, para a qual pretendiam
agregar outras freguesias dos concelhos de Felgueiras e de Santo Tirso. A apresentação dessa reivindicação foi programada para o
dia 17 de Maio, quando a comitiva real, saindo de Guimarães em direcção ao
Porto, passasse por Vizela. Para o efeito, no dia da chegada da rainha a Guimarães,
a 15 de Maio, um dos regedores das freguesias de Vizela, deslocou-se à sede do
concelho, onde informou o Duque de Saldanha dos preparativos dos vizelenses
para acolher a família real. O Duque confirmou a visita, informando que a
chegada da rainha estava prevista para as 7 horas da manhã.
Vizela engalanou-se. Preparam-se os foguetes
anunciadores da chegada da comitiva real. A banda de música ensaiou o seu
reportório. A casa de Velmenso foi preparada para acolher a família real e um
comerciante de origem inglesa radicado no Porto, Wiliam Wilby encarregara-se de
preparar o banquete que iria ser oferecido em honra da rainha.
Porém, a rainha não apareceu.
Na mesma efeméride, João Lopes de Faria transcreve um texto que terá sido
publicado num jornal por aqueles dias, onde se dá conta dos preparativos, do entusiasmo e da
desilusão das gentes de Vizela:
Caldas de Vizela, 17 de Maio de 1852. Os moradores das duas
freguesias das Caldas de Vizela, S. Miguel e S. João, desejosos porque S. S. M.
M. vissem a riqueza das águas medicinais que neste terreno há, dirigiram uma
representação a S. M. que lhe foi entregue em Vila Nova de Famalicão, que S. M.
se dignou aceitar tão sincero convite. Logo que foi sabido nomearam uma
comissão dos principais moradores destas duas freguesias,e para presidente o
Reverendo Abade Miguel Joaquim de Sá, de S. Miguel das Caldas, cuja comissão,
além do trabalho nos preparativos, havia de receber S. M. e dirigir-lhe a
felicitação.
Foram levantados 4 arcos desde a Botica até à Lameira, todos eles de bom
gosto e trabalho e 2 no caminho para os banhos de Mourisco, à ponte das Caldas.
No meio da Lameira foram colocadas 4 cadeiras ricamente vestidas debaixo de um
rico docel e num estrado elevado, destinadas a S. S. M. M. e A. A. para desfrutarem
a deliciosa vista deste ameno sítio, e os demais bancos, que formam o quadro do
centro da Lameira, forrados de damasco vermelho.
Fizeram aprontar a linda casa de Velmenso, tapetada toda de baeta carmesim
e as portadas com damasco, tendo 4 cadeiras ricamente vestidas e a sala
destinada a S. S. M. M. e A. A. descansarem, guarnecida de jarrões da Índia e
jarras com flores, as janelas todas embandeiradas e adamascadas.
Ao entrar, esperava a comissão com seu presidente e uma boa música
instrumental. Estavam já mais de mil pessoas que a esta terra haviam afluído
para verem e vitoriarem a S. M. e, de todos os caminhos que aqui conduzem se
via caminhar imenso povo. Os moradores com à porfia se esmeraram em alcatifar a
estrada e caminhos de ervas aromáticas e flores, e os que tinham janelas as
adamascavam, e as mesmas casas térreas guarneceram as portas com cortinas. Finalmente era uma
verdadeira e espontânea festa. A Câmara Municipal havia dado ordem aos juízes eleitos
para mandarem fazer a estrada que vai a Guimarães, e a alargar em alguns
sítios, ficando agora uma belíssima estrada.
Mr. Wilby havia disposto um decente almoço com a delicadeza que lhe é
própria e como permitem as grossas comodidades de uma aldeia, mas mui
agradável, principalmente pela linda vista da sua que muito havia de interessar
a S. S. M. M. e A. A., concorrendo as delicadas maneiras de toda a sua família.
No dia 15, em que S. S. M. M e A. A. chegaram a Guimarães, foi o regedor
desta freguesia, em nome dos regedores e juízes eleitos, entregar a S. Exª o
Duque de Saldanha a participação de que aqui se achava tudo aprestado para a
recepção de S. M.. Sua Exª recebeu com urbanidade informando-se do estado do
caminho e o tempo que empregaria na jornada; respondeu que a visita de S. M.
teria lugar hoje, pelas 7 horas da manhã; recobraram os preparativos, e todos
ansiosos esperavam tão feliz momento; às horas precisas fizeram postar os
foguetes que haviam de dar sinal, porém como os indivíduos encarregados não
conhecessem, e viessem o ajudante Vasco Guedes com ordenança que se dirigia
para a sua casa da Costa, deram o sinal ao que repicaram as torres e subiram ao
ar grande número de foguetes, porém chegando o sobredito ao lugar da Pedra
Longa, e vendo tão crescido número de povo apinhado ansioso por vitoriar S. M.,
disse que S. M. já havia passado a Madalena para baixo e que não vinha aqui!
A desesperação manifestou-se em todos os semblantes, e a todos os
indivíduos se ouvia dizer de que o Duque trazia S. M. enganada e se estes povos
tivessem alguma dedicação pelo Duque, toda perdia por este facto; tanto mais
porque não houve participação oficial de que S. M. havia tomado outra
deliberação. A música tocou constantemente o hino da rainha e de El-rei D.
Fernando e outras variadas peças; foram levantados vivas a S. Majestade a
Rainha, a El-rei e Família Real. Mr. Wilby convidou o presidente da comissão,
alguns membros e outros amigos para o almoço que havia preparado, saindo todos
que receberam esta honra penhorados pelas maneiras agradáveis da Srª Sara Wilby
e suas interessantes meninas, findo o qual, tanto os convivas como a família,
vieram gozar à Lameira o fresco da manhã debaixo do arvoredo para ouvir a
música e acompanhá-la até à ponte das Caldas e diversos sítios aonde foi tocar,
minorando desta sorte a impressão que havia causado nos ânimos de todos,
privados de receber a visita dos Augustos Viajantes.
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