Efeméride do dia: Entre chás dançantes, nasce o Asilo de Santa Estefânia

D. Estefânia (1837-1859)
24 de Maio de 1858
À noite teve a Sociedade Recreativa Vimaranense grande reunião, na casa dos Pombais,  ainda para isso concedida pelo Ex.mº Francisco António da Silveira, para o fim de eleger a comissão promotora da instituição do Asilo de Infância Desvalida, denominado Santa Estefânia, Amor de Deus e do Próximo. Reunidos os sócios e suas famílias, em grande número, passou-se a votação para presidente, vice-presidente, secretários, tesoureiro e quatro vogais. E porque no apuramento dos votos se encontrassem muitas listas com nomes de senhoras, resolveu a sociedade que fossem recebidos, para deles se colher as quatro mais votadas, que em resultado foram: Condessa de Vila Pouca, D. Maria Constança Martins de Queirós, D. Maria da Conceição do Amaral e Nápoles, D. Luísa Ludovina Martins da Costa, esposa de Henrique Cardoso de Macedo; Presidente: Rodrigo de Sousa Teixeira da Silva Alcoforado; Vice-presidente: Luís Martins da Costa, Secretários: Francisco  Martins de Gouveia Morais Sarmento e Francisco António de Almeida; Tesoureiro: José Custódio Vieira; Vogais: padre Joaquim José de Sousa Marinho, dr. António Alves Caneiro, Francisco José Pereira Basto e João de Castro Sampaio. Publicada a eleição foi recebida com estrondosos aplausos subindo ao ar grande quantidade de foguetes. Seguiu-se o chá e o baile, etc. "A Tesoura de Guimarães" nº 173.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 174 v.)

A Sociedade Recreativa Vimaranense foi instituída em Guimarães no primeiro dia do ano de 1850. Costumava organizar bailes e outros eventos festivos, que, regra geral, tinham lugar na Casa dos Pombais, de Francisco António da Silveira. A última referência a esta colectividade de recreio foi um baile de máscaras que teve lugar no dia 1 de Fevereiro de 1863. Para o futuro ficaria uma instituição assistencial que nasceu no seu seio, o Asilo de Infância Desvalida de Santa Estefânia.
No dia 19 de Maio de 1858,foi recebida em Guimarães a notícia da chegada a Portugal da princesa alemã Stephanie Josepha Friederike Wilhelmine Antonia von Hohenzollern-Sigmaringen. Era a nova rainha de Portugal, D. Estefânia, que se casara em Berlim, por procuração, com o rei D. Pedro V, no dia 28 de Abril daquele ano. Os festejos em Guimarães respeitaram os velhos usos. Quando o sino anunciou o meio-dia, fez-se ouvir uma salva de 21 tiros, um bando saiu a percorrer as ruas de Guimarães, com as bandeiras nacional e do município e acompanhado por uma guarda de honra do Regimento de Infantaria n.º 8 anunciado a nova e proclamando festivos os três dias seguintes.
No dia 21, como no dia antecedente, os sinos das torres tocaram em festa, houve fogo de artifício e música a percorrer as ruas. Nessa noite, a partir das 21 horas, houve baile da Sociedade Recreativa, na Casa dos Pombais. Foi aí que surgiu a ideia de fundar um asilo para a infância desvalida.

Às 9 horas da noite reuniram-se os sócios da Sociedade Recreativa Vimaranense e suas famílias na casa dos Pombais. A iluminação começava às portas de ferro, seguia pela longa rua de elevada murta, largo da entrada, escadório, pátio, janelas e fachadas da mesma casa, causando, de longe, a vista mais agradável, mais deslumbrante. Às 10 horas estavam as salas cheias, e então, reunidas as senhoras na terceira sala do lado que olha para o sul, mais que as outras ricamente mobilada, e toda forrada de damasco, se descobriu, ao som do hino real, o retrato de S. M. El-rei, colocado sobre o trono, e a luminosa legenda - "PEDRO e ESTEFÂNIA" - que foi saudado com entusiásticos vivas, dentro e fora do edifício, pela multidão de povo que aqui se achava.
Não longe das onze horas deu-se o chá, que foi servido com magnificência. Findo este acto, o ilustre e digno sócio Francisco António de Almeida, fez uma breve alocução e a comissão promotora distribuiu impressa, a que abaixo se lê:
Exmas. Snras. e Ilmos.º Srns.
O objecto que motivou esta nossa reunião, dando com ela um sinal de regozijo, é digno de uma demonstração mais sublime, mais sólida e que, eternizando-o, eternize juntamente os nomes de todas as damas e cavalheiros que estão presentes e de todos aqueles que para ele concorrerem.
A nossa demonstração de regozijo na actualidade, é limitada ao que o tempo e as nossas poucas forças permitiram se fizesse; mas é uma demonstração que morre com a retirada para nossas casas. A demonstração de regozijo que eu tenho a honra de vos propor, pelo mesmo objecto que aqui nos trouxe, é o brasão mais brilhante com que podeis adornar as fronteiras das vossas habitações; é um brasão que deslumbra e aniquila quantos brasões tem havido, há e possam haver até à consumação dos séculos, é o brasão do Amor de Deus e do Próximo, brasão que nada deixa a desejar.
Chora-me o coração e os vossos não hão-de chorar menos, ao ver a compungente nudez com que imensidade de inocentes dormem ao rigor das estações, sem abrigo, sem vestuário, sem sustento e sem educação. Torna-me a verter lágrimas o coração, e os vossos também hão-de verter, ao ver o decrépito velho, arrastando um corpo, quase inanimado, por essas ruas, para esmolar de porta em porta o amargo pão com que vai amparando esses poucos dias de existência que lhe restam, e que tão penoso se lhe torna pela sua miserável posição.
Que satisfação, que glória não caberá aos promotores de um asilo para a infância desvalida, ou para a mendicidade! Como não ficará eternizado um tão fausto dia! Que bênçãos não derramará o Senhor sobre seus instituidores que se lembraram dele, lembrando-se do próximo. Promovamos, pois, um asilo tão pio, instituamos por sua protectora S. M. F. a Srª D. Estefânia, Rainha de Portugal, e seja este pio estabelecimento denominado - Asilo de Santa Estefânia Amor de Deus e do Próximo.
Neste respeitável companhia há cavalheiros digníssimos para formar uma comissão promotora, a fim de levar a efeito, dando impulso a um tão pio estabelecimento. Avante, pois, com tão sublime empresa! É uma instituição piíssima.
Estou certo que a nenhum dos abastados proprietários e capitalistas, em que esta terra abunda, há-de tremer a mão ao dar a esmola para um tão justo fim; pelo contrário, seus caritativos corações hão-de receber o pasto mais agradável de toda a sua vida.
Se este meu projecto merecer a vossa benévola aprovação, desde já peço se nomeie a comissão.
Como me não posso oferecer com meios pecuniários, ofereço-me para gratuitamente ensinar, enquanto no Asilo não houver Mestre, seis dos primeiros meninos que entrarem, além de dois que tenho desde que abri o meu estabelecimento.
Francisco António de Almeida.
O pensamento foi recebido com aplausos gerais, mas a nomeação da comissão ficou transferida, não obstante os esforços de um mui distinto cavalheiro, que não sofre dilação nas obras meritórias. Perto da meia noite começou o baile terminando depois das cinco e meia da manhã. O doce mais delicado, os fiambres, cremes, gelados, manjares e vinhos preciosos, etc., etc., etc., foram servidos com tal profusão, que os tabuleiros já saíam da sala intactos.
A Tesoura de Guimarães, nº 172, 25 de Maio de 1858.

No dia 10 de Julho daquele ano, as comissões promotoras da iniciativa escreveram a D. Pedro V, saudando-o pelo seu casamento e dando-lhe conta do projecto de criação do asilo, requerendo que fosse aprovado o pedido de cedência do convento de S. José do Carmo para o instalar.
Nos anos que se seguiriam, iria trabalhar-se na recolha de fundos para concretizar esta ideia, nomeadamente com a organização de bazares de prendas na Casa do Toural.

No dia 27 de Agosto de 1862, a comissão instaladora do Asilo de Santa Estefânia tomou posse do Convento do Carmo. A sua inauguração aconteceria no dia 16 de Julho de 1863. Homenageia a rainha D. Estefânia, que falecera no dia 17 de Julho de 1859, pouco mais de um ano após a sua entrada festiva no reino de Portugal.

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