A seguir, eles vão proibir o futuro

Alunos das Escolas Centrais de Guimarães, no início do séc. XX

Quem se habitua a alimentar o espírito com leitura sã e profícua, deserta da taberna, da espelunca, evita a prática do crime. A ignorância, o jogo, a embriaguez - eis três grandes motores do crime, que a instrução directamente combate; o suave prazer do espírito na conquista do saber, a educação de aptidões inatas no exercício de qualquer profissão, os produtos do trabalho aumentando de preço ou de extracção, e chamando a opulência ou o bem-estar onde reinara a penúria - eis algumas das consequências benéficas da instrução bem dirigida.

O que acabou de ler foi escrito em 1884 por Avelino da Silva Guimarães e vem publicado no primeiro número da “Revista de Guimarães”. É a expressão do pensamento de uma geração de intelectuais vimaranenses que foram obreiros do processo que, em finais do século XIX, pôs Guimarães trilhar o caminho da modernidade. Aqueles homens sabiam que a instrução é um factor de progresso, mas não se ficaram pela formulação teórica dessa ideia, como provavelmente se esperaria de intelectuais originários duma elite de gente bem instalada na vida. Meteram as mãos à obra. Criaram a Sociedade Martins Sarmento e com ela uma escola. Reivindicaram uma escola industrial para Guimarães. Trabalharam pela instalação do ensino liceal. Trouxeram para o nosso concelho as escolas móveis, que levavam o ensino das primeiras letras no mundo rural. Entendiam a instrução e a cultura como meios propiciadores da elevação social e económica de uma cidade, de uma região, de um país. Não foi por acaso que os esforços educativos da Sociedade Martins Sarmento se dirigiram, preferencialmente, para os operários e industriais. Aqueles homens sabiam que, com uma melhor formação teórica e prática, aqueles profissionais ficariam mais aptos para concorrerem num mercado cada vez mais exigente e competitivo.

Bem mais de um século depois, o pensamento daqueles vimaranenses continua pleno de actualidade. Nas últimas quatro décadas o investimento na educação produziu resultados que tendemos a não valorizar suficientemente. Para o perceber, basta ver a melhoria dos resultados alcançados pelos estudantes portugueses na disciplina de Matemática: segundo os resultados dos estudos internacionais, Portugal já está à frente de países como a Alemanha. A um outro nível, sobressai, por exemplo, o notável crescimento de textos de cientistas portugueses citados internacionalmente, um indicador que serve para aferir a qualidade e a quantidade da produção científica. Estes indicadores, como muitos outros, revelam que Portugal tem vindo a seguir no caminho certo, fazendo um esforço de investimento na Educação. Porque a Educação é garante de desenvolvimento.

Mas, de repente, tudo parece ter mudado. Num país que passou a ser governado por tecnocratas sem ligação à realidade terrena e dominados pela obsessão do combate ao défice, assistimos a um ataque sem precedentes à escola pública, com a imposição de um conjunto de medidas que não têm qualquer preocupação de natureza pedagógica e que apenas visam um propósito: cortar, cortar, cortar. Estamos em presença de um retrocesso civilizacional sem precedentes, ditado de fora e levado à prática por governantes obstinados, que fazem cortes cegos, sem qualquer sombra de sensibilidade social e com uma estratégia de comunicação desastrosa (por vezes, os anúncios de medidas que vão ser tomadas têm sido mais daninhos do que as medidas em si).

Neste jogo de desconstrução de um modelo de sociedade erguido ao longo de várias décadas, o sector da Educação tem sido particularmente visado.

A propósito dos gastos com a Educação em Portugal, não faltam argumentos falaciosos a serem esgrimidos pelos açougueiros que nos governam. Dizem que, agora, temos menos alunos, mais professores e mais despesa com a educação do que antes. Tudo isto é falso, como o demonstram as estatísticas. Para desmontar a falácia das “gorduras” do sistema educativo, basta atentar em alguns números.

Em 1970, a escolaridade do 2.º ciclo apenas abrangia 14,4% da população portuguesa. Em 2011, abrangia 92,1%. Os indivíduos com nível de escolaridade do ensino secundário passaram e, eram menos de 4 em cada 100, em 1970 para mais de 70 em 2011. A percentagem do PIB dedicada à educação em 1972 era de 1,4%, enquanto que em 2010 era de 5,0%. Estes indicadores ajudam a explicar a verdadeira revolução tranquila e quase sempre silenciosa ocorrida no sistema educativo português ao longo das últimas quatro décadas.

No ano de 2011, a percentagem do PIB gasto com a despesa pública com a Educação esteve em níveis substancialmente inferiores aos de 2001. No entanto, apesar de em 2011 haver menos professores nas escolas, havia mais alunos a frequentá-las do que em 2001.

Em 2012 o desinvestimento na educação foi ainda maior, com uma queda de 25% em relação a 2010. E, se em 2013 está a ser o que se vê (em percentagem do PIB para a Educação, já estamos ao nível da Indonésia), o que se anuncia para 2014 é a aceleração da tendência dos últimos anos. Não é possível continuar por este caminho, sob pena de se destruir irremediavelmente o sistema educativo público português.

Os vimaranenses de 1884 sabiam que a Educação bem dirigida induziria o progresso, a riqueza e a inclusão social. Mal dirigida, induz o retrocesso, o empobrecimento e a exclusão social. Será que custa assim tanto a perceber?

[Texto publicado no jornal O Povo de Guimarães, edição de 24 de Maio de 2013]

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