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Grotesco do lado voltado a norte da torre da Igreja da Calegiada de Guimarães |
A propósito do
que escrevi na efeméride de hoje, o meu amigo Pedro Morgado deixou no Facebook
o comentário que aqui reproduzo, com a devida vénia:
Vou cometer a
ousadia de comentar um texto de quem sabe muito mais do que eu sobre o assunto.
Contudo, creio que a Sé de Braga é bem anterior a essa data e este quase sempre
em obras. O que estranho é que, tantos séculos depois, ainda se mantenham
alguns costumes tão pouco inteligentes de parte a parte.
Como acho que
esta questão tem algum interesse, partilho aqui a resposta que deixei no mesmo
sítio:
Meu caro Pedro
Morgado,
Não há ousadia
nenhuma, até porque acerca da Sé de Braga sei o que todos sabemos. Repare que
eu não disse que a Sé de Braga foi feita em 1213, assim como não disse que as
quezílias brácaro-vimaranenses começaram naquela data. Sabemos que a Sé de Braga
começou a ganhar a forma que lhe conhecemos no último quartel do séc. XI, com obras
que se estenderam, pelo menos, até bem andada a segunda metade do séc. XIII.
Sabemos também que as disputas entre Guimarães e Braga começaram bem antes da
data da Bula de Inocêncio III. É por isso que eu digo que, mais arroba menos
quintal, o antagonismo é tão velho como a Sé de Braga.
No entanto, não
me parece que estes velhos costumes sejam sinal de falta de inteligência
(embora algumas das manifestações que têm originado o sejam, manifestamente).
Entendo que fazem parte na nossa idiossincrasia e que dão um certo colorido à
paisagem humana do Minho. Nós, por aqui, não somos 'minhotos' no mesmo sentido
em que os de Trás-os-Montes são 'transmontanos, os do Alentejo são
'alentejanos' ou os do Algarve são 'algarvios'. Nestas terras do Minho, o
sentimento de pertença local prevalece: nós somos, acima de tudo, bracarenses
ou vimaranenses. Entendo também que esta rivalidade tem sido, há muito tempo,
usada como argumento reivindicativo tanto de Braga como de Guimarães em relação
aos poderes centrais, e que tem aproveitado ambas as partes. Dou um exemplo:
aqui há uns anos, Sócrates, então PM, anunciou que o Instituto Ibérico de
Nanotecnologias ia ficar próximo da Universidade "de Braga". O lapsus linguae de alguém que nunca se
enganava, foi aproveitado inteligentemente pelo dinossauro de Braga, que logo
se mexeu para que o que era para ser na Universidade do Minho fosse para Braga.
Do lado de Guimarães, deram-se sinais de insatisfação, que podem ser traduzidas
num. "então e nós? também queremos!". Vai daí, receberam uma CEC como
brinde do bolo-rei. Nessa altura, foi a vez de em Braga se dizer exactamente o
mesmo, com o sucesso conhecido: foi para lá a Capital Europeia da Juventude
que, se não é a mesma coisa que uma CEC, não deixa de ser um contrapeso
interessante. Ora diga-me lá se isto é pouco inteligente de parte a parte?
Mas há, tem
razão, práticas bem pouco inteligentes, muitas vezes subscritas por pessoas
inquestionavelmente inteligentes, mas que tendem a perder a lucidez e a
deixar-se cegar pela paixão quando se entra na dimensão futeboleira. E isto
dá-se de ambas as partes.
Dou um exemplo
recente: há incidentes que a todos nos deviam envergonhar no estádio D. Afonso
Henriques no início de um jogo entre os principais clubes das duas terras. E os
comentários, logo tratam de dividir os adeptos em anjos (os "nossos")
e demónios (os "outros"), quando é absolutamente manifesto que
naquela história não há anjinhos e que actos como aqueles deveriam ser
condenados em absoluto, sem tentativas de explicação manifestamente
maniqueístas.
Dou outro
exemplo: depois de um jogo de futebol, à saída de Braga, um autocarro de um
clube (se bem me lembro, do Benfica) foi apedrejado, num acto de vandalismo
criminoso que só por acaso não terá tido consequências funestas. Logo em
seguida, não faltaram dedos apontados ao vizinho que estava em sossego do outro
lado da Morreira. Teria sido ele, só poderia ser, o autor de tal atentado, uma
vez que "os nossos" são gente incapaz de tais actos. E, tivesse o
caso acontecido em terras de Guimarães, é bem possível que se arranjassem
explicações semelhantes.
Tirando esta
vertente, que remete para a irracionalidade, vamos olhando para os
desenvolvimentos do conflito entre Guimarães e Braga, que é tão velho como a Sé
bracarense, com ironia e algum divertimento. As picardias que vamos trocando
servem para nos animar um pouco nestes dias cinzentos como chumbo, apesar do
azul do céu.
(O texto que
acompanhava a efeméride que escolhi para hoje levava, confesso, uma dose
homeopática e fraternal de veneno. A resposta que recebi, que não deixa de ser
merecida, é um sinal deste nosso velho entretimento lúdico que, não sabendo
explicar porquê, tenho a sensação de que do lado de Braga é levado mais a sério
do que em Guimarães, onde é encarado com mais sentido de humor e auto-ironia.)
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