Milagre de S. Nicolau |
Em 1882, os festejos dos
estudantes a S. Nicolau foram modestos, tendo sido promovidos pelos estudantes
de instrução secundária do Instituto Escolar da Sociedade Martins Sarmento.
A chuva também não ajudou. Houve bando, que foi lido por João Maria
Peixoto de Carvalho do Amaral e Freitas. Não conhecemos nem o texto, nem o seu
autor.
Em 1883, os organizadores das festas voltaram
a ser os jovens estudantes da SMS. Houve bando, tendo-se repetido a declamação
do de 1852, do Cónego Oliveira Cardoso, e... pouco mais. O pregoeiro foi Joaquim
Justiniano de Araújo Leão Martins.
No ano seguinte, as festas continuavam agónicas.
Houve bando no dia 5, desconhecendo-se texto, autor e pregoeiro.
Depois,
seguir-se-iam 10 anos sem as festas dos estudantes a S. Nicolau. Regressam em
força em 1895. E voltou o pegão, o primeiro escrito pelo poeta Bráulio Caldas.
A celebração do dia 5 de Dezembro foi assim descrita pelo jornal Religião e Pátria:
Depois, o bando, muito bem posto, troando à sua frente dezenas de
tambores. É de Bráulio Caldas a poesia, fina de graça, e de dicção, rica de
imagens e de galanteria. Recitava-o o académico Jerónimo Sampaio, e força é
dizer que os graciosos versos de Bráulio Caldas não poderiam encontrar melhor
intérprete.
O pregão de 1895 é inovador, afastando-se das fórmulas que até aqui eram usuais, passando a cumprir uma função de crítica satírica aos tempos que se viviam.
BANDO ESCOLÁSTICO DA FESTA
ACADÉMICA
O S. NICOLAU EM GUIMARÃES
RECITADO EM 5 DE DEZEMBRO DE 1895
Por
Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio
D. VIRGÍLIO
MARONIS, FRANCISCO BANDARRA DE PÂNDEGA E BREZUNDELLA, por sua majestade d.
Xinfrim Banzé, juiz perpétuo da confraria de S. Nicolau de Guimarães, GOVERNADOR
in partibus da briosa mocidade académica; POETA dos três costados; ESCRITOR
honorário de várias associações científicas e literárias; TESOUREIRO substituto
da Associação de Socorros-Mútuos Rabelais, Simão Simões & C.ª;
CAMAREIRO-MOR da Sociedade do belo sexo; MOÇO FIDALGO do paço das Penúrias;
PRESIDENTE EFECTIVO da sociedade do Sem Vintém; ENGENHEIRO director da grande e
importante fábrica da Cabala & &
Mando a
todos os súbditos académicos presentes e futuros, antigos e modernos
Que se faça
cumprir; mas sob o meu comando
As
prescrições da lei deste solene bando.
Prevenção:
vou falar e todos tenham brio
De ouvir com
a atenção, sem mais ninguém dar pio.
Eu faço aqui
lembrar o antigo chafariz…
Quem estudante
não é não mete aqui nariz.
Se o contrário
fizer damos-lhe na pavana
Como galhardo fez ao negro Gungunhana.
Ó grande
Nicolau da Lícia filho amante.
Das virgens
protector, amigo do estudante.
- Tu és
maior no céu que o grande taumaturgo,
Na terra
muito mais, (aqui no nosso burgo).
Por isso ó
muito amado, em nós tens um sacrário,
Havemos de
fazer-te, em breve, um centenário.
Salvé ó
Guimarães; herói de antigas eras!
É teu este
festim das nossas primaveras.
D. VIRGÍLIO
descera as entranhas da tumba
Ressuscitando
a festa a toques de zabumba.
Há dez anos
que estará a pobre, sem alento!...
Arquivada,
entre o pé das fólios da sarmento!
Fez vigorar
as leis, costumes, palavrórios
Do antigo
Estatuto e de antros papelórios.
Mas para que
nunca mais se esqueça o festival
Ordena D.
Virgílio a luta eleitoral.
E renhida e
sangrenta!... em votos guerreados
Como a
eleição geral dos nossos deputados.
Eu mando
reformar o Código Civil,
Aos artigos
da posse hei-de acrescentar mil.
*
Em posse
ficará, depois de lauta ceia
Dançarem uma
valsa ao club e à assembleia.
O místico
estudante, o triste visionário
Há-de cantar
à noite a fado do Hilário
Enquanto
alegres nós, dançamos, sem vintém
Uma valsa de
Strauss e outra de Chopin,
Será posse
cumprir com alma e coração
A nova lei
que manda a lei da instrução.
A grande lei
de quatro e de noventa e cinco,
- D.
Virgílio é quem manda e manda com afinco.
Pois quando
ele ditara a magna lei de bronze
Pensava em
quatro ou cinco em entre dez e onze...
Em posse
ficará fazer uma postura
Para
iluminar a azeite a triste rua Escura.
Musas de
Anacreonte - abri-nos os salões
E reserva o
Champanhe em doces libações...
Confeitos e
missanga e o fino puro e terno
Que, Horácio
tanto amou nas vinhas de Phalerno.
Para que nós
sem perder o tino à galhofeira
Possamos dar
mais brilho à nossa brincadeira.
Hoje, o
Compêndio audaz, que nos atroa e massa,
Recolhe-se a
quartéis, connosco não faz praça.
A Gramática,
esbelta e cheia de quindins,
Faz oração
mental... não entra nos festins.
O Cornélio e
o Fedro e outros figurões
Dormem a
sono solto ao lado de Camões.
As ciências
naturais e o X da Matemática
Deixam ficar
em zero a sua dogmática.
A
Literatura, a História e a Filosofia
Foram comer
marisco ali ao Zé Maria.
E o Velho, -
o Latim, de barbo amarelada,
De óculos a
meio pau, fungando uma pitada,
Remorde-se
de inveja e cheira e faz pirraças
Ao discípulo
que toca e dança e diz chalaças.
Tricanas,
colibris das fábricas de linho
Vinde ouvir,
sem temer, a voz do meu carinho.
Se já perdeu
de moda a música e o canto
Das notas
magistrais do tal carvalho santo.
Vinde ver,
adorar, num largo prazenteiro
Como está
levantado o nosso bom pinheiro.
Um pinheiro
elegante, esbelto e de arrebiques
Tal como a
pedestal de D. Afonso Henriques.
O pinheiro
maior, o mastro mais gigante
Que ao longe
e ao largo canta a festa do estudante.
*
Vós,
senhoras gentis, de pura e fina raça.
Fidalgas de
solar, cheios de mimo e graça.
Vós todas, ó gentis da terra, que adoramos,
Escutai,
recebei o brinde que vos damos.
Reparai como
canta amor e amizade.
O grupo
juvenil da nossa mocidade.
É posse, é
obrigação dar-vos as maçãzinhas.
Esses pomos
de amor, perfeitos, coradinhas.
Essa prenda
que vai na lança de Cupido
Ferir o
coração mais duro o ressequido.
Mas, em
troca, gentis, volvei um terno olhar
Para estes
Romeus que vivem do luar...
Nóss vivemos
na Lua a cantar madrigais
E andamos
por aqui, gastando o cobre aos
pais,
Mas… perdão…
nossos pais já foram como nós
E a História
não mentiu; já fala dos avós!
Rostos de
branco e creme - ó magnólias puras
Que
perfumais nossa alma! ó anjos, ó venturas.
No meigo
azul o sol rebrilha para amar-vos,
E nós, como
rivais, sonhamos para dar-vos
Um palácio
primor, feito de crisântemos!
Embalado na
brisa, onde vos adoremos.
Iguarias de
amor em esplêndidas faianças
De rosas e
lilás, de sonhos e de esperanças!...
Agora, um
terno adeus, chora ao longe a saudade,
Ao descer ao
Poente o sol da mocidade!
Companheiros
– partir… que rufem os tambores,
Saudemos
Guimarães, este jardim de flores.
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