Iniciamos hoje neste espaço a publicação da
obra completa conhecida do poeta da língua
farpada
António Lobo de Carvalho (Guimarães, 1732 – Lisboa, 1787).
Poeta de Guimarães, pelo nascimento, António Lobo
de Carvalho produziu uma obra que ocupa um espaço ímpar na poesia em língua
portuguesa. Segundo Natália Correia, “o lirismo negro português é-lhe credor
das melhores páginas do género que se não desbrilham quando confrontadas com a
de Bocage”.
Composta por poesias de carácter satírico, com manifestas
inclinações eróticas e burlescas, mas de onde estão ausentes páginas de sátira
política, a sua obra foi publicada dispersamente e há muito que se
encontra praticamente inacessível.
Em cada dia dos próximos meses, iremos colocar
aqui um poema daquele a quem Camilo classificou de ave rara.
Boas festas do Natal ao Il.mo D. Gastão José da Câmara
Coutinho.
Que festas se hão-de dar, Gastão
amado,
Por baixo de água, que onde quer
faz poça,
Sem botas, sem gabão de saragoça,
Chapéu que suba e desça
acabanado?
Que aflito saltará taful rafado
Pegajosos montões de lama grossa,
Da rua vendo a mesa onde se
almoça
Biscoito leve em ponche
carregado?
Se há tal, que ao Isidro oferece
os calções de anta,
E por não ter vintém cheira os
espetos,
Lava os dentes à vista, e diz que
janta!
Assim sou eu, assim serão meus
netos:
Que mais vale, senhor, na festa
santa
Desmanchar porcos, que fazer
sonetos.
Gastão José da Câmara
Coutinho, a quem este soneto é dirigido, nasceu em 1722. Fidalgo, detinha,
entre outros títulos, o de senhor das Ilhas Desertas, senhor da
Casa da Torre e morgado de Punhete. Este soneto tem uma intenção recorrente na
obra de António Lobo de Carvalho, poeta que vivia atormentado pelas urgências
terrenas engendradas pela falta de dinheiro. O fidalgo a quem se dirige, e a
quem se dirigirá mais vezes, contava-se entre os seus protectores, cujos favores
o Lobo agradecia com sonetos. Neste caso, estará a pedir o usual: jantares e roupa nova.
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