Pregões a S. Nicolau (39): 1868 (post scriptum)

Festa de S. Nicolau (1663), do pintor holandês Jan Steen

Para percebermos o que acontecerá no ano de 1870, no que toca às festas dos estudantes a S. Nicolau, faz sentido regressar um pouco atrás, ao ano de 1868. Na tarde do dia 6 de Dezembro desse ano, dia da entrega das maçãs (que aconteceu de manhã), saíram à rua as danças, com “dois bailes e algumas exibições”. Na edição jornal Religião e Pátria que saiu no dia 9, a notícia sobre os festejos da academia vimaranense desse ano terminava assim:

Destas [exibições] tornou-se notável a que aludia ao passado esplendor destes folguedos, e à palpável decadência deles nestes últimos anos. Vestiam de luto alguns mascarados, acompanhando, de archotes acesos, campainhas soando lugubremente e tambores cobertos de crepe, um carro em que vinham outros mascarados, um dos quais recitava uma poesia que vai publicada em outro lugar.
Esta exibição, mal interpretada, ofendeu algumas briosas susceptibilidades, que à noite se apresentaram na rua recitando uns versos insultantes e desbragados. A autoridade, conhecedora disto, interveio, fazendo recolher os que por este modo andavam provocando desordens. Honra lhes seja por isso,
E deste modo finalizaram os folguedos escolásticos que, como se vê, tiveram este ano mais animação que nos anos anteriores.

Estavam lançadas as sementes da dissensão que se iria manifestar em 1870.
A poesia de que fala a notícia do Religião e Pátria é a que vai abaixo, versando um tema que será recorrente ao longo das décadas seguintes: a iminência da morte das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau.

À mortal decadência
da festa do S. Nicolau

Por entre as alas de inquietos vultos,
Que evocam do sepulcro a grã princesa,
Escoam estas sombras, não sepultos
Os restos dessa antiga realeza…

Sabeis já quem morreu...? oh! sim foi ela!!
A virgem coronal, a Virgem bela!

Nascida da ciência e da alegria,
Viu tronos baquear, gemer reinados;
Viu à pátria faltar a luz do dia,
Viu sábios a correr de alienados;
Viu guerras devastar o pátrio solo,
E a virgem não caiu... ergueu seu colo!

Mas ai! festa escolar, por ti, amor,
Tributo de saudade o peito anima;
Tristonho funeral, intensa dor
A sorte que tiveste aqui lastima!
= Mas se além do sepulcro alta nobreza
Te cabe inda por glória do passado,
Não queiras lá na campa uma vileza,
– Da terra ergue teu braço descarnado,
E mesmo morta, repele, ò cara amante,
Profano versejar de algum pedante!
– Se a frase lhes doer, tenham paciência;
É a mágoa, é o orgulho da ciência!

Os filhos de Minerva, a morte escura,
Com duplicado dó vão prantear;
Às damas que os amavam com loucura
Seu delirante amor patentear,
E a ti flor de lágrimas formada,
Que por eles, qual foste, inda és amada!
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Vós, gémeas da beleza, sabeis quanto
Era o afecto nosso deste dia…?
Por certo não esqueceis, lembrais o encanto,
“Onde o menino as almas acendia”.
Pois tudo tem seu fim; a lei mesquinha.
Nem os pastéis poupou da Joaninha!
Lá se vai de maçãs a grata oferta
Em que amor os segredos ocultava!
Não se lembra, menina, há-de estar certa
Do que dentro do pomo se encontrava?
Pois até nos vão levar este caminho,
Por onde a pega já fez e faz seu ninho!
…………………………………………

Correi por esta festa já mirrada
Ò tristes, bem sentidos prantos meus;
Carpideiras, erguei voz magoada,
– À virgem coronal dizei… adeus!
Tambores esconjurai quem à finada
Vier prantos votar de fariseus,
Que na campa em palmito, tem capela
Quem como ela viveu, morreu donzela!

O Vimaranense, n.º 545, 7.º ano, Guimarães, 11 de Dezembro de 1868


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