Festa de S. Nicolau (1663), do pintor holandês Jan Steen |
Para
percebermos o que acontecerá no ano de 1870, no que toca às festas dos estudantes
a S. Nicolau, faz sentido regressar um pouco atrás, ao ano de 1868. Na tarde do
dia 6 de Dezembro desse ano, dia da entrega das maçãs (que aconteceu de manhã),
saíram à rua as danças, com “dois bailes e algumas exibições”. Na edição
jornal Religião e Pátria que saiu no dia 9, a notícia sobre os festejos da
academia vimaranense desse ano terminava assim:
Destas [exibições] tornou-se notável a que aludia ao passado esplendor destes folguedos, e à
palpável decadência deles nestes últimos anos. Vestiam de luto alguns
mascarados, acompanhando, de archotes acesos, campainhas soando lugubremente e
tambores cobertos de crepe, um carro em que vinham outros mascarados, um dos
quais recitava uma poesia que vai publicada em outro lugar.
Esta
exibição, mal interpretada, ofendeu algumas briosas
susceptibilidades, que à noite se apresentaram na rua recitando uns versos
insultantes e desbragados. A autoridade, conhecedora disto, interveio, fazendo
recolher os que por este modo andavam provocando desordens. Honra lhes seja por
isso,
E deste modo
finalizaram os folguedos escolásticos que, como se vê, tiveram este ano mais
animação que nos anos anteriores.
Estavam
lançadas as sementes da dissensão que se iria manifestar em 1870.
A
poesia de que fala a notícia do Religião e Pátria é a que vai abaixo, versando
um tema que será recorrente ao longo das décadas seguintes: a iminência da
morte das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau.
À mortal decadência
da festa do S. Nicolau
Por entre as
alas de inquietos vultos,
Que evocam
do sepulcro a grã princesa,
Escoam estas
sombras, não sepultos
Os restos
dessa antiga realeza…
Sabeis já
quem morreu...? oh! sim foi ela!!
A virgem
coronal, a Virgem bela!
Nascida da
ciência e da alegria,
Viu tronos
baquear, gemer reinados;
Viu à pátria
faltar a luz do dia,
Viu sábios a
correr de alienados;
Viu guerras
devastar o pátrio solo,
E a virgem
não caiu... ergueu seu colo!
Mas ai!
festa escolar, por ti, amor,
Tributo de
saudade o peito anima;
Tristonho
funeral, intensa dor
A sorte que
tiveste aqui lastima!
= Mas se
além do sepulcro alta nobreza
Te cabe inda
por glória do passado,
Não queiras
lá na campa uma vileza,
– Da terra
ergue teu braço descarnado,
E mesmo
morta, repele, ò cara amante,
Profano
versejar de algum pedante!
– Se a frase
lhes doer, tenham paciência;
É a mágoa, é
o orgulho da ciência!
Os filhos de
Minerva, a morte escura,
Com duplicado
dó vão prantear;
Às damas que
os amavam com loucura
Seu
delirante amor patentear,
E a ti flor
de lágrimas formada,
Que por eles,
qual foste, inda és amada!
…………………………………………
Vós, gémeas
da beleza, sabeis quanto
Era o afecto
nosso deste dia…?
Por certo
não esqueceis, lembrais o encanto,
“Onde o
menino as almas acendia”.
Pois tudo
tem seu fim; a lei mesquinha.
Nem os pastéis
poupou da Joaninha!
Lá se vai de
maçãs a grata oferta
Em que amor
os segredos ocultava!
Não se
lembra, menina, há-de estar certa
Do que
dentro do pomo se encontrava?
Pois até nos
vão levar este caminho,
Por onde a
pega já fez e faz seu ninho!
…………………………………………
Correi por
esta festa já mirrada
Ò tristes,
bem sentidos prantos meus;
Carpideiras,
erguei voz magoada,
– À virgem
coronal dizei… adeus!
Tambores esconjurai
quem à finada
Vier prantos
votar de fariseus,
Que na campa
em palmito, tem capela
Quem como ela
viveu, morreu donzela!
O Vimaranense, n.º 545,
7.º ano, Guimarães, 11 de Dezembro de 1868
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