Primeira página do jornal O Vimaranense de 2 de Maio de 1862, onde se dá a primeira notícia dos acontecimentos de 28 de Abril daquele ano. [tocar na imagem apraampliar] |
28 de Abril de 1862
Lê-se num periódico de 2 de Maio, o seguinte: “28
de Abril, 2ª feira, Guimarães. Esteve por 4 horas entregue à desordem e à
anarquia, porque José Inácio (de Abreu Vieira) excedeu-se no lançamento das
contribuições e não quis atender as reclamações dos contribuintes. Para salvar
papeletas que representariam o trabalho de um conto de réis, esteve em risco de
serem assaltadas as casas, queimados os arquivos das repartições e de se
atentar contra as próprias vidas, o que foi pouco prudente. Além disto houve
improvidência no motim, porque 3 dias antes do acontecimento todos ouviam dizer
que o povo se preparava para vir queimar as matrizes, e pelo menos neste dia
28, pela manhã, sabia-se que estavam reunidos nas Caldas das Taipas para este
fim, e tanto receio havia que as matrizes foram, pelo escrivão da fazenda,
guardadas na véspera à noite, e, pela manhã, marcharam alguns emissários às
Caldas com o fim de dissuadirem os insurgentes, e não foi exigida a tempo força
suficiente para auxílio dos habitantes da cidade. A autoridade administrativa
mandou a Braga pedir uma força para fazer retirar os amotinados, mas esta
partiu tarde e era muita pequena, porque o corpo que lá estava de guarnição
estava reduzido à expressão mais simples.” - Esta notícia tem por epígrafe: "Tumultos
populares no Minho por causa das medidas tributárias". Isto é de um
político que estava na oposição, não é mais que uma acusação. A narrativa dos
factos acontecidos, ainda não me foi possível encontrá-la. J.L.F.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 74.)
O texto transcrito por João Lopes de Faria foi
publicado no jornal O Vimaranense, n.º 5, 1.º ano, 2 de Maio de 1862. O nosso
incansável paleógrafo e coleccionador das efemérides vimaranenses nada mais sabia
acerca do levantamento popular de 28 de Abril de 1862. A verdade é que os
acontecimentos daquele dia foram o início de uma onda de motins populares no
Minho contra os impostos e o sistema decimal de pesos e medidas, que então
estava a ser introduzido. Os alvos do povo em revolta foram as matrizes dos
impostos (a que o povo chamava de meretrizes),
os cadastros do recrutamento militar e os padrões dos pesos novos (os de
Guimarães, seriam atirados a um poço). Este levantamento popular seria
replicado em todo o Minho e manteria estas terras em grande turbulência até ao
Verão deste ano. Está na origem de uma sinónimo de rebelião ou motim popular: Maria
Bernarda ou, mais simplesmente, Bernarda. Segundo alguém escreveu naqueles
dias, a Maria Bernarda era a filha primogénita da Maria da Fonte. Nasceu em
Guimarães, no dia 28 de Abril de 1862 (embora nos dicionários a apresentem como
sendo de Braga).
Sobre este assunto, escrevi um texto, que foi
publicado no Boletim de Trabalhos Históricos numa versão pejada de gralhas,
devido a uma troca de ficheiros (em da versão final, foi publicado um rascunho sem
revisão). É desse texto que transcrevo o que escrevi sobre os acontecimentos de
Guimarães do dia 28 Abril de 1862:
Os sinos das margens do Ave convocaram o povo a reunir-se nas Taipas. As
intenções dessa gente, vinda, na sua quase totalidade, das aldeias rurais, são
patentes: invadir a sede do concelho, assaltar a repartição da Fazenda,
destruir as matrizes de impostos — as meretrizes,
como então eram conhecidas entre o povo — e os registos do recrutamento militar
que, naquele tempo, era causador de uma penosa sangria de braços retirados aos
trabalhos agrícolas.
Às quatro horas da tarde dava-se a entrada em Guimarães de largas
centenas de homens armados, em grande parte apenas com os instrumentos da faina
dos campos. Como a cidade, naquele tempo, não dispunha de qualquer guarnição
militar, alcançaram o Largo do Toural sem encontrarem qualquer resistência,
dirigindo-se para a igreja de S. Pedro, onde forçaram o sineiro a tocar a
rebate. Entretanto, qualquer pedido de auxílio que se pretendesse dirigir a
Braga ficaria sem resposta, uma vez que os revoltosos trataram de fazer cortar
o fio do telégrafo que ligava Guimarães à capital do distrito, em três pontos
diferentes para tornar mais difícil a reparação dos estragos.
Gritava-se nas ruas contra o escrivão da Fazenda e o Ministério do
Marquês de Loulé. As tentativas de encontrar o funcionário do fisco
revelaram-se infrutíferas (soube-se depois que, na eminência da sublevação
anunciada, se havia posto em fuga, acolhendo-se em Braga). À falta de outra
presa, os populares capturaram o substituto do administrador do Concelho,
obrigando-o a acompanhá-los à casa da Administração, onde entraram depois de
arrombarem as portas a golpes de machado, organizando em seguida, no Largo de
S. Francisco, um autêntico auto-de-fé com os papéis que lhes caíram nas mãos.
Quanto às meretrizes, ninguém as
encontrou, por terem sido, ao que constou mais tarde, resguardadas no cofre de
uma irmandade vimaranense, antes da entrada dos sequazes da Maria Bernarda na cidade.
Após a queima de papéis, os amotinados tomaram a direcção da casa do
escrivão, onde debalde o procuraram, assim como sucederia depois na residência
de um seu sobrinho. No entretanto, uma
parte dos populares dirigiu-se para a cadeia, com a intenção de soltarem os
presos, intento de que serão dissuadidos a tempo.
Tendo agarrado um vereador municipal, apoderaram-se das chaves do
edifício da Câmara, para onde se dirigiram com a intenção de destruírem os
cadernos do recenseamento militar. No interior do edifício, arrombaram a porta
da sala de aferição dos pesos e medidas, destruindo tudo o que ali encontraram
e lançando a um poço os padrões do sistema métrico. Desceram depois à rua,
invadindo toda as lojas que encontraram abertas e assenhorando-se dos novos
pesos decimais. Em casa do administrador do Concelho exigiram, sem sucesso, que
lhes fosse revelado o local onde as matrizes dos impostos se achavam
escondidas.
Os revoltosos abandonaram a cidade quando começava a cair a noite, deixando
a promessa de um regresso anunciado para o dia seguinte.
O texto integral (e final) deste artigo pode ser lido ou descarregado aqui:
António Amaro das Neves, A revolta da Maria Bernarda - Motins Populares no Minho (Abril-Junho de1862
0 Comentários